Grupo de sete deputados liderado por Lino Rossi foi responsável por incluir cada vez mais parlamentares no esquema de pagamentos de comissão em troca de emendas para ambulâncias

Sete deputados escancararam as portas do Congresso Nacional para os líderes da quadrilha especializada em fraudar a compra de ambulâncias com verbas públicas. Além da acusação de direcionar emendas ao Orçamento da União que pudessem render negócios ao grupo, eles foram os responsáveis por apresentar congressistas aos donos da Planam. Foi por intermédio deles que os empresários tiveram a acesso a pelo menos 40, entre atuais e ex-integrantes da Câmara.

Os primeiros a figurarem na lista de “parceiros” do grupo de empresários foram Lino Rossi (PP-MT), Nilton Capixaba (PTB-RO), Ricarte de Freitas (PTB-MT), Wanderval Santos (PL-SP) e Enivaldo Ribeiro (PP-PB). Reforçaram o time os então deputados Ronivon Santiago (PP-AC) e Bispo Rodrigues (PL-RJ). Rodrigues renunciou ao mandato depois de descoberto seu envolvimento no escândalo do mensalão. Ronivon teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral por compra de votos em 2002.

Foram vários os critérios adotados pelo grupo para apresentar deputados aos empresários do Mato Grosso: colegas de bancada, de partido ou mesmo simples vizinhos de gabinete foram abordados pelos cicerones de Darci e de Luiz Antônio Vedoin no Congresso Nacional. O relatório da CPI dos Sanguessugas, aprovado no início do mês, apontou a rede de relacionamentos a partir dos depoimentos dos donos da Planam e de Ronildo Pereira Gomes, cabeças do esquema.

O campeão em agregar novos parlamentares ao esquema, de acordo com os três, foi Nilton Capixaba. O deputado do PTB de Rondônia teria apresentado 11 atuais e ex-deputados aos donos da Planam. Todos eles, incluindo Capixaba, foram acusados de envolvimento com as fraudes na compra de ambulâncias, seja pela CPI dos Sanguessugas ou pelo Ministério Público. Ronivon Santiago também apareceu no relatório da CPI como um parlamentar de muitas amizades (veja abaixo)

Lino Rossi foi o primeiro a conhecer os donos da Planam. Darci Vedoin relatou à CPI como o conheceu. Disse que conheceu Lino Rossi de maneira fortuita, quando as malas dele e do deputado foram trocadas no aeroporto de Cuiabá. “Liguei para o Lino, que foi lá no escritório. E aí nós começamos… Aí ele me perguntou o que eu fazia. Digo: ‘estou fazendo unidades móveis de saúde’. ‘Rapaz, é uma boa! Ambulância e tal. Vamos fazer?’ ‘Vamos fazer’. E aí começamos a fazer as emendas para Mato Grosso”, descreveu Darci Vedoin diálogo ocorrido, segundo ele, em 1999 ou 2000.

Luiz Antônio, filho de Darci, confirmou em depoimento à Justiça que conheceu Rossi em 1999: “Em razão de tratar-se de deputado do próprio estado de Mato Grosso e que foi por intermédio desse parlamentar que ele próprio e seu pai, Darci Vedoin, tiveram os primeiros contatos com parlamentares em Brasília.” Rossi apresentou alguns deputados que eram vizinhos de gabinete, no 5° andar do anexo IV, como Renildo Leal (PTB-PA) e Dino Fernandes (PPB-RJ), e depois Nilton Capixaba.

Relatórios da Polícia Federal e do Ministério Público Federal afirmam que o esquema de corrupção, que teria movimentado cerca de R$ 110 milhões nos últimos cinco anos, se consolidou dentro do Congresso a partir do “eixo político” montado pelos Vedoin para levantar recursos para o financiamento de campanhas eleitorais. Para os investigadores não restou dúvidas sobre o papel exercido por parlamentares: o comando do negócio.

O tal “eixo político” não foi mero coadjuvante, que teria sido cooptado por um grupo de empresários tidos como inescrupulosos, como se suspeitava até aqui. Mas deu origem e chefiou o esquema, identificando donos de empresas que dele pudessem participar. “Era necessário um comando político que desse peso e consistência aos atos da organização”, descreveu a Procuradoria Geral da República no Mato Grosso num dos documentos remetidos à CPI e ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde 84 parlamentares acusados de envolvimento no escândalo são investigados.

 Foi-se constituindo uma verdadeira rede de parlamentares que aceitavam, mediante a recompensa em formas variadas, apresentar e direcionar emendas individuais ou de bancada para a aquisição de unidades móveis de saúde 

Trecho de relatório da CPI dos Sanguessugas

Atrás de conexões no governo

 

A CPI dos Sanguessugas começa amanhã a fase de investigação sobre o poder executivo. Técnicos da comissão passaram os últimos dias cruzando os depoimentos dos membros da máfia e reunindo todas as informações e documentos que envolvam ministros, assessores e prefeitos. Segundo o deputado Carlos Sampaio, sub-relator de sistematização incumbido de organizar os dados, a comissão já dispõe de indícios consistentes de falcatruas nos ministérios da Saúde, da Educação e da Ciência e Tecnologia. “Também já reunimos dados que nos permitem aprofundar a investigação em pelo menos 50 municípios”, disse ao Correio.

Sampaio interromperá mais uma vez a campanha pela reeleição e chegará a Brasília amanhã. Na quarta-feira, já terá em mãos o banco de dados preparado pelos técnicos. Com ele, dará seguimento à investigação junto com o deputado Júlio Redecker (PFL-RS), sub-relator para o Executivo. “Fizemos uma releitura dos depoimentos de Darci e Luiz Antônio Vedoin, do Ronildo Medeiros, da Maria da Penha Lino e da Maria Estela. Cruzamos todos eles mais uma vez, só que com enfoque nos nomes de pessoas dos ministérios e das prefeituras envolvidas”, explicou Carlos Sampaio.

Um dos personagens a ganhar os holofotes na nova fase da investigação será o petista José Airton Cirilo, candidato derrotado ao governo do Ceará em 2002, ex-presidente da sigla naquele estado e membro da Executiva nacional do partido. Darci Vedoin, dono da Planam, considerado mentor do esquema dos sanguessugas, ao depor à CPI, informou que, em meados de 2003, Cirilo cobrou 5% de propina para conseguir a liberação de dinheiro devido pelo Ministério da Saúde por 120 ambulâncias fornecidas ainda em 2002, no fim do governo Fernando Henrique Cardoso.

Conforme o testemunho de Vedoin, a negociata da máfia se restringia a compra de emendas parlamentares e fraude de licitações até então. A partir da gestão do ex-ministro Humberto Costa, primeiro titular da Saúde do governo Lula, teria começado, segundo o dono da Planam, o pagamento de propina também no âmbito do governo federal. Cirilo seria o operador — agiria por intermédio de seu sobrinho, Raimundo Lacerda, o Lacerdinha, que trabalhava até um mês atrás como assessor parlamentar no gabinete do senador Luiz Pontes (PSDB-CE).

Candidato a deputado federal pelo PT cearense, José Airton Cirilo vem negando qualquer vínculo com os sanguessugas. Diz que seu nome pode ter sido usado indevidamente pelo sobrinho. Já Humberto Costa, depois de também afastar de si o cálice da máfia, diz que seu nome pode ter sido usado indevidamente por José Airton, que admite ter recebido várias vezes quando ministro. 

Marcelo Rocha do Correio Braziliense