Rio – O mítico criador de Brasília cedeu à humanidade de seu corpo, mas, novamente, demonstrou sua incrível resistência. O arquiteto carioca Oscar Niemeyer, 98 anos, recupera-se desde o último domingo de uma cirurgia ortopédica à qual foi submetido após sofrer uma fratura no quadril. Niemeyer, que caiu dentro de casa, depois de tropeçar no tapete da sala, foi operado pelo ortopedista Pedro Ivo de Carvalho, o mesmo que há cinco anos cuidou das fraturas do músico Herbert Vianna, líder do grupo Paralamas do Sucesso, após o acidente com o ultraleve que quase o matou.

A cirurgia, segundo os boletins médicos divulgados ontem, foi “um sucesso” e o arquiteto segue internado, já se alimentando normalmente, na Unidade Intermediária (UI) do Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio. Não há previsão de alta, mas funcionários de seu escritório acreditam que ele volte para sua casa, em Ipanema, Zona Sul, ainda esta semana, onde terminará a recuperação. Ontem mesmo ele passou por três sessões de fisioterapia. Niemeyer, que fará 99 anos no dia 15 de dezembro, quis saber dos médicos se poderá voltar logo ao trabalho. Anna Maria, sua única filha, diretora da Galeria Ana Maria Niemeyer, mandou dizer ontem que estava muito otimista com a recuperação do pai.

Simplicidade

“Não sou tão ingênuo para seguir os que dão importância extraordinária ao que fazem e se julgam predestinados, prontos a entrar na história. Sou realista e sei muito bem como as coisas são precárias e ilusórias diante do tempo que tudo vai diluir e esquecer”, disse certa vez o arquiteto. A genialidade, a coerência ideológica e a obra já eternizada nunca modificaram a simplicidade de Niemeyer, a mesma com que conduz sua rotina até hoje. Vai todos os dias ao escritório no velho Edifício Ypiranga, na Avenida Atlântica, inclusive nos finais de semana, almoça no trabalho e cuida pessoalmente de, em média, cinco projetos por mês. Começa desenhando sozinho para depois submeter seus traços aos colegas de escritório, entre eles o neto Carlos Oscar, que seguiu nas pranchetas da vida. No porta-retratos sobre sua mesa, uma foto do líder comunista Luís Carlos Prestes relembra a todos a ideologia do chefe.

Conhecido e admirado no mundo todo, o maior arquiteto do Brasil — e um dos maiores gênios nacionais, da estirpe do cirurgião plástico Ivo Pitanguy, do educador Paulo Freire e do maestro Tom Jobim —, Oscar Niemeyer, mais de 70 anos dedicados à arquitetura, tem mais de 600 projetos pelo mundo, os mais célebres, os que se tornaram símbolos da capital federal (ele trabalhou no Plano Piloto de Brasília com Lucio Costa), o bairro mineiro da Pampulha, edificações no parque do Ibirapuera, em São Paulo, além de obras em diversos países, como a Universidade de Haifa, em Israel, o Museu de Arte Moderna de Caracas, na Venezuela, e o conjunto urbanístico em Grasse, na França. Em todos os casos, sua marca registrada: a troca do monótono ângulo reto pelas curvas que ele descreve como livres e sensuais “como as montanhas de meu país” e “o corpo da mulher preferida”.

Niterói, a 15km do Rio, tem uma das maiores concentrações de obras que saíram dos traços do arquiteto, o chamado Caminho Niemeyer, que começou com o Museu de Arte Contemporânea, inaugurado em 1996 em um platô com vista panorâmica da baía de Guanabara. No próximo dia 22 de novembro deve ser finalmente inaugurado o Teatro Popular de Niterói, cuja abertura foi adiada depois que o perfeccionista Niemeyer manifestou dúvidas sobre o resultado final da obra. O projeto prevê ainda uma catedral católica, uma batista, uma capela no mar em homenagem à Nossa Senhora do Líbano, a nova estação das barcas de passageiros que ligam Niterói ao Rio de Janeiro, uma praça e um aquário. Não há descanso para a imaginação e as pranchetas do genial arquiteto.

Ricardo Miranda

Da equipe do Correio