“É da nossa cultura” 

Diretor-geral da Polícia Federal diz que a corrupção é problema antigo no Brasil e pede o fim da impunidade

O delegado federal Paulo Lacerda, 60 anos, é o primeiro a considerar que um dos grandes males da administração pública é a corrupção. Mas não acredita que esse “câncer” tenha aumentado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A corrupção no Brasil existe desde que o país foi descoberto”, afirma. Diretor-geral da Polícia Federal, ele se prepara para deixar o cargo até o final deste mês. É quando o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, desembarca do governo Lula. Lacerda não pretende permanecer no cargo. Considera sua missão cumprida. Fazendo um balanço positivo de sua gestão à frente do órgão, esse goiano de nascimento, mas de alma carioca, considera injustas as críticas de que tenha atuado em favor do governo ou contra a oposição. “Não se pode atribuir à Polícia Federal a partidarização das investigações”, afirma. “Isso não houve. Agora, o fato de o pessoal falar é natural. Vivemos numa democracia”. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Correio.

O aumento do número de corruptos presos acontece por que se rouba mais ou por que o combate aos crimes é mais rigoroso?

A corrupção no Brasil existe desde que o país foi descoberto. Eu digo isso como uma pessoa que passou 30 anos dentro e 15 anos fora da Polícia Federal. Sempre vi isso: coloca-se a sujeira da corrupção para debaixo do tapete. E isso é de nossa cultura. De maneira geral, a gente verifica que, no Brasil, tudo é escondido. As próprias famílias, quando têm um problema, a tendência é escondê-lo. É um traço cultural. Se você tem um filho que é drogado, você não quer reconhecer o problema, que tem um filho doente. Então, isso é da nossa cultura. A mesma coisa acontece em empresas privadas. Eu trabalhei em banco e, na época, havia muito assalto a banco. Toda vez que acontecia um assalto, o nosso setor era acionado. Quando chegava-se lá, era verificado que o assalto tinha sido de 200 mil cruzeiros, por exemplo, e dizia-se que fora de 300 mil cruzeiros. Alguém tinha levado 100 mil cruzeiros. Quando constava-se isso, a direção era informada, que se negava a dar publicidade ao caso: “Não, isso aqui a gente não pode falar porque é a imagem do banco”. Mandava o funcionário embora e ficava por isso mesmo. Tinha era que tocar o pau na polícia, imaginando que a polícia tinha condição de uma investigação.

Daí por que especula-se sobre sua ida para o INSS.

Olha, o setor que mais consome recursos da Polícia Federal é a Previdência. É onde estão concentrados mais de 40% dos inquéritos abertos pela PF para apurar fraudes na Previdência. Não digo que todos esses inquéritos estão relacionados. São casos dispersos. Mas, se você for somar, chega-se a essa montanha de casos.

Há corrupção em todos os setores da administração?

Não se pode generalizar. Conheço setores da administração pública, e mesmo no setor privado, que funcionam bem e são instituições sérias. Agora, há problemas. Até nas empresas jogam para debaixo do tapete. O importante é perceber a atitude a se tomar. Se o dirigente público verifica o problema e manda apurar o caso, ele está tomando a atitude correta. A questão da corrupção é grave. Mas não é só no Brasil. É em qualquer lugar do mundo. Posso dizer, depois de conversar com autoridades policiais de diversos países: a corrupção é um problema mundial. Todos os países têm problema de corrupção. A diferença é se há impunidade. Se aconteceu, a sociedade quer que se apure. O importante é apurar tudo. O que não pode é você saber e não fazer nada. Isso é grave. Se a pessoa está sabendo o que acontece e está tomando as providências para apurar, está tudo bem.

A PF foi muito pressionada por conta dessas investigações?

Posso dizer o seguinte: nesses últimos quatro anos que estive aqui no governo, tivemos total liberdade para apurar tudo. Se não fizemos mais, foi por deficiência nossa. Mas não porque alguém impediu que fizéssemos o que deveria ser feito. Eu sei que tivemos momentos em que nossa atuação acabou desgastando membros do próprio governo, como o caso do dossiê, mas em momento nenhum o presidente ou qualquer outro escalão chegou a mim para fazer críticas, como quem não está gostando. Nunca houve isso. É a verdade.

As investigações hoje são mais maturadas?

Talvez tenha sido esse um avanço. Essas práticas de crime organizado e corrupção não se esgotam na ação de um único servidor público. O fato de termos passado a trabalhar de forma mais consistente e em prazos mais longos, sem buscar imediatismo que a polícia sempre teve, deu resultados positivos. E jornalista gosta de perguntar: “Em quanto tempo o senhor concluirá essa investigação?” Nós invertemos um pouco essa lógica, na medida em que, na maior parte da nossa investigação, o jornalista não sabe que está acontecendo. Nós podemos trabalhar na fase de investigação sigilosa e, quando o caso está maduro, por conta dos mandados judiciais e prisões decretadas, a PF entra na fase de dar publicidade às ações.

A oposição é injusta quando diz que a PF é parcial nas apurações dos escândalos?

Eu posso dizer, tranqüilamente, que nunca buscamos trabalhar contra siglas partidárias. Isso ficou provado. Teve petistas, tucanos e outros que foram investigados. Não se pode atribuir à Polícia Federal a partidarização das investigações. Isso não houve. Agora, o fato de o pessoal falar é natural. Vivemos numa democracia. É natural uma pessoa que é presa dizer que é inocente. É do ser humano. Vai ter de dizer que é inocente diante do juiz, que diante das provas vai verificar se é procedente ou não. Devemos ter errado, mas fizemos tudo para acertar. Não há nenhum caso concreto, que podem apontar que erramos. Estamos no caminho certo. 

Olímpio Cruz Neto

Correio Braziliense

 

13/1/2007