Resultado das investigações definirá quem irá ressarcir as famílias dos prejuízos causados pela tragédia

Parentes das vítimas no local do acidente: Dona do Boeing que caiu no mato grosso, a Gol é obrigada a pagar seguro de cerca de R$ 125 mil aos familiares, independente de quem for culpado pela tragédia

O desfecho das investigações sobre o acidente com o Boeing 737-800, que caiu vindo de Manaus para Brasília no último dia 29, será determinante para definir como poderão ser indenizadas as famílias das 154 vítimas mortas na tragédia. A partir das causas do desastre, os parentes terão mais de um caminho para exigir o cumprimento de seus direitos. Se ficar confirmada a imprudência do piloto do Legacy que, fora da rota determinada pelo sistema de vigilância do espaço aéreo, teria provocado o acidente, cabe uma ação contra a empresa de táxi-áereo norte-americana, dona do avião particular, na Justiça dos Estados Unidos, além da indenização junto à Gol.

“As vítimas podem entrar com as duas ações ao mesmo tempo, se quiserem. Aí é uma questão de estratégia”, explica o especialista em direito aeronáutico Sérgio Alonso. No caso de um erro dos controladores de vôo que naquele momento cuidavam do espaço aéreo brasileiro, uma outra hipótese levantada pelos investigadores, a União pode ser processada. Uma terceira situação seria a possível falha do transponder, equipamento que avisa sobre a aproximação de um outro avião, o que poderia resultar em um pedido de indenização junto ao fabricante do componente eletrônico.

“Todos são caminhos possíveis”, diz Alonso, que atuou em casos da TAM, Varig e Vasp. Para os especialistas, uma ação é certa. A Gol Linhas Aéreas, qualquer que seja o resultado das perícias, terá de ressarcir os familiares das vítimas. “A responsabilidade da empresa independe da apuração das causas, mesmo que a queda do avião tivesse sido provocada por um raio”, exemplifica a advogada paulista Fabiane Turisco. “Se for comprovado que a culpa partiu do Legacy, a Gol poderá exigir que a Embraer, fabricante do jatinho, a indenize, mas nem por isso deixará de ser responsabilizada, pois transportava os passageiros e se comprometia a desembarcá-los com segurança nos destinos. O seguro obrigatório, garantido por lei, no valor de R$ 14 mil, deverá ser o primeiro pagamento.”

Cautela

De qualquer forma, é importante que as famílias não fechem acordos precipitadamente. E observem, nas negociações, se companhia aérea brasileira de alguma forma tenta vedar o direito que os parentes têm de acionar a empresa norte-americana do Legacy ou os fabricantes de equipamentos, dependendo dos resultados da investigação. “A melhor recomendação, neste momento, é não fazer nada de modo apressado”, sugere Leonardo Bessa, promotor do direito do consumidor do Ministério Público do Distrito Federal.

Na avaliação do advogado Sérgio Alonso, a companhia Gol Linhas Aéreas tentará usar o Código Brasileiro de Aeronáutica, que estipula uma reparação de cerca de R$ 125 mil, para indenizar as famílias. Mas os parentes, avisa, deverão se valer do Código do Consumidor. “Só assim os familiares serão ressarcidos pelos prejuízos materiais que tiveram, como funeral, bagagens e atendimentos hospitalares, por danos morais, e também com uma pensão”, explica o advogado. “O valor da pensão geralmente equivale a dois terços do que a vítima recebia de salário em vida e deve ser pago aos herdeiros até a data em que o familiar que morreu completaria 65 anos.”

É difícil determinar em quanto pode ficar uma indenização desse tipo. Mas muitas famílias que perderam parentes no desastre da TAM, em outubro de 1996, conseguiram reparos superiores a R$ 800 mil reais. “Já temos jurisprudência no país que recomenda o uso do Código do Consumidor, e não o Aeronáutico, cuja indenização não passa dos R$ 200 mil”, garante Alonso. Mas a morosidade da Justiça brasileira faz com que muitas famílias aceitem os acordos iniciais. O conselho de especialistas, no entanto, é ter paciência. “Aqueles que têm condições financeiras para se manter devem esperar e entrar com uma ação”, recomenda Walter Moura, professor de direito do consumidor da Universidade de Brasília (UnB).

A melhor recomendação, neste momento, é não fazer nada de modo apressado

Leonardo Bessa, promotor do direito do consumidor do Ministério Público do Distrito Federal

Anac obriga atendimento

A Gol está esperando a apuração das responsabilidades para começar as negociações. Enquanto isso, presta atendimento às famílias. Desde a madrugada do último dia 30, horas depois do vôo 1907 ter desaparecido, os parentes das vítimas foram levados do aeroporto, onde buscavam informações, para um hotel da cidade. Desde então, familiares das vítimas que não moram aqui estão sendo trazidos pela companhia aérea e hospedados em quatro hotéis no centro de Brasília. Até ontem, estavam hospedadas na capital federal 234 pessoas, que representam 80 vítimas.

A assistência prestada aos parentes de vítimas até agora — incluindo atendimento psicológico e religioso — está dentro das normas determinadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). De 2005, a instrução da Anac lista todas as obrigações legais da Gol para com os familiares dos 154 passageiros e tripulantes a bordo do boeing. “Não é nada além do que ela deveria fazer. Até porque sua imagem está em jogo”, destaca Sandra Assali, presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos.

Na época do desastre da TAM, que matou 99 pessoas em 1996 e destruiu moradias numa área vizinha ao aeroporto, a atenção aos parentes das vítimas se resumiu à hospedagem em dois flats da capital paulista. “Não houve atendimento psicológico, nada disso”, lebra Jorge Tadeu da Silva, que teve sua casa destruída pelo avião. Até hoje, quase 10 anos após a tragédia, Jorge não recebeu a indenização pedida em ação judicial. Ganhou em duas instâncias, mas a TAM recorreu e o processo deve chegar às cortes superiores nos próximos dias.

Das 99 famílias de vítimas que estavam no vôo, a maioria já foi indenizada. “Oito ou nove pessoas ainda esperam”, informa Sandra. Todas as 65 que entraram com ações na Justiça dos Estados Unidos, já que o desastre foi provocado por falha numa peça fabricada por uma empresa americana sem representação no Brasil, foram contempladas. A rapidez, segundo o advogado Alonso, é uma vantagem da Justiça lá fora. E o alto valor das indenizações também. “Se ficar configurado o crime cometido pelos pilotos Legacy, a ação aumenta ainda mais”, diz Alonso.

Paloma Oliveto e Renata Mariz

Da equipe do Correio