Procuradores e juízes querem tratamento privilegiado na obtenção de registro na Polícia Federal sem se submeter a exame de habilidade ou comprovação de curso de tiro. Conflito chegou ao Supremo

O Estatuto do Desarmamento criou um conflito que envolve juízes, promotores e procuradores com policiais federais. Para dificultar o acesso dos cidadãos a armas de fogo, a Lei 10.826/03 passou a exigir aptidão técnica dos portadores que não pertencem às carreiras diretamente ligadas à segurança pública. Ao regulamentar o assunto, o Departamento de Polícia Federal (DPF) passou a exigir exame de habilidade no manuseio de armas. Mas magistrados e integrantes do Ministério Público não querem se submeter a esse crivo para andarem armados.

No final do ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou o envio de uma recomendação sobre o assunto, assinada pelo presidente do órgão, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, ao diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. No texto, o CNMP pede que a PF não cobre de nenhum promotor de Justiça ou procurador da República a comprovação de que sabe atirar ou manejar uma arma, na hora de conceder ou renovar o registro de qualquer armamento.

Segundo a recomendação, os integrantes do Ministério Público têm a autorização de portar armas, prevista na Lei Complementar nº 75/93, que trata da carreira, independentemente de qualquer outra autorização e, portanto, não estariam submetidos ao Estatuto do Desarmamento. “Não precisamos de autorização da Polícia Federal, um órgão administrativo, para portar armas. Já temos essa prerrogativa definida por uma lei complementar que é superior ao Estatuto do Desarmamento”, justifica o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo.

A assessoria de imprensa da Polícia Federal informou que até ontem a direção geral não havia recebido nenhum comunicado do CNMP. Mas garantiu que essa recomendação será recusada, mesmo tratamento dispensado a uma outra petição encaminhada à PF pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), com o mesmo conteúdo. A entidade que representa mais de 15 mil juízes de todo o país também reclama de ter de se submeter às exigências feitas pela Polícia Federal à população em geral. Integrantes do Judiciário também têm o direito definido por lei complementar que regulamenta a categoria (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman).

Com a recusa da Polícia Federal em acatar a recomendação, a Anamages encaminhou o caso à Justiça por meio de Mandado de Segurança. Na semana passada, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, negou a liminar e manteve as exigências da PF.

Idoneidade

No processo, a PF sustenta que o registro e o porte de arma de fogo são institutos distintos. Os magistrados teriam direito incondicional de portar uma arma. Mas o registro de armas de fogo teria de se submeter às normas do Estatuto do Desarmamento. Dessa forma, a PF dispensa os juízes de exame psicológico, de comprovação de idoneidade, de documento de ocupação lícita e residência certa, exigências feitas a cidadãos comuns.

A PF, no entanto, não abre mão de comprovação de capacidade técnica para manuseio de arma fogo, já que os magistrados e integrantes do Ministério Público não são obrigados a participar de qualquer treinamento ou exame de habilidade no momento do ingresso na carreira, como os policiais. Para a PF, esse exame é a única oportunidade de manter contato com os proprietários de armas de fogo, e habilitá-los a manuseá-las, para que não representem um risco potencial à sociedade e aos próprios portadores. 

Ana Maria Campos

Correio Braziliense

26/1/2007