Para a PF, ao menos oito “laranjas” foram usados para camuflar origem dos dólares. Policiais seguem pistas no Rio e em Minas

A Polícia Federal acredita ter achado o fio da meada que a levará à origem do dinheiro que seria usado para a compra do dossiê contra os tucanos. Os recursos teriam sido levantados a partir de um esquema de lavagem de dinheiro. A suspeita foi reforçada com a identificação de pelo menos oito pessoas usadas como “laranjas” na compra de parte dos US$ 248,8 mil apreendidos em poder de Valdebran Padilha e Gedimar Passos. Tratam-se de integrantes de duas famílias — Gomes e Gomes Silva —, ambas moradoras do estado do Rio de Janeiro. Os “laranjas” são usados quando se tenta camuflar o verdadeiro responsável por uma transação financeira ou a fonte dos recursos.

Uma delas é Viviane Gomes da Silva, moradora de Magé (RJ). O nome dela apareceu numa operação cambial no valor de US$ 44,3 mil realizada em 21 de agosto passado na Vicatur Câmbio e Turismo Ltda., de Nova Iguaçu (RJ) — ou seja, 25 dias antes da prisão dos dois petistas num hotel de São Paulo com os US$ 248,8 mil, além de R$ 1,1 milhão. Depois de identificada, Viviane foi interrogada pela PF. Ela negou conhecimento da transação, mas colaborou. Ao ser confrontada com uma relação de compradores de dólares na Vicatur, reconheceu os nomes de outras pessoas, provavelmente seus parentes.

A PF partiu de uma lista de 30 nomes para tentar chegar aos laranjas que teriam sido usados na compra dos dólares. Em Magé, a mesma cidade onde mora Viviane, a polícia investiga pelo menos mais três supostos laranjas, todos com sobrenome Gomes: Uheliton, Edicea e Marilcinea. Há ainda outros dois nomes que os policiais federais tentam esclarecer: Levy Silva e Denilde Gomes da Silva. Não se sabe se eles tiveram seus cadastros utilizados indevidamente ou se foram coniventes com a operação.

As compras realizadas por essas pessoas giram em torno de US$ 40 mil. Somadas, as transações realizadas em nomes dos integrantes de uma dessas duas famílias chegaram a US$ 280 mil dólares, o que levantou a suspeita entre os policiais por causa da proximidade com o valor arrecado pelo grupo petista (US$ 248,8 mil). Além disso, o perfil socioeconômico dessas pessoas não seria compatível com o de quem tem condições de realizar as operações desse porte.

Reais

O delegado Diógenes Curado Filho, que preside o inquérito sobre o dossiê em Cuiabá, viajou ontem para o Rio de Janeiro para começar a ouvir os donos da Vicatur e os “laranjas” usados nas operações suspeitas (leia mais na página 9). No rastro dos sacadores de dólares na empresa de câmbio e turismo ele deve viajar também a Minas Gerais, por causa das suspeitas de que duas pessoas que trabalham em uma pousada de Ouro Preto tiveram seus nomes usados nas operações.

No caso dos reais apreendidos com o grupo petista (R$ 1,1 milhão), a principal linha de investigação continua sendo a do mundo da contravenção carioca. Pelo menos R$ 5 mil vieram de bancas do jogo do bicho no Rio de Janeiro ligadas a Antônio Petrus Kalil, conhecido como Turcão. Foi possível rastreá-lo a partir de vestígios deixados no pacote de dinheiro apreendido. No pacote dos reais foram encontradas duas tiras de papel com algumas anotações que, segundo os policiais, são semelhantes às utilizadas por bancas do jogo do bicho da Baixada Fluminense. São informações referentes a dois locais no Rio: Caxias-118 e 119-Campo Grande. A PF suspeitou que se tratavam de referências a agências bancárias, mas após uma pesquisa não foi encontrado nada similar. Com isso, ganhou força a tese de que o dinheiro tenha ao menos passado pelas bancas do jogo do bicho.  

Abel novamente acusado

Abel Pereira, o suposto elo do PSDB com a máfia dos sanguessugas, agilizou a liberação de verbas do Ministério da Saúde para 50 municípios que compraram ambulâncias superfaturadas. A ação de Abel teria provocado rombo de R$ 4 milhões no Tesouro em 2002, último ano do governo Fernando Henrique. O ministro da Saúde, na ocasião, era Barjas Negri, amigo de Abel. A denúncia foi feita à Justiça por Luiz Antônio Vedoin e seu pai, Darci, donos do grupo Planam e apontados pela Polícia Federal como criadores do esquema de emendas forjadas.

A PF decidiu interrogar os Vedoin porque avalia como “muito graves” as denúncias que eles relataram à Justiça Federal, semana passada. Darci Vedoin contou ao juiz Jeferson Scheinneder, da 2ª Vara Federal, que “cerca de 50 municípios foram beneficiados com recursos de emendas liberadas por influência de Abel no Ministério da Saúde”. “O contato de Abel no ministério era o próprio ministro, Barjas Negri”, declarou Luiz Vedoin. “Abel possuía um bom acesso junto ao ministro.”

Segundo os Vedoin, a relação de municípios que Abel apresentou foi preparada “em acordo” com os parlamentares que fizeram as emendas. Ele disse que Abel exigia entre 3% e 6,5% de comissão por negócio realizado. Abel também cobraria 10% sobre novos empenhos que o ministério programava.

Propina

A PF rastreia depósitos em contas das quais o empreiteiro seria beneficiário. Os repasses foram efetuados pela Klass Comércio e Representações, do Grupo Planam. Luiz Vedoin afirmou que os cheques eram emitidos “a título de adiantamento dos empenhos”. Darci disse que se encontrou em 2002 com Abel em um estacionamento da Câmara dos Deputados e ali acertou o valor da propina. Em dezembro de 2002 eles teriam se encontrado três vezes em um hotel em Brasília. Nesses encontros, Abel teria submetido a Vedoin uma planilha com a lista de municípios com os quais o ministério firmara convênios. Luiz Vedoin não acusou Barjas de participação no esquema. Eduardo Silveira Mello Rodrigues, que é advogado de Abel, reafirmou que seu cliente “jamais recebeu qualquer quantia” dos Vedoin. 

Marcelo Rocha

Correio Braziliense