Os donos do dinheiro arrecadado por petistas para comprar o dossiê Vedoin devem ser revelados ainda hoje pela Polícia Federal. A promessa foi feita ontem pelo ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, a um membro do governo, depois de ter se informado sobre o andamento do inquérito sob responsabilidade do delegado de Cuiabá, Diógenes Curado. Depois de ter informado que a conclusão do inquérito só sairia depois da votação do segundo turno das eleições, a PF percebeu que poderia acelerar o trabalho. O relatório parcial sobre as investigações que seria apresentado ontem pelo delegado e foi adiado para hoje.

A pressa da PF e do ministro da Justiça foi provocada pela descoberta, nos últimos dias, de um importante membro, ou ex-membro, do PT que surgiu nas investigações. Segundo fontes da polícia, na véspera da prisão dos petistas em São Paulo, dia 14 de setembro, esse personagem telefonou e recebeu telefonemas dos implicados na tentativa de compra do dossiê Vedoin. O dinheiro – R$ 1,7 milhão de reais – foi apreendido pela PF com os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha em um hotel em São Paulo e seria empregado na tentativa de compra do dossiê formado pelo empresário Luiz Antônio Vedoin que comprometeria o ex-ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso José Serra, governador eleito de São Paulo.

A promessa de conclusão rápida das investigações também foi feita ontem pelo delegado Curado ao vice-presidente da CPI dos Sanguessugas, deputado Raul Jungaman (PPS-PE). O relatório parcial deverá ser entregue hoje ao juiz da 2ª Vara Federal de Cuiabá, Jefferson Schneider. A CPI enviou um assessor para buscar, ainda hoje, o relatório do delegado para que seja analisado pelos parlamentares. Jungmann informou, ainda, que o delegado Curado negou ser do PT o dinheiro apreendido. “Houve um mal entendido. O dinheiro não é do PT, mas os petistas transportaram as malas”, esclareceu o deputado.

O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, confirmou que pelo menos R$ 5 mil do R$ 1,7 milhão apreendidos podem ter saído de bancas do jogo do bicho. “Uma pequena parte, pelo menos, sim (doada pelo jogo do bicho). Estamos verificando. Não existe ainda uma condição plena de afirmar, mas estamos chegando lá. Estamos próximos de desvendar toda a origem desse dinheiro”, disse Lacerda.

Ele confirmou o nome do bicheiro Antônio Petrus Kalil, o Turcão, apontado como possível doador dos R$ 5 mil nas apurações da PF, como dono de parte do dinheiro. Mas o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não confirmou a informação. “Pode ser que seja, pode ser que não seja. É uma linha de investigação. O importante é não fazer disso uma moeda eleitoral. O importante é fazer disso o que é: um indício de prova, um indício que tem que ser articulado a todos os outros indícios, para se fazer uma convicção para ser levada ao Poder Judiciário”, disse o ministro.

Thomaz Bastos repudiou acusações de líderes do PSDB, PFL e PPS que acusam a PF de atrasar as investigações sobre o dossiê para não atrapalhar a campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A apuração está sendo feita rapidamente, isso aconteceu há 30 dias”, destacou. “Já se descobriu toda a cadeia causal, e a Polícia Federal está fazendo um trabalho que acredito que, no Brasil, só ela possa fazer, com a fiscalização do Ministério Público e o comando da Polícia Federal, para desvendar agora a origem desse dinheiro”, destacou. O ministro afirmou que, como ninguém confessou, a PF tem que ir pela prova técnica.  

Entenda o caso

Negociação com a família Vedoin

No último dia 15 de setembro, a Polícia Federal apreendeu vídeo, DVD e fotos que mostram o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, na entrega de ambulâncias superfaturadas pela máfia. O material contra o tucano seria entregue pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, chefe dos sanguessugas e sócio da Planam, a Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, e Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso.

Gedimar e Valdebran foram presos, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão (em dólares e reais). Eles aguardavam num hotel em São Paulo por um emissário de Luiz Antônio, que levaria o dossiê contra o candidato tucano. O emissário seria o tio do empresário, Paulo Roberto Dalcol Trevisan. A pedido de Luiz Antônio, o tio entregaria em São Paulo o documento a Valdebran e Gedimar.

Os quatro envolvidos foram presos pela Polícia Federal. Em depoimento à PF, Gedimar disse que foi contratado pela Executiva Nacional do PT, comandada pelo presidente da legenda, Ricardo Berzoini, então ex-coordenador da campanha à reeleição de Lula, para negociar com a família Vedoin a compra de um dossiê contra os tucanos, e que do pacote fazia parte uma entrevista acusando Serra de envolvimento na máfia.

Ele disse ainda que seu contato no PT era alguém de nome “Froud ou Freud”. Após a denúncia, o assessor pessoal e amigo de muitos anos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Freud Godoy, pediu afastamento do cargo. Ele nega as acusações ou qualquer ligação com os envolvidos.

Após o episódio, outros nomes ligados ao PT começaram a ser relacionados ao dossiê. Esse é o caso de Berzoini. Osvaldo Bargas, ex-secretário no Ministério do Trabalho e então coordenador de programa de governo da campanha, e Jorge Lorenzetti, o analista de mídia e risco do PT , procuraram a revista Época para oferecer o dossiê.

Lorenzetti foi afastado do cargo e Berzoini deixou a coordenação da campanha de Lula, mas, por enquanto, permanece na presidência do partido. O ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Afonso Veloso também foi afastado da instituição, após denúncia sobre seu suposto envolvimento com o dossiê. Valdebran disse que recebeu parte do dinheiro de uma pessoa chamada “Expedito”. Ele teria participado da operação de montagem e divulgação do documento.

Na tentativa de se desvencilhar do escândalo, Lula jogou pesado na segunda-feira passada: “Eu quero saber não apenas de onde veio o dinheiro. Eu quero saber quem foi que montou a engenharia política para essa barbárie que foi feita. Se um bando de aloprados resolveu comprar um dossiê, é porque alguém disse para eles que esse dossiê deve ter coisas do arco da velha.”  

Abel contra a “farsa”

O empresário Abel Pereira, de Piracicaba (SP), acusado de ser o intermediário do esquema dos sanguessugas, disse ontem que espera “desmontar a farsa” do dossiê dos Vedoin durante o depoimento que dará na segunda-feira à Polícia Federal. “Vou falar na hora certa para desmontar essa farsa”, afirmou. Abel será ouvido em Cuiabá, no inquérito que investiga o dossiê com supostas denúncias contra José Serra, do PSDB, pelo qual petistas iam pagar R$ 1,7 milhão, em dólares e reais.

Ele foi acusado pelo empresário Ronildo Medeiros, que depôs quarta-feira passada na Justiça Federal, de receber o equivalente a 6,5% do valor de cada uma das ambulâncias vendidas a cerca de 500 prefeituras entre 2001 e 2002. Na época, o atual prefeito de Piracicaba, Barjas Negri (PSDB), exerceu o cargo de secretário-executivo do Ministério da Saúde e, em seguida, assumiu o cargo de ministro, sucedendo a Serra, que concorria à Presidência da República.

Abel voltou a negar a participação no esquema e garantiu que os depósitos que teriam sido feitos em sua conta são “uma invenção”. Disse que está tranqüilo e preparado para dar seu depoimento, mas não quis adiantar detalhes. Ele foi orientado pelos advogados a não falar com a imprensa antes de ser ouvido pela PF por uma questão estratégica. “Estão usando o que eu falo para inventar novas acusações”, disse, referindo-se aos autores das denúncias contra ele. 

Leonel Rocha

Correio Braziliense