Numa tentativa de recuperar a confiança do mercado na política fiscal e evitar o rebaixamento do Brasil pelas agências de classificação de risco, o governo anunciou nesta quinta-feira um corte de R$ 44 bilhões no Orçamento de 2014 e fixou a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do setor público em R$ 99 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país).

Para ajustar as contas, a equipe econômica passou a tesoura em praticamente todos os ministérios, preservando apenas Saúde, Educação, Desenvolvimento Social e Ciência e Tecnologia. Os mais afetados foram as pastas da Defesa, com cortes de R$ 3,5 bilhões, e o Ministério da Fazenda, com cortes de R$ 1,55 bilhão. O Ministério da Justiça teve um contingenciamento de R$ 800 milhões e do Desenvolvimento Agrário, de R$ 729 milhões.

Segundo o decreto, do corte de R$ 44 bilhões, R$ 13,5 bilhões são relativos às despesas obrigatórias e outros R$ 30,5 bilhões às despesas discricionárias (custeio e investimentos). Nesse grupo, os mais prejudicados foram as emendas parlamentares, de R$ 13,3 bilhões, seguidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 7 bilhões. Segundo Mantega, isso não significa um prejuízo ao programa e sim um ajuste:

— O que estamos fazendo com o PAC é adequá-lo à realidade do que é possível fazer. No projeto orçamentário, ele estava subindo 47%, mas não adianta colocar mais do que é possível realizar.

Os principais executores do PAC também não viram no corte uma preocupação. Na visão de um ministro com empreendimentos no programa, o desempenho físico das obras costuma ser entrave maior do que a liberação do orçamento.

Para Mantega, reforço no combate à inflação — Outros R$ 10,2 bilhões foram contingenciados nos gastos de quase todos os órgãos do Executivo. Ao ser indagado sobre o impacto do corte na Fazenda, Mantega chegou a brincar:

— No próximo ano não vai ter nem água nessa sala. Mas assim é a vida.

Os ministérios da Defesa e da Fazenda informaram que avaliam quais áreas serão afetadas com os contingenciamentos. Os demais ministérios informaram que também estão avaliando o que pode ser cortado, sem dizer se serão afetados projetos da Copa do Mundo ou da área de segurança.

O superávit primário de 1,9% do PIB para 2014 é o mesmo registrado em 2013 e representa um esforço fiscal menor do que havia sido incluído pela equipe econômica na lei orçamentária, de 2,1% do PIB (R$ 109,4 bilhões), já considerando o abatimento de desonerações e investimentos do PAC.

Segundo Mantega, a nova meta é mais realista e vai permitir uma redução da dívida pública, que deve fechar 2014 em 33,6% do PIB. Ele acrescentou que o esforço fiscal vai ajudar no combate à inflação e contribuir para uma política monetária “menos severa”.

— A política fiscal contribui para que a política monetária seja menos severa, pois ajuda na redução da inflação — disse Mantega.

Na nova meta, a equipe econômica também mudou o tamanho do esforço que será realizado pela União e por estados e municípios. O superávit primário do governo central subiu de R$ 58 bilhões, ou 1,1% do PIB, para R$ 80,8 bilhões, ou 1,55% do PIB. Já os governos regionais tiveram sua meta reduzida de R$ 51,3 bilhões, 1% do PIB, para R$ 18,2 bilhões, 0,35% do PIB.

— São projeções exequíveis, bastante realistas e conservadoras. Fomos moderados na equação da receita e realistas na despesa. Creio que será bem recebido (pelo mercado) — disse ele.

Uma das desconfianças do mercado era sobre o risco de estados e municípios não conseguirem realizar a meta de 1% do PIB prevista na lei. Os governos regionais não têm conseguido fazer superávits dessa magnitude. Em 2013, esses entes contribuíram com apenas 0,34% do PIB.

Na conta, PIB maior que o previsto pelo mercado — Mantega disse que a decisão do governo de pôr o superávit fiscal primário em 1,9% do PIB não foi influenciada pelo ano eleitoral:

— O ano eleitoral não pesou. Se pesasse, nós faríamos um (superávit) primário menor para poder gastar mais.

Para o economista-chefe da Gradual, André Perfeito, o corte de R$ 44 bilhões é razoável e sugere que a relação dívida/PIB ficará estável.

— Esse esforço parece suficiente para evitar o downgrade (rebaixamento) por agências de classificação de risco.

Segundo Mauro Leos, analista da Moody’s para o Brasil, a meta de superávit fiscal anunciada nesta quinta-feira está em linha com a perspectiva estável do rating Baa2 atribuído pela agência ao país.

— Um superávit primário de 1,9% do PIB pode ser suficiente para evitar uma deterioração nos indicadores de dívida do Brasil, que devem se manter próximos a 60% do PIB (dívida bruta), não apresentando melhora significativa em relação ao ano passado. O anúncio é uma indicação de que não deve haver um ajuste fiscal relevante antes das eleições presidenciais — disse o analista.

No decreto, a equipe econômica também reviu para baixo a projeção para o crescimento da economia em 2014. Ela caiu de 3,8% para 2,5%. No entanto, o número ainda é mais otimista do que as projeções do mercado, que trabalha com uma taxa de apenas 1,79%.

Fonte: O Globo