Ramírez Abadía comandava 16 empresas de fachada no Brasil e é um dos criminosos mais procurados pelos EUA

Após dois anos de investigação, a Polícia Federal prendeu ontem em São Paulo o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, um dos traficantes mais procurados do mundo. Aos 44 anos, patrimônio de US$1,8 bilhão (R$3,4 bilhões) e responsável pelo envio de mais de uma tonelada de cocaína para os Estados Unidos nos últimos dez anos, Ramírez Abadía foi preso em sua casa, avaliada em R$2 milhões, num condomínio de luxo onde morava há oito meses, em Barueri. O governo americano o caçava desde 2002, quando deixou a prisão em Cali, Colômbia.

Ramírez Abadía foi indiciado no Brasil pelos crimes de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. A mulher do traficante, que seria colombiana, também foi presa. A quadrilha do traficante, espalhada por vários países, é acusada de ter envolvimento em pelo menos 315 homicídios.

Além do casal, a PF prendeu mais 12 integrantes da quadrilha – nove brasileiros e três colombianos. As prisões foram efetuadas em Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Estão ocorrendo buscas no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Quatro traficantes estão foragidos. Ramírez Abadía, sócio do colombiano Diego Sanches, também procurado pelo governo dos Estados Unidos, já havia passado pelo sul do país antes de morar em São Paulo.

Desde que entrou para o narcotráfico, no início da década de 90, quando começou a comandar o cartel colombiano do Norte Vale, Ramírez Abadía é tido como o mais influente traficante em todo o mundo. No Brasil, comandava 16 empresas como fachada para lavar dinheiro, a maioria no ramo de venda de carros de luxo, importação e exportação e até uma fazenda de piscicultura, todas em nome de laranjas. Na casa onde o traficante foi preso enquanto dormia, por volta das 6h, a polícia encontrou o passaporte com o nome que ele usava ultimamente: Marcelo Javier Unzue. A mansão tinha paredes falsas e passagens subterrâneas.

Disfarces e três cirurgias

Para despistar a polícia, o traficante passou por três cirurgias plásticas. Também era expert em disfarces. Ontem, chegou à PF usando bigode ralo e de fios brancos. A PF tem fotos em que ele aparece louro, moreno, careca, cabelos compridos, de óculos ou usando cavanhaque.

A polícia fechou o cerco a outras mansões do traficante. No condomínio Porto do Frade, em Angra dos Reis, a PF apreendeu uma lancha Intermarine de 52 pés, avaliada em R$3 milhões. A polícia descobriu uma fazenda em Minas Gerais onde o traficante criava gado.

– O negócio dele era ficar longe da droga, com a vida de milionário, tocando as empresas com dinheiro do tráfico – disse o delegado de Repressão a Entorpecentes de São Paulo, Fernando Franceschini.

No Brasil desde 2005, o traficante criou uma rede de negócios. À distância, controlava o destino da droga e o fluxo de dinheiro. O esquema funcionava assim: a cocaína refinada no cartel Norte Vale, Colômbia, ia para países da Europa e Estados Unidos. O dinheiro seguia para empresas da quadrilha na Espanha e no México. De lá, dólares eram transferidos para o Uruguai, em contas oficiais no Banco da República e chegavam “limpos” no Brasil – por intermédio das suas 16 empresas.

Ramírez Abadía é considerado o herdeiro de Pablo Escobar, que foi chefe do cartel de Medellin e morreu em 1993, quando fugia da polícia. Assim como Escobar, o império acumulado desde que entrou para o narcotráfico e a relação com os Estados Unidos fizeram com que Ramírez Abadía se tornasse o segundo homem mais procurado pelo governo americano. Na lista do departamento de segurança dos EUA, apenas um nome aparece na sua frente: o do terrorista Osama Bin Laden.

Entre os anos de 1990 e 2004, o traficante “exportou” uma fortuna em cocaína para os Estados Unidos: R$10 bilhões. Em 1996, quando foi preso pela segunda vez, teria assumido o envio de 30 toneladas de cocaína para Nova York e mais 40 toneladas para o Colorado. Segundo a PF, ele teria mais de 100 contas bancárias em nome de laranjas.

Ramírez Abadía nasceu em Palmira, na Colômbia, e foi o mais jovem líder do cartel de Cali. Tinha 25 anos quando assumiu o grupo. De lá para cá, espalhou gente por vários países, principalmente nos EUA, seu principal mercado consumidor.

Envolvido no tráfico desde 1986, Ramírez Abadía foi preso duas vezes na Colômbia. Na última delas, condenado a 23 anos de prisão, cumpriu seis. Uma série de benefícios previstos em lei e uma faculdade cursada na cadeia fizeram com que ele ficasse menos tempo preso. No anos 80, antes de entrar no tráfico, era um jovem de classe média alta, universitário e tinha como hobby andar de cavalos. Logo depois, abriu uma empresa de medicamentos e dali entrou para o narcotráfico.

Prisão rende recompensa de US$5 milhões

Nas próximas semanas, o Departamento de Estado dos Estados Unidos enviará à Polícia Federal um cheque de US$5 milhões, a recompensa oferecida pela prisão de Juan Carlos Ramírez Abadía.

Embora tenha se tratado de uma operação conjunta entre a PF e autoridades de Argentina, Uruguai, Espanha e agentes da DEA, a agência antinarcotráfico dos EUA, o prêmio será dado aos policiais brasileiros por terem localizado o bandido. Há uma condição: a PF terá de se comprometer a utilizar o dinheiro no combate ao tráfico de drogas.

Ironicamente, o dinheiro do prêmio poderá sair de um pacote de milhões de dólares (a cifra total não foi divulgada) que o governo americano confiscara de negócios de Ramírez Abadía nos EUA, dinheiro obtido com o narcotráfico.

O programa de recompensas foi criado pelo Congresso americano em 1986 para incentivar informantes a denunciar narcotraficantes. Os prêmios variam conforme a periculosidade do criminoso: US$5 milhões é o mais alto. Até hoje, o governo desembolsou US$24 milhões em recompensas pela captura de sete de uma lista de 17 narcotraficantes. Os dez restantes foram presos por policiais americanos, sem direito à premiação.

Os US$5 milhões que a Polícia Federal receberá de recompensa – R$9,5 milhões – superam os R$9,35 milhões previstos no orçamento do departamento para investimentos em 2007. O total do orçamento da PF para este ano, previsto na Lei Orçamentária, é de R$2,3 bilhões. A recompensa supera também alguns programas do órgão, como o “Combate à criminalidade”, cuja rubrica é de R$4,2 milhões; o valor previsto para policiamento (R$4,2 milhões); cooperação internacional (R$3 milhões); e proteção e benefícios do trabalhador (R$8,7 milhões).

Flávio Freire

O Globo

8/8/2007