No município de Santarém, no oeste de Pará, a 780 km de Belém, 20 casos de doenças de chagas já foram confirmados pela Divisão de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria Municipal de Saúde.

Os técnicos da DVS acreditam que o aparecimento dos novos casos está relacionado com o consumo do vinho de bacaba, que é uma fruta similar ao açaí. Nas pesquisas que eles fizeram, descobriram que o barbeiro – inseto transmissor da doença – foi encontrado nos cachos de bacaba e pode ter sido triturado durante o processamento da fruta.

O surto tem características semelhantes ao ocorrido ano passado em Santa Catarina, onde foram registrados 26 casos e três mortes, que ganharam imensa repercussão na imprensa em todo o país. As investigações comprovaram que os barbeiros foram esfregados junto com o caldo de cana, configurando assim uma nova forma de transmissão da doença de chagas: por via oral, e não pela picada do inseto.

A diferença entre os dois surtos é o silêncio que existe em relação à Amazônia, embora a relação entre o número de casos identificados seja bastante distinta e desfavorável à situação de Santarém.

Em Santa Catarina, em mais de mil amostras, houve pouco mais de 20 casos. Em Santarém, de 70 amostras, 20 casos já foram confirmados. Concentração dos casos

Os trabalhos de coleta de sangue estão sendo feitos pelo infectologistas do Instituto Evandro Chagas, que é um dos principais centros de excelência da Amazônia no estudo de doenças tropicais. A situação mais grave ocorre na localidade de Mojuí dos Campos.

Segundo o instituto, o último surto de doença de chagas na Amazônia ocorreu em 1999, na comunidade de Pau D’Arco, próxima a Santarém, também no oeste do Pará. Na época, foram confirmados 11 casos da doença.

A doença de chagas, que leva esse nome por ter sido identificada no início do século XX pelo cientista brasileiro Carlos Chagas, é infecciosa e parasitária. O protozoário Trypanossoma cruzi é transmitido por uma espécie de besouro popularmente conhecido como barbeiro. O protozoário se reproduz no intestino do barbeiro. Quando este pica o ser humano, defeca e elimina as fezes contaminadas. Aí a pessoa se coça e espalha as fezes sobre o corpo. Dessa maneira, o parasita penetra nas células da pele, atingindo a circulação sangüínea.

Em geral, os sintomas só aparecem após um período de incubação de pelo menos uma semana. Entre os sintomas, febre alta, irritação na pele e ínguas. O desenvolvimento da doença pode levar a complicações cardiológicas e, menos freqüentemente, à inflamação do cérebro (encefalite). Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos anos, o Brasil teve apenas “algumas dezenas” de casos anuais de doença de chagas por ano. Duas décadas atrás, o número chegou a ser superior a 20 mil.

A queda se deve ao trabalho de combate ao barbeiro “caseiro”, que habita habitações pobres e em condições inadequadas de higiene em zonas urbanas do interior do país. Em junho deste ano, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) concedeu certificado ao governo brasileiro no qual deu por eliminada no país a transmissão da doença pelo barbeiro caseiro.Doença e desmatamento

O grande problema agora é a transmissão pelo barbeiro “da mata”, identificado pela primeira vez em Santa Catarina e que pode ser o mesmo que está por trás dos casos encontrados em Santarém.

Suspeita-se que os desmatamentos que estão ocorrendo no oeste do Pará tenham a ver com essa história. Há acentuado número de grileiros de terras atuando na região, abrindo caminho para o plantio de extensas áreas de soja.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, foram desmatados em 2002 15 mil hectares de terra no oeste do Pará. Em 2004, com a chegada da soja, a área desmatada quase dobrou, passando a 28 mil hectares.

O diretor da DVS de Santarém, Jorge Heimar, é quem faz a associação entre o desmatamento e o surto da doença de chagas. “Quando o inseto se sente ameaçado, ele vai procurar outros lugares para sobreviver, fora do seu ambiente natural”, afirma ele.

Resta saber se o país continuará em silêncio ou se vai se mobilizar para dar a assistência necessária à população pobre que é a principal vítima da enfermidade. Em episódios do passado, já se verificou que o Brasil não costuma tratar igualmente as tragédias que ocorrem no Centro-Sul do país daquelas que atingem indígenas ou os habitantes carentes da vasta e distante Amazônia. 

Ronaldo Brasiliense, de Santarém (PA) / Congresso Em Foco