Exatos dois meses após o início da maior onda de ataques já realizada no Estado de São Paulo, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) iniciou uma nova série de atentados: numa ação articulada novamente de dentro da cadeia, soldados da organização voltaram a matar e a atacar bases da polícia, prédios do Judiciário e do Legislativo, bancos, ônibus e até supermercados.

As ações foram espalhadas por todo o Estado e continuaram na noite de ontem. Foram oito mortos: um PM, sua irmã, um agente prisional, o filho de um investigador, um GCM e três vigias de empresas privadas.

Dessa vez, o PCC deixou recados dando sua versão para as ações: cartazes com a frase “contra a opressão carcerária” foram achados em alguns locais. “Foi uma represália contra a tortura nas prisões”, disse o ex-policial Ivan Raymondi Barbosa, presidente da ONG Nova Ordem, ligada ao PCC. Presos de Presidente Venceslau ameaçam continuar os ataques caso o governo não transfira os presos de Araraquara e Itirapina.

Já o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, atribuiu as novas ações à publicação da lista com o nome de 40 presos que seriam transferidos para o presídio federal de Catanduvas (PR). A lista foi divulgada ontem pela Folha, quando boa parte dos ataques já havia sido iniciada. Grampos telefônicos feitos pela polícia mostram que, por volta das 22h de anteontem, presidiários deram a ordem para os ataques. Saulo confirma o aviso, mas afirma que a situação já está normalizada.

Grampo flagrou a ordem para os ataquesA polícia paulista soube, por volta das 22h de anteontem, da nova ordem da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) para retomar a onda de ataques no Estado de São Paulo. Mas não conseguiu evitar a ação dos criminosos: oito pessoas foram assassinadas, mais de 100 ônibus incendiados, 12 agências bancárias, dois supermercados, uma concessionária de carros e uma loja de eletrodomésticos atacados.

Somadas aos ataques iniciados em 12 de maio, a nova onda de ações deixou o seguinte saldo: num total de 373 atentados, 42 membros das forças de segurança do Estado e quatro civis foram assassinados, enquanto 92 pessoas acusadas de ligação com as ações da facção foram mortas pelas polícias.

Policiais descobriram, por meio de uma interceptação telefônica feita no aparelho celular de um preso do CDP 1 de Franco da Rocha, que os “soldados” do PCC tinham recebido ordens para que novos ataques contra o Estado fossem iniciados. O alerta geral para todos os policiais do Estado foi passado às 22h45. “Alerta geral para a iminência de novos ataques” foi o que os policiais ouviram pelos rádios das polícias Civil e Militar em todas as bases operacionais de São Paulo.

Departamentos especializados da Polícia Civil, como o Deic (Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado), também receberam o alerta do “salve geral” (ordem dos líderes do PCC) para que os ataques fossem iniciados.

Um dos casos mais graves ocorreu na noite de terça-feira na favela do Boi Malhado, região da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte de São Paulo), onde o PM Odair José Lorenzi, 29, foi morto com a irmã, Rita de Cássia Lorenzi, 39. Ninguém ficou ferido nos atentados a prédios particulares, mas as ações assustaram as vizinhanças dos estabelecimentos.

Até as 23h30 de ontem, dez suspeitos de participação em ações ordenadas pelo PCC haviam sido presos. Cinco deles, ao lado de um adolescente, iriam atacar um agente penitenciário, que chamou a PM. Outros quatro foram presos na Vila Formosa (zona leste), com armas e coletes à prova de bala.

O secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, falou que, desde anteontem, o PCC tem nova estratégia: atacar mais alvos civis, como supermercados, bancos e ônibus para tentar desestabilizar a sociedade, causando sensação de insegurança.

A ordem é a mesma dada pelos líderes do grupo em 12 de maio, quando o PCC iniciou os ataques: atacar “calças azuis” (agentes penitenciários ou carcereiros, mas não os seus parentes), “calças cinzas” (PMs), “preto e branco” (policiais civis) e os “capas pretas” (juízes e promotores).

Prisão de BH Doze trechos de grampos telefônicos da polícia com a transcrição do “salve geral” revelam que a ordem dos presos também era “matar todos os policiais, civis e militares, além de agentes, e em incendiar carros, caixas eletrônicos, cinemas, grandes supermercados, empresas e ônibus”.

Também pedia aos criminosos para colocarem faixas com dizeres “opressões carcerárias.” E ordenava: “Já solta na banguela. Já pode começar”, que significa iniciar os ataques.

Após saberem do teor do documento, delegacias de Santos e de São Paulo decretaram grau de risco 1, o mais grave, que determinou a volta dos carros e policiais às bases para fazerem segurança armada no local.

As escutas feitas pela polícia ocorreram meia hora após a prisão de Emivaldo da Silva Santos, o BH, apontado como o “gerente” do PCC no ABC. A Delegacia Seccional de São Bernardo não descartou a hipótese de que ele pretendia coordenar as ações na capital.

