Critério cronológico será substituído pelo de gravidade, medido por modelo matemático

Após 17 dias de atraso, começam a vigorar hoje as novas regras que norteiam a distribuição de fígados na fila única de transplantes. O critério cronológico (tempo em lista) será substituído pelo de gravidade.

As mudanças buscam reduzir a mortalidade na fila de espera, que chega a 60%, mas, sozinhas, não terão o impacto esperado, avaliam médicos e a associação dos doentes hepáticos.

Anunciadas para o dia 30 de junho, as novas regras sofreram atraso devido às readequações nos sistemas de informática das centrais de transplante e à necessidade de novos exames dos pacientes que estão na fila, segundo o Ministério da Saúde.

Hoje, 7.000 pessoas aguardam um transplante de fígado no país -3.000 no Estado de São Paulo, onde a espera dura em média três anos.

Pela nova regra, a gravidade será avaliada pelo Meld (Model for End-Stage Liver Disease), um modelo matemático que se baseia em três exames laboratoriais e atribui pontos para cada paciente.

Os números vão de 6 a 40. Quanto maior o valor, maior a gravidade e menor o tempo de vida previsto para o doente. São considerados casos graves aqueles que têm um índices acima de 16. O Meld é usado nos EUA desde 2001.

Segundo o médico Silvano Raia, da Fundação do Fígado de São Paulo, a ordem cronológica, iniciada em 97, teve méritos, como evitar que pacientes com mais recursos financeiros fossem privilegiados na fila.

Para ele, a mudança do critério é necessária porque muitos pacientes são incluídos na fila mesmo antes de necessitarem de um fígado novo. O Ministério da Saúde diz que, dos atuais inscritos, 61% não precisam de um transplante imediato.

Uma preocupação do médico, no entanto, é que a mudança de critério aumente o índice de mortes após a realização de transplante em razão da gravidade dos pacientes.

O médico Paulo Massarolo, secretário da ABT (Associação Brasileira de Transplantes), diz esperar que as novas regras sejam flexíveis para atender casos graves de pessoas que necessitam do transplante, mas que não têm o número de pontos exigidos para a cirurgia.

“Tenho uma paciente que está em coma, com encefalopatia, mas não tem Meld para o transplante. Os exames estão razoáveis. São exceções freqüentes.” Massarolo estima que de 10% a 20% dos pacientes do serviço que dirige na Santa Casa de São Paulo estejam nessa situação.

Segundo o Ministério da Saúde, esses casos serão avaliadas pela câmara técnica do fígado, instituída pela pasta.

Mudanças

Na opinião de Ervin Moretti, presidente da Transpática (associação que reúne os transplantados e doentes do fígado), além das novas regras, é preciso investir em outras ações para reduzir a mortalidade.

Segundo ele, há problemas na estrutura da captação de órgãos, em especial nos hospitais privados. “O problema não é apenas falta de órgãos. Muitos hospitais não têm nem comissões internas de transplante.”

Moretti também defende investimentos para melhorar a fase do pós-transplante, especialmente no primeiro ano, quando 25% dos pacientes morrem. “Alguns hospitais fazem o transplante, mas não dão seguimento no pós-cirúrgico.”

Outro problema, diz ele, é a falta de leitos de UTI para manter o paciente em morte cerebral até o transplante. Em razão da escassez de leitos, há controvérsias sobre o seu uso em casos de morte cerebral.

NA INTERNET – Leia sobre transplante de fígado

http://www.transpatica.org.br/

CLÁUDIA COLLUCCI da Folha de São Paulo