Policiais ligados a Lins cobravam por segurança dos grupos que disputam controle dos caça-níqueis

O grupo de policiais supostamente comandados pelo delegado e deputado estadual Álvaro Lins – que foi chefe de Polícia Civil dos dois governos Garotinho – dava segurança tanto para a quadrilha do contraventor Rogério Andrade quanto para a de Fernando Iggnácio. A revelação consta da investigação da Operação Gladiador, da Polícia Federal. Com isso, os acusados conseguiam ter o controle sobre todas as atividades da máfia dos caça-níqueis. A propina paga pela proteção chegaria às delegacias semanalmente e seria entregue por emissários dos dois bicheiros a inspetores de polícia ligados a Lins. Em média, os valores semanais eram de R$3 mil por delegacia, mas os agentes federais identificaram remessas de até R$5 mil.

Com um dos presos, o policial civil Paulo César Oliveira, a PF apreendeu anotações contábeis do pagamento de propinas a várias delegacias, entre elas a 33ª DP (Realengo) e a 34ªDP (Bangu), região onde se concentra a disputa, que já resultou em mais de 50 mortes, pelo controle dos caça-níqueis. Para manter o equilíbrio de forças na região, os dois grupos recebiam tratamento igual.

O delegado federal Alessandro Moretti, coordenador-geral das investigações, também encontrou indícios suficientes da participação do coronel Celso Lacerda Nogueira, ex-comandante do 14º BPM (Bangu), na máfia dos caça-níqueis. A PF tem provas de que ele recebeu propina do bicheiro Fernando Iggnácio, durante um jantar no Royal Grill, num shopping na Barra da Tijuca.

Bicheiro controla caixa mesmo preso

Os contraventores também teriam privilégios na prisão. Segundo agentes federais, escutas mostraram que Iggnácio, genro do bicheiro Castor de Andrade, trocava e-mails com o seu contador Carlos Henrique de Jesus. Mesmo preso, o bicheiro não abandonou os negócios. Os investigadores agora sabem que ele possui 25 mil máquinas espalhadas pela Zona Oeste do Rio. O faturamento chegaria a R$6 milhões por mês.

Há dois meses, o contraventor está preso na carceragem da Polinter em Neves, São Gonçalo. Os policiais federais que investigaram por sete meses a quadrilha dele e a de Rogério Andrade comentam que é como se Iggnácio estivesse em liberdade. De acordo com os investigadores, ele tem um notebook em sua cela.

Todos os dias, Iggnácio fechava o caixa com o contador Carlos Henrique de Jesus. Pelas conversas dos dois, foi possível descobrir que o ganho diário varia entre R$200 mil e R$270 mil. O contador foi preso na Operação Gladiador. Ulisses Rezende, outro contador do bando, está foragido. Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão nos escritórios da quadrilha e agora analisam a documentação.

A Corregedoria da Polícia Civil abre hoje procedimento para investigar os policiais acusados, segundo o corregedor, delegado Ricardo Martins. De acordo com ele, Álvaro Lins poderá ser investigado, se não for beneficiado por foro privilegiado por ter sido eleito deputado estadual. A Corregedoria da Polícia Militar também vai investigar os PMs acusados de ligação com a máfia dos caça-níqueis e com o tráfico (alvo de outra operação da PF, batizada de Tingüi).

Martins tentará obter uma cópia do inquérito da Operação Gladiador, onde são citados os inspetores Hélio Machado da Conceição, o Helinho, Fábio Menezes de Leão, o Fabinho, e Jorge Luis Fernandes, o Jorginho, que tiveram a prisão decretada. O inquérito cita ainda Rogério Augusto Marques de Brito, o Rogerinho.

– Embora a PF tenha criado celeuma em torno do Álvaro Lins, a Justiça não aceitou (a denúncia) porque não havia provas suficientes. De qualquer maneira, vamos apurar com rigor- disse Martins.

Nas investigações da PF para a Gladiador, além do comandante Celso Nogueira, aparecem outros dois PMs. Na Tingüi, 78 PMs foram presos. De acordo com o corregedor da PM, coronel Ricardo Paul, os processos disciplinares começam hoje.

No governo do estado, o clima é de constrangimento, já que Álvaro Lins foi chefe de Polícia de Anthony Garotinho e Rosinha. O secretário de Comunicação, Ricardo Bruno, disse que os supostos crimes atribuídos a Lins nada têm a ver com a administração estadual.

Bingos voltam a funcionar após ação da PF

Apesar de a Polícia Federal ter interditado 18 bingos nos municípios do Rio e de Nova Friburgo, anteontem, durante a Operação Ouro de Tolo, as casas de jogo estavam abertas ontem. Até o Espaço Marquês, no Flamengo, que teve sua porta lacrada pela PF, funcionou normalmente de tarde, assim como máquinas caça-níqueis instaladas em bares perto da sede da Polícia Civil. Segundo o Ministério Público federal, a decisão da Justiça era apenas para apreensão das máquinas nos bingos. A interdição das casas pode ter sido feita por um erro de interpretação da PF ou por determinação da Receita Federal, que acompanhou a operação.

Como sua fabricação é proibida no Brasil, as máquinas apreendidas pela Polícia Federal podem ter sido contrabandeadas, segundo investigação do Ministério Público federal. Muitos caça-níqueis só entraram no país por força de liminares, que depois foram cassadas.

No Bingo Arpoador, em Copacabana, onde anteontem 30 caminhões foram utilizados para recolher 320 caça-níqueis, os clientes puderam jogar a partir das 15h.

No Espaço Marquês, na Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, uma funcionária limpava ontem a porta de vidro que, na véspera, havia sido lacrada por um agente da PF.

Como a Polícia Federal não executou todos os 28 mandados de busca e apreensão, bingos como o de Laranjeiras continuaram funcionando normalmente, inclusive com caça-níqueis.

Apesar de o jogo de azar ser proibido no Brasil, os caça-níqueis podem ser vistos em diversos bares da cidade, inclusive nos localizados perto de unidades policiais. A poucos metros da sede da Polícia Civil, na Rua da Relação, as máquinas eram usadas livremente ontem. O mesmo acontecia nos arredores do prédio da Secretaria de Segurança Pública, na Central, e da Academia de Polícia (Acadepol), na Cidade Nova.

Dono de bar: nunca houve repressão a caça-níqueis

Na Tijuca – onde os bingos Saens Peña e Tijuca tiveram suas máquinas lacradas – caça-níqueis também eram operados normalmente. Na Conde de Bonfim, por exemplo, bares ganharam novos adeptos.

– Como apreenderam os videobingos, a gente vem para o bar – disse Valmir Rocha, enquanto jogava num bar da Rua Haddock Lobo, na Tijuca.

No Flamengo, jogadores reclamaram da ação da polícia.

– Joga quem quer. O prejuízo é no bolso de cada um – disse um deles.

Segundo o dono de outro estabelecimento, desde que começaram a ser instalados em bares do Rio, nunca houve repressão aos caça-níqueis:

– Tenho máquinas há dez anos e nunca enfrentei problemas. Os policiais sabem da existência dos caça-níqueis e da máfia, mas não fazem nada.

O Globo