Transferência e prisões são as motivações A situação dos presídios de Araraquara (273 km de SP) e Itirapina (213 km de SP), onde os presos estão amontoados após rebeliões que destruíram o local, é uma das hipóteses para a nova onda de ações do PCC. Funcionários da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de SP) souberam, segunda-feira, que líderes do PCC que estão no local estabeleceram prazo até, no máximo, hoje para que o governo do Estado transfira os detentos confinados nesses dois locais.

Conversas interceptadas pela Secretaria da Administração Penitenciária apontam que os presos continuarão com os ataques caso os presos das duas cadeias não sejam removidos.

A provável transferência de 40 líderes do grupo criminoso para a penitenciária federal de Catanduvas (PR) também seria uma das motivações do PCC para os ataques. Junto a isso, os presos reivindicam que o regime “linha-dura” na prisão de Venceslau acabe. Lá, os presos ficam 23 horas trancados. Eles e seus parentes (que só podem ficar duas horas nos dias de visita) ficam o tempo todo sob a mira de armas.

O corregedor-geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Gilberto Passos de Freitas, intimou ontem o secretário de Administração Penitenciária do Estado, Antonio Ferreira Pinto, a revelar, num prazo de 24 horas, as providências adotadas para solucionar o problema da superlotação na prisão de Araraquara, “inclusive quanto ao atendimento médico e ao fornecimento de alimentação aos detentos”, determinou o desembargador.

PM e a irmã foram assassinados em casa“Karina, por que você está chorando? Você vai comigo ver meu pai lá no céu?”, perguntava Nicolas, 4, no colo da prima. A metros dali, o pai de Nicolas, o soldado Odair José Lorenzi, 29, e sua irmã Rita de Cássia, 38, mãe de Karina, eram velados no cemitério Vila Nova Cachoeirinha (zona norte de SP).

Ambos foram mortos na madrugada de ontem na casa onde vive a família, um sobrado de oito cômodos, na favela do Boi Malhado. Lorenzi foi alvejado no portão, com cinco tiros no tórax e braço. Rita, na janela, com uma bala na cabeça. Eles foram duas das oito vítimas que morreram entre anteontem e ontem em ataques no Estado.

Ainda atônita, a estudante Karina, 19, contava sobre os últimos minutos do tio e da mãe. “Estava dormindo no quarto com minha mãe quando ouvimos os tiros. Olhamos pela janela e vimos meu tio caído. Desci correndo, coloquei a cabeça dele no colo. Não deu para entender o que dizia. Os tiros continuavam e um dos bandidos gritou para eu sair dali senão me matavam.”

Ao chegar ao andar de cima da casa, Karina diz que encontrou a mãe, próxima à janela da cozinha. “Ela chorava muito e pediu para eu avisar a polícia. Quando ligava, vi minha mãe cair no chão. Tinha levado um tiro no olho. Perdi as duas pessoas que mais amava na vida.”

Exímio churrasqueiro e fã de música sertaneja, Lorenzi estava havia dez anos na PM. Atuava como motorista da Força Tática do 18º Batalhão. Caçula de seis irmãos, tinha recém-concluído curso de reciclagem, onde teve aulas de tiro.

“Ele se sentia seguro em casa porque não tinha inimigos. Moramos há 25 anos no mesmo lugar e todos conheciam e gostavam do Odair”, conta o irmão Carlos Alberto, 37.

Confiando nessa proteção, o soldado saiu no portão, após ouvir alguém o chamando pelo nome. Lorenzi estava acordado à espera da mulher, que trabalhava em telemarketing.

“Todos os policiais já foram avisados para ter cuidado antes de atender a porta. Mas, em casa, o policial se sente mais seguro e baixa um pouco a guarda”, diz o coronel David Antonio de Godoy, comandante da zona norte, presente ao velório. Ele disse crer que a irmã do PM foi atingida por bala perdida.

Segundo Godoy, os criminosos trocaram tiros com dois PMs que estavam perto do local. Um dos policiais, mesmo com colete à prova de bala, foi baleado na bacia. Os criminosos fugiram. A mulher de Lorenzi conta que, embora evitasse mostrar, o marido andava preocupado com os ataques do PCC. Tanto que, desde maio, pediu para mudar de lugar na cama, ficando mais próximo à janela. “Ele dizia que, se acontecesse algo coisa, preferia que fosse com ele, não comigo.”

Ao lado dela, o empreiteiro Marco Galvão, 52, olhava incrédulo para o caixão da namorada, a atendente de cozinha Rita. Na noite anterior, haviam conversado pelo celular, após terem trocado mensagens de dia. Galvão trabalhava em Mongaguá, litoral sul, e Rita reclamava da saudade. Estava eufórica porque o namorado voltaria ontem e eles acertariam a data em que morariam juntos. “Corri tanto para adiantar o serviço e voltar mais cedo. Prá quê? A última coisa que eu esperava nesta vida era reencontrá-la no caixão.”

Folha de S. Paulo