Cinco dias depois de prender 17 pessoas – já soltas por decisão judicial – e cumprir 42 mandados de busca e apreensão, a Polícia Federal (PF) apresentou à Justiça o primeiro relatório parcial de análise do material apreendido durante a Operação Cerol, em casas e escritórios dos suspeitos do esquema de corrupção envolvendo empresas investigadas por crimes previdenciários. Os investigadores encontraram, nas casas dos advogados Mário Jorge Campos Rodrigues e Tarcísio Pelúcio, o que pode ser uma “tabela de preços” de delegados na Polícia Federal do Rio – que cobrariam até R$ 100 mil por fraudes em inquéritos. Os dois advogados são suspeitos de envolvimento direto nas irregularidades.

Na residência de Mário Jorge havia folha com anotações. No alto da página, o nome “Pelúcio” e, logo abaixo, escritos a mão, nomes de inquéritos e valores. Por exemplo, o nome “Banestado”, seguido de “Banco Prosper e Antônio Joaquim Peixoto de Castro”.

Ao lado, o valor: “R$ 100 mil”, tendo, abaixo, a inscrição “delegado:?”. A lista enumera ainda o inquérito 09/05, sob o título “Interclínica” e a indicação de R$ 40 mil com a observação de que “faltam R$ 20 mil”. Já no inquérito 045/05, da Casa da Barra, o preço foi de R$ 50 mil. A avaliação dos peritos é de que a lista “pode sugerir pagamento de vantagem” a delegados. Em outra lista, na casa de Pelúcio, também há valores, mas, de acordo com o relatório, “não podem garantir se são honorários ou propinas”.

Dados privilegiados

Policiais se surpreenderam também com as informações privilegiadas de Pelúcio. Na casa de Mário Jorge, havia recado de 23 de janeiro assinado por Pelúcio com dados da lista do escândalo do Banestado, no qual R$ 30 bilhões saíram do País. Pelúcio informava a Mário sobre a transferência de US$ 324,4 mil do Banco Prosper, entre 2001 e 2002, sob o código “Pescara”, uma das principais contas-alvo da investigação. Além do banco, há referência a Antônio Joaquim, como remetente de US$ 65,4 mil, em 1999, pela conta.

Para os peritos, a lista “leva a crer que Pelúcio teve acesso a dados da Operação Beacon Hill” e que alguns nomes “constam da lista dos expedientes autodirecionados ao DPF Baltazar”. Conforme a reportagem mostrou segunda-feira, o delegado Paulo Baltazar, ex-chefe da Delegacia de Crimes Financeiros, redirecionou, em fevereiro, 44 inquéritos do caso Banestado, colocando-os sob sua responsabilidade.

Não era só dinheiro que circulava na PF. Presentes também eram bem-vindos na superintendência, na Praça Mauá. O ex-corregedor Jairo Kullmann, por exemplo, ganhou de Pelúcio caneta Cartier. O advogado entregou o mimo dentro da Corregedoria e ainda levou outra a servidor do setor de passaportes. Na loja, em Ipanema, agentes apuraram que a nota de R$ 1.740 seria emitida ao Grupo Peixoto de Castro.

Kullmann também negociou uma TV com Pelúcio. Em gravação, o advogado diz que vai receber “cinqüentinha, desse negócio” e que vai dar o aparelho de 32 polegadas ao delegado, conforme combinado. Na casa do ex-diretor executivo da PF, Roberto Prel, foi encontrado cartão de Pelúcio com o recado: “Prezado Prel, conforme prometido segue o Grand MacNish (uísque), espero que o amigo goste. As duas garrafas de vinho, favor entregar ao chefe. Abraços do amigo de sempre”. O “chefe” seria o ex-superintendente José Milton Rodrigues. O MacNish custa cerca de R$ 60 em supermercados.

Lista de festa tem nomes de policiais

O material apreendido na Operação Cerol mal começou a ser analisado, mas a relação íntima entre os integrantes do grupo investigado fica clara em documentos como o encontrado na casa de Paulo Henrique Villela Pedras, advogado da Cervejaria Itaipava e vice-presidente do Jockey Club.

No local, os policiais acharam a lista de convidados para aniversário de Pedras. Com 21 páginas, a relação tem os nomes do ex-superintendente da PF José Milton Rodrigues, do ex-diretor executivo Roberto Prel e do advogado Tarcísio Pelúcio. Também constam nomes de ex-integrantes da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Rio: um policial civil e outro federal.

Pedras é acusado de bancar festinhas para policiais no Jockey. Em gravações, ele chega a sugerir a Pelúcio que a posse do atual superintendente, Delci Teixeira, fosse lá para poder aliciá-lo.

Imóvel pertence a outro suspeito

O ex-superintendente da Polícia Federal do Rio José Milton Rodrigues estava morando, desde 12 de julho, em luxuoso apart-hotel em Copacabana. No Copa Green Residence Service, na Rua Marechal Mascarenhas de Moraes, ele ocupava um dos 56 apartamentos, cujo aluguel varia entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil.

O flat, onde o delegado foi preso às 6h de sexta-feira, pertence a outro homem apontado como integrante do esquema: o advogado Paulo Henrique Villela Pedras, da Cervejaria Itaipava. A informação foi dada por outro personagem investigado, o também advogado Tarcísio de Figueiredo Pelúcio, em depoimento à PF.

Nas últimas semanas, o apartamento havia sido cedido a José Milton, que mal era visto dentro do prédio. “Só o via saindo de manhã e chegando à noite”, disse um funcionário. O delegado teria ido para lá após ter sido informado de que haveria operação que desbarataria o esquema.

No quarto e sala emprestado em que estava morando, o delegado tinha toda a tranqüilidade à sua disposição. Começando pelo lado de fora, ainda na rua, que é fechada por uma cancela e onde três seguranças se revezam durante 24 horas por dia. Dentro do edifício, a mordomia é ainda maior: academia de ginástica, sauna, piscina, serviço de quarto e camareira.

José Milton, que está internado desde o dia de sua prisão no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, estava nesse novo endereço havia pouco tempo. “Vai tentar entender? Um cara que ocupa um cargo de delegado federal ganha tão bem e se envolve num esquema desses. É triste ver a ganância de quem sempre quer mais e mais”, comentou um vizinho.

José Milton será operado hoje de manhã. Ele deverá ser submetido a cirurgia para implantação de ponte de safena. A recuperação deve levar uma semana. O delegado está proibido de receber visitas, conforme aviso fixado na porta do quarto. Ele foi internado após sofrer enfarte ao ser preso. Passou por cateterismo, que indicou necessidade de cirurgia. Mas não pôde ser imediatamente operado devido a medicamentos que utiliza e alteram resultados dos exames pré-operatórios.

O Dia