Responsável por libertar 32 integrantes do MLST sustenta que presidente da Casa sabia da ida dos sem-terra ao Congresso e não tomou medidas preventivas. Decisão foi baseada em documento enviado pela União

O juiz Ricardo Augusto Soares Leite, substituto da 10ª Vara Federal, decidiu soltar os 32 integrantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), presos desde o dia 6 de junho acusados de invasão e depredação de instalações do Congresso, porque considerou que o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), teve responsabilidade no incidente. Com base na pauta de reivindicações e um pedido de audiência apresentados pelo movimento a Rebelo, o juiz entendeu que a direção da Câmara tinha sido avisada da presença dos sem-terra e que o presidente da Casa deveria ter pedido reforço na segurança. O juiz tomou a decisão depois de receber do ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, documento com a pauta de reivindicações do MLST e a informação de que os militantes do movimento iriam ao Congresso.

“Assim, em exame perfunctório (superficial) já se sabia previamente que se instalaria um clima de tensão no Congresso Nacional, sendo necessário o reforço da segurança ou a presença de agentes especializados na condução das reivindicações de movimentos de massa”, escreveu o juiz na decisão. E prossegue: “Esta situação de prévio agendamento da manifestação a ser realizada no Congresso Nacional enfraquece a tese de que os representantes do MLST foram à casa Legislativa com o intuito de cometer crimes.”

A decisão provocou revolta entre os seis procuradores federais que denunciaram os membros do MLST, inclusive por crimes contra a Lei de Segurança Nacional (LSN). Na segunda-feira, os procuradores denunciaram interferência da União no processo, uma vez que a Ouvidoria Agrária Nacional enviou os documentos ao juiz, o que contrariaria o Código Processual Penal.

No entendimento do juiz, “não restou demonstrado o dolo direto da coordenação do MLST de realizar os comportamentos tidos como criminosos no Congresso Nacional”. O juiz disse que o quebra-quebra de junho “não foi primeiramente idealizado pelas lideranças do movimento, e pode ter ocorrido em razão de atos isolados por alguns de seus membros, circunstância que deve ser melhor aferida ao longo do processo penal.”

O juiz entendeu, ainda, que a conduta dos agentes da Polícia Legislativa pode ter provocado os manifestantes. “Não se pode pontuar a manifestação dos integrantes do MLST sem também analisar a conduta dos agentes da Polícia Legislativa”, ponderou Ricardo Leite. “Os autos não contém elementos para identificar como foi a abordagem dos agentes de segurança com os manifestantes, situação relevante e que somente no curso da instrução será melhor delimitada”. As câmeras de segurança do Anexo IV da Câmara registraram que em menos de um minuto os integrantes do MLST chegaram à portaria e começaram a depredação, antes de qualquer tentativa de entrada pacífica no prédio.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário limitou-se a informar, em nota, que o ouvidor Gercino da Silva Filho “colocou-se à disposição da Justiça com o intuito de prestar esclarecimentos, caso necesário, visando ao julgamento da demanda”. A assessoria de imprensa da direção da Câmara, também em nota, afirmou que, uma semana antes da invasão, Aldo Rebelo se encontrou com o coordenador do MLST, Bruno Maranhão, e disse que as portas da Câmara estavam abertas para ele. Mas sustentou que o grupo, no entanto, preferiu invadir a Câmara.

AÇÃO CONTRA OUVIDOR

Procuradores da República avaliam a hipótese de processar a União e o titular da Ouvidoria Agrária Nacional, Gercino José da Silva, por supostamente terem exercido pressão indevida em favor dos militantes do MLST. O Ministério Público Federal pediu vista do processo sobre o caso para tentar anular o alvará da Justiça que libertou os ativistas do MLST que estavam na prisão.  

Grupo fará campanha para Lula

Mesmo depois de o governo condenar as ações do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) e de lideranças do PT no Congresso chamarem integrantes do grupo de vândalos, por causa da invasão à Câmara, a direção do movimento vai apoiar a reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva. A definição oficial ocorrerá no encontro da entidade em agosto. Mas o principal coordenador do MLST, o engenheiro Bruno Maranhão, solto do presídio da Papuda na madrugada de sábado, disse ontem que já está engajado na campanha.

