Em 2004 e 2005, saldos bancários da líder do governo no Senado, Ideli Salvatti, foram cinco vezes maiores que seus rendimentos líquidos. Parlamentar diz que fez empréstimos, mas não detalhou valores nem bancos

Integrante da tropa de choque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) terá que explicar de onde tirou tanto dinheiro que abasteceu suas contas bancárias em 2003, 2004 e 2005. Ainda deputada estadual por Santa Catarina, ela movimentou R$ 218 mil em duas contas correntes. A partir de 2003, quando chegou ao Senado, ao mesmo tempo em que o PT passava a ocupar o Palácio do Planalto, seus saldos bancários começaram a se multiplicar, ainda que seus rendimentos líquidos (descontado o Imposto de Renda) como senadora não tenham passado dos R$ 200 mil no ano, incluindo auxílio-moradia.

No primeiro ano do governo petista, a movimentação financeira de Ideli Salvatti mais que dobrou em relação a 2002: passou para R$ 477 mil. Em 2004 e 2005, no mesmo período em que o valerioduto passou a turbinar as contas do partido e de alguns de seus parlamentares, a senadora movimentou cerca de R$ 1 milhão nas contas, praticamente cinco vezes mais que os rendimentos que embolsa. A Receita Federal considera como motivo de suspeita contribuintes assalariados que tenham movimentação duas vezes superior à renda ou mais. Abaixo disso, está dentro do possível, já que a mesma quantia pode transitar por aplicações financeiras ou contas diferentes, pagando CPMF mais de uma vez.

Os dados obtidos pela reportagem são da Receita Federal, a partir do recolhimento da CPMF pelos contribuintes. Ontem, em entrevista ao Correio, a senadora não deu detalhes sobre a movimentação alta. Limitou-se a dizer que fez “alguns empréstimos”. “Rendimento é uma coisa, movimentação é outra. Eu fiz empréstimos, eu fiz empréstimos”. Mas não disse de que valores nem em quais bancos. “Não tenho aqui detalhado, porque é coisa de 2004”, justificou Ideli Salvatti, embora ela própria tenha admitido que já sabe do questionamento sobre suas movimentações financeiras desde o ano passado.

Em 2004, a senadora movimentou, no total, R$ 1,1 milhão em três bancos — Banco do Estado de Santa Catarina, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. A maior parte, R$ 829 mil foi no Banco do Brasil, em cuja conta chegaram a circular R$ 224 mil em setembro daquele ano e R$ 138 mil em outubro. Em 2005, ela movimentou, até setembro, R$ 923 mil, dos quais R$ 753 mil no Banco do Brasil.

“Empréstimos”

Em vez de explicar como conseguiu movimentar tanto dinheiro sem ter salário correspondente, a senadora preferiu discorrer longamente sobre o procurador da República Celso Três, que investigou seu patrimônio no ano passado. “Não tenho nenhum problema de responder a nada. A única coisa é que não quero ficar servindo a esse tipo de procedimento ilegal do procurador da República. Ele não pode agir assim”, criticou ela.

“Há quase um ano e meio, ele (Celso Três) me ameaça sistematicamente com essa discussão a respeito do meu rendimento, da minha movimentação financeira e da minha declaração do Imposto de Renda. Se ele tem dúvida, que me processe para eu responder na Justiça”. O procedimento aberto pelo procurador contra a senadora foi encaminhado este ano à Procuradoria Geral da República, a quem cabe dar continuidade às investigações, por que ela tem foro privilegiado.

Conforme informações obtidas pela reportagem, os dados sobre a movimentação financeira da senadora já chegaram às mãos de vários parlamentares e até de um banqueiro famoso. A própria senadora confirma que receberam as informações o senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), presidente e relator da CPI dos Correios, respectivamente. Ideli também contou que a CPI dos Bingos teve acesso aos dados.

Ao Correio, o procurador assegurou ontem que “os elementos de incompatibilidade entre patrimônio e rendimentos da senadora são sólidos”. Questionado sobre os bens encontrados, não quis dar detalhes: “Não vou declinar os dados porque são pessoais. O que eu tinha para fazer, já fiz”. Celso Três ficou conhecido por desvendar o esquema de remessas ilegais, o famoso Caso Banestado.

Bens

A senadora passou a ser investigada pelo Ministério Público após ter espalhado por Florianópolis, no ano passado, outdoors com propaganda da duplicação da rodovia 101. Questionada sobre o gasto — de R$ 162 mil, segundo a própria senadora —, sustentou publicamente que pagou com R$ 80 mil que tomou de empréstimo da Caixa e com o dinheiro da venda de dois automóveis — um Gol e um Fiesta.

Ideli Salvatti garantiu ter hoje patrimônio abaixo do declarado em 2002 ao Tribunal Regional Eleitoral, de R$ 132 mil — tinha uma casa em conjunto habitacional no valor de R$ 22 mil, outro imóvel no balneário de Açores, de R$ 96 mil, e um automóvel Gol ano 1995. Vendeu a casa da Cohab no final do ano passado, tendo atualmente apenas a casa de praia e um automóvel. Diz que mora de aluguel num apartamento em Coqueiros, bairro nobre da capital catarinense, com a filha e o genro.

 Eu fiz empréstimos, eu fiz empréstimos. Não tenho aqui detalhado, porque é coisa de 2004 

Senadora Ideli Salvatti, sobre movimentação financeira maior que seus rendimentos

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Tropeços no Congresso

Todo ano, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) gasta o rebolado sambando no carnaval de Florianópolis. Já chegou a ensaiar um gingado no austero e acarpetado plenário do Senado. Certa vez, cantou Noel Rosa para responder à oposição. Na política, entretanto, é famosa por desafinar no canto, tropeçar na dança e atravessar no samba. “Aqui, ninguém a suporta”, resumiu certa vez o pefelista Antonio Carlos Magalhães (BA). A antipatia é compartilhada em igual dose pelos funcionários da casa.

Paulistana, Ideli tem 54 anos e fez carreira em Santa Catarina. Foi para lá no início da década de 80, a mando de Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou que ela e o então marido, Eurides Mescoloto – do qual se separou -, fossem para Joinville organizar o PT. Quando aportou na cidade, o casal foi socorrido pelo então prefeito Luiz Henrique (PMDB), hoje governador. Ideli ganhou o cargo de auxiliar de educação. Depois ascendeu à professora, virou sindicalista, fundou o PT e a CUT, elegeu-se deputada estadual em 94 e 98, e chegou ao Senado em 2002 com 1 milhão de votos.

Na CPI dos Correios, destacou-se mais pela assessora que levou para o plenário – a loiríssima Camila Amaral, capa da Playboy de outubro de 2005 . Em setembro daquele ano, recebeu em seu gabinete o empreiteiro Edson Brockveld, dono de um dossiê com irregularidades nos Correios durante a gestão FHC. Mas o encontro, que era para ser secreto, foi revelado pela imprensa no instante em que acontecia. Ideli subiu à tribuna para desmentir o noticiário, mas acabou ela mesma desmentida por Brockveld.

Pouco tempo depois, ela ganhou o ódio dos funcionários do Senado ao pedir a demissão do chefe de vigilância, Adriano Gomes. O motivo: as câmeras espalhadas pelos corredores teriam gravado imagens de seu chefe de gabinete comprando uísque contrabandeado por uma quadrilha presa pela Polícia Federal. Ela pediu a cabeça do chefe da vigilância. 

Ana D`Angelo do Correio Braziliense