“Hoje existe a lei da selva”, diz AGU, que ajudou a fazer anteprojeto enviado à Casa Civil

O governo Lula decidiu endurecer com o movimento sindical dos servidores públicos e está propondo uma rígida lei de greve para o funcionalismo. Pela proposta, mesmo quando as greves forem consideradas legais pela Justiça, não poderá haver interrupção da prestação de serviços. O objetivo é que não ocorra experiência semelhante à da paralisação dos controladores de vôo, que provocaram o caos no sistema aéreo brasileiro. E, quando a greve for considerada ilegal, haverá desconto dos dias parados, sem possibilidade de negociação entre as partes nesse sentido.

O anteprojeto do governo, que torna mais difícil a realização de greves de servidores, foi elaborado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e pelo advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, e entregue ontem à chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

– Hoje existe a lei da selva, hoje pode tudo. A greve é um direito, mas precisa de regras. A proposta trata dos requisitos legais para que uma greve no serviço público seja legítima. É preciso ter um mínimo de disciplina – afirmou Toffoli.

Quórum de dois terços da categoria

A proposta, que ainda não é de conhecimento público, foi criticada pela direção da CUT e do Sindsep (Sindicato dos Servidores Públicos). As duas entidades afirmam que a proposta do governo é, na verdade, uma lei anti-greve, pois pretende fazer exigências exageradas para a sua deflagração e realização. Os sindicalistas acreditam que a ação do Ministério do Trabalho deverá suavizar a proposta, que terá ainda de ser aprovada no Congresso, onde também se fará uma ação para flexibilizar a proposta.

A intenção do governo é mesmo tornar muito difícil a realização de greves no serviço público e, mesmo quando ela ocorrer, estabelece regras para mitigar os prejuízos ao atendimento da população. A exigência mais dura é que, para a aprovação de uma greve, a assembléia terá que ter o quórum mínimo de dois terços da categoria (estimada) – e não apenas dos sindicalizados – que estiver promovendo um movimento reivindicatório.

O sindicato da categoria também precisará informar o estado de greve à autoridade responsável com 48 horas de antecedência do início da paralisação. Nas áreas definidas como “de serviços inadiáveis e de interesse público”, como foi classificado o caso dos controladores de vôo, o aviso de estado de greve terá de ser feito com 72 horas de antecedência.

– A filosofia de nossa proposta é de que alguns serviços são inadiáveis, e que o serviço público como um todo deve ser considerado essencial, pois nenhum tipo de serviço público civil pode ter descontinuidade – afirmou Toffoli.

Plano cria áreas de serviços inadiáveis

Para assegurar o atendimento dos cidadãos, mesmo quando a greve for considerada legal, nas áreas “de serviços inadiáveis e de interesse público” os funcionários serão obrigados a manter no trabalho um mínimo de 40% dos servidores, ou o percentual que for necessário ou suficiente para garantir a continuidade dos serviços. Este percentual vai depender de cada caso. Os controladores de vôo, por exemplo, teriam que manter cerca de 80% dos funcionários trabalhando e apenas 20% fazendo a greve.

Entre as “áreas de serviços inadiáveis e de interesse público”, de acordo com o projeto do governo, estão: atendimento ambulatorial, assistência médica, tratamento e abastecimento de água, tratamento de esgoto, serviços funerários e de necropsia, inspeção agropecuária, defesa e controle do tráfego aéreo, segurança pública, serviços de telecomunicações e de tratamento e lixo hospitalar, e de concessão e pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros.

– A lei não impede o exercício do direito de greve. Ela limita seu exercício e regulamenta esse direito – explica Toffoli, já ciente dos questionamentos que serão feitos pelos sindicatos. A minuta do projeto, que agora será submetido aos Ministérios do Trabalho e da Justiça, antes de ser enviado ao Congresso, também prevê que as partes podem chamar o Ministério Público para mediar o conflito salarial. Se aprovada como propõe o governo, a lei vai impedir, nos casos em que a Justiça declarar a greve ilegal, que sejam abonados os dias parados – pelo contrário, vai fixar que haverá o desconto dos dias parados. O texto também diz que, no caso de greve consideradas legais, haverá a reposição das horas trabalhadas num limite de 50%.

Sem regulamentar desde 1988

Quando o governo fechar a sua proposta em definitivo, a levará para a mesa nacional negociadora com as entidades dos servidores públicos federais, antes de enviá-la ao Congresso. Essa informação foi dada pelo secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, que ontem reuniu-se com dirigentes de entidades sindicais dos servidores.

Embora a Constituição garanta o direito de greve (na forma da lei) aos funcionários públicos, até hoje não há uma legislação para discipliná-la. O Judiciário, em alguns casos, aplica a legislação para o setor privado nas greves de servidores públicos.

Recentemente, no julgamento de ações isoladas de sindicatos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que enquanto o direito de greve do servidor público não for regulamentado pelo Congresso devem ser consideradas, para efeito decisões judiciais, as regras da iniciativa privada.

Sindicalistas pretendem aproveitar esse debate sobre a lei de greve dos servidores públicos civis para tentar forçar o governo Lula a ratificar a convenção 151 da OIT, que garante aos servidores públicos liberdade de organização sindical, o direito de greve e a negociação coletiva de salários.

Sindicatos criticam o que chamam de ‘intervenção’

O movimento sindical dos servidores públicos espera conseguir mudar a proposta do governo antes mesmo de ela ser apresentada ao Congresso. Entidades sindicais discordam da proposta entregue ontem na Casa Civil e avaliam que sua aprovação implicaria restrições ao direito de greve do funcionalismo público, garantido na Constituição. Os sindicalistas classificam a exigência de quórum para que os sindicatos possam deflagrar greves – dois terços da categoria – uma interferência estatal.

– Nem o governo nem os empregadores do setor privado podem exigir quórum em assembléias de trabalhadores. No caso dos servidores, essa posição implica uma intervenção do Estado no movimento sindical – criticou a secretária de Organização da CUT, Denise Motta Dau.

O quórum proposto pelo governo para a assembléia que decidir pela greve é considerada impraticável, avaliam os sindicalistas, que denunciam a intenção do governo de inviabilizar a realização de paralisação no setor público. Há hoje 1 milhão de servidores federais e, se aprovado o texto do governo, a realização de uma greve geral da categoria só seria possível se 670 mil participassem das assembléias. Mesmo em pequenas categorias do funcionalismo, o quórum de dois terços é considerado elevado.

– Nossa senhora! Esse quórum é altíssimo. Ele praticamente inviabiliza qualquer greve – afirmou o presidente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Públicos Federais), Leandro Oliveira Valquer.

Os sindicatos também discordam da premissa de que todo serviço público é essencial. Argumentam que o governo quer adotar uma regra mais abrangente que a definida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que afirma como atividades essenciais aquelas cuja ausência representa risco à vida, à saúde e à segurança do cidadão.

Os sindicalistas avaliam ainda que a lista do que o governo pretende definir como áreas consideradas “serviços inadiáveis e de interesse público” é generalizada demais, na medida em que enquadra quase todo o serviço público.

Ilimar Franco

O Globo

11/5/2007