“Conheço Lula há mais de 25 anos. A nossa relação foi construída na luta, na ética. Mais do que nunca, vou apoiar e fazer campanha para ele”, disse. E acrescentou: “Sei que a direita vai usar meu nome para desgastar o Lula, mas o povo não vai levar em conta essa baixaria”. Maranhão prometeu participar do comício do presidente Lula em Recife no próximo final de semana. O líder do MLST deu entrevista ontem depois de 38 dias preso na penitenciária da Papuda.

Maranhão procurou politizar sua prisão e de outros 31 integrantes do MLST, todos libertados no sábado. A liberação ocorreu depois que a Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, repassou ao juiz Ricardo Soares Augusto Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, documentos que embasaram a decisão de permitir aos sem-terra responder a processo em liberdade. Os integrantes do MLST foram denunciados pelo MPF por crimes graves previstos na Lei de Segurança Nacional (LSN) e no Código Penal — formação de quadrilha e depredação do patrimônio público.

O líder do MLST disse que a direção do movimento vai rodar o país “para explicar ao povo” o que de fato aconteceu no dia 6 de junho quando a Câmara foi depredada. Ele reconheceu que a ação do movimento prejudicou a imagem do PT e apontou sua artilharia para o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin: “O Alckmin é a volta do atraso. Foi ele o responsável pela crise penitenciária de São Paulo. Foi obra da sua incompetência administrativa”, atacou.

Maranhão disse ter “simpatia” pelos candidatos do PSol, Heloísa Helena, e do PDT, Cristovam Buarque, mas manteve-se fiel a Lula. Ele também criticou os senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), Álvaro Dias (PSDB-PR) e Jorge Bornhausen (PFL-SC) por terem defendido o impeachment do presidente Lula pelo suposto envolvimento com o mensalão.

Secretário nacional de Movimentos Populares do PT, Maranhão vai ser julgado pela comissão de ética do PT. Ele informou que enviou um fax ao presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), ao secretário de Relações Internacionais, Walter Pomar, e ao secretário-geral, Joaquim Soriano, colocando-se à disposição para responder processo disciplinar interno. Maranhão corre o risco de ser expulso do partido. Maranhão deu entrevista no auditório do Hotel das Américas, de três estrelas, ao lado do diretor de organização do MLST, Edmilson Oliveira, e de sua mulher, Suzana. Uma festa será preparada para recebê-lo amanhã quando voltar a Recife. (LR)  

Acusação de maus-tratos

Um dos coordenadores do MLST, Edmilson Oliveira, libertado junto com outros 31 militantes na madrugada de sábado, culpou ontem a truculência da polícia legislativa pelos incidentes no dia 6 de junho que resultaram na invasão e depredação de equipamentos da Câmara dos Deputados. “Os agentes não tiveram capacidade para intermediar ou negociar com os manifestantes, provocando o conflito”, disse Oliveira que deu entrevista ontem junto com o coordenador geral do movimento, Bruno Maranhão.

O líder sem-terra denunciou que os trabalhadores presos sofreram torturas psicológicas e maus-tratos na penitenciária da Papuda. Lá, segundo ele, passaram dois dias sem alimentação e 26 horas algemados. Antes de serem presos pela PM, segundo Oliveira, os manifestantes detidos chegaram a apanhar dos seguranças da Câmara. O coordenador do MLST confirma que os principais líderes do movimento reuniram-se um dia antes, em um dos prédios da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), para planejar a invasão à Câmara, mas negou que a intenção era promover quebra-quebra.

O objetivo do MLST era chegar ao plenário da Câmara, onde trabalham os deputados, para denunciar o atraso na reforma agrária. E conseguiram. Segundo Oliveira, a intenção era fazer uma manifestação pacífica, sem depredação, para mostrar o modelo de empresa agrícola comunitária. Esta proposta, segundo o dirigente sindical, substituiria as favelas rurais. Esse modelo é o que diferencia o MLST do MST, dirigido por João Pedro Stédile.

Leonel Rocha do Correio Braziliense