Ministério Público e Polícia Federal apuram ligação do presidente do instituto com grupo acusado de fraudar quitações de débitos. Força-tarefa também suspeita de servidores de outros órgãos do governo

Rio de Janeiro — A cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e servidores graduados do governo federal são investigados por uma força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal por suspeita de participar de um esquema fraudulento de quitação de dívidas da Previdência. As apurações estão baseadas em mais de 600 horas de escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça.

Os grampos colocaram no foco das investigações colaboradores que ocupam ou ocuparam cargos importantes no governo: o presidente do INSS, Valdir Moysés Simão e o ex-procurador-chefe do INSS em São Paulo Paulo Roberto Cacheira. A força-tarefa, que atua em Brasília, São Paulo e Mato Grosso, também investiga o advogado previdenciário Wagner Balera e funcionários graduados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), do Ministério da Agricultura, da Receita Federal e da própria PF.

O trabalho é um desdobramento da chamada Operação Perseu, que, em dezembro de 2004, resultou na prisão de 12 auditores fiscais do INSS e empresários acusados de ajudar a rede de Frigoríficos Margen a fraudar a Previdência em quase R$ 100 milhões. Depois de denunciar os servidores e demais envolvidos à 3ª Vara da Justiça Federal em Campo Grande (MS), o procurador da República no Mato Grosso do Sul Emerson Kalif Siqueira enviou cópias de parte do processo e das escutas telefônicas ao Ministério Público Federal de São Paulo e de Brasília em novembro de 2005.

A farta documentação levou os procuradores da República a abrir nova frente de investigação, desta vez para apurar a ligação de altos funcionários do governo com o esquema. Simão passou a ser investigado por conta de um grampo da Polícia Federal. As escutas telefônicas revelaram que escritórios de advocacia, com a ajuda de procuradores da Previdência e outros servidores do órgão, usavam fazendas fantasmas para quitar débitos de clientes com o governo, o que garantia a eles certidões negativas de débitos (CNDs). Os servidores também eram orientados pelos advogados a incluir defesas fictícias nos processos. A manobra servia para anulá-los posteriormente na Justiça, sob a alegação de que haviam sumido do procedimento as defesas, que na prática nunca existiram.

Apuração no INSS

Segundo relatório confidencial do INSS, obtido pelo Correio, a fraude estava sendo investigada também por uma força-tarefa do Ministério da Previdência, desativada em dezembro. Segundo o relatório de inteligência do INSS, foram feitos levantamento dos bens do próprio presidente do instituto. A investigação foi suspensa justamente depois de os arapongas da força-tarefa terem ido a Birigüi, interior de São Paulo, bisbilhotar a vida de Valdir Simão.

As negociações dos advogados com os servidores estão detalhadas nas gravações. As escutas comprometem principalmente o escritório do advogado Wagner Balera. Por ter sido ex-procurador da Previdência, ele tinha trânsito livre no INSS de São Paulo. Segundo relatório do Ministério Público Federal, os advogados Luiz Carlos Furlan e Natal Cândido Franzine também tinham laços fortes com os servidores.

Preso durante a Operação Perseu, Furlan é irmão do procurador do INSS em São Paulo, José Furlan, acusado de pertencer ao esquema. Também é suspeita de participação, de acordo com o relatório do MPF, a engenheira Amanda Zupardo Dutra, mulher do empresário Fábio Luiz Dutra, preso no final de 2004 durante a Operação Perseu. Segundo o MP, Amanda é apontada como responsável pela elaboração de laudos de avaliação de fazendas usadas para quitar débitos com o INSS.

Relatório do INSS: diligências e levantamento de bens do próprio presidente do instituto

Escutas complicam servidores

As escutas telefônicas da Polícia Federal com autorização da Justiça revelaram que o grupo investigado por fraudar a Previdência não tinha limites para subornar servidores públicos. Além de fazer tráfico de influência para tentar nomear servidores no Conselho de Recursos da Previdência — última instância para o julgamento de autuações fiscais —, na Secretaria de Arrecadação Previdenciária e outros cargos estratégicos, os investigados conseguiam, segundo a PF, cooptar servidores em diversas repartições públicas do país.

O grupo chegou ao ponto, por exemplo, de pagar propina de R$ 5 mil a um delegado da Polícia Federal para retirar à força índios que haviam invadido uma fazenda no Mato Grosso. O nome do delegado não é revelado no relatório do Ministério Público obtido pelo Correio. A grande quantidade de servidores subornados levou o procurador a distribuir as gravações para várias repartições públicas dos estados de São Paulo, Tocantins e Mato Grosso.

O procurador Emerson Kalif enviou, por exemplo, parte das gravações à Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo para apurar a participação de cinco fiscais da Receita estadual que teriam sido cooptados pela quadrilha. A força-tarefa apura também as ligações dos investigados por fraude com uma cooperativa de bancários na capital paulistana. As escutas revelaram que servidores do INSS concediam irregularmente certidões negativas de débitos a empreiteiras inadimplentes que prestavam serviços à cooperativa.

Fortes indícios

Segundo o relatório de Emerson Kalif, as gravações “levantam fortes indícios de crime contra servidores lotados no Ministério da Agricultura, no Ministério da Previdência Social, no Ibama, na Secretaria Nacional de Receita Previdenciária e em outros setores da cúpula do INSS”. Enquanto as investigações contra a quadrilha de fraudadores caminham em São Paulo, o juiz da 3ª Vara Criminal Federal de Campo Grande (MS), Odilon de Souza, aceitou a denúncia do Ministério Público e determinou o seqüestro dos bens dos proprietários do Frigorífico Margen. De acordo com a denúncia do MP, o dinheiro sonegado da Previdência era aplicado em paraísos fiscais, por meio das offshores Cyndel/Company S/A e Copenhagen S/A, no Uruguai. As escutas revelaram também que o frigorífico estava registrado em nome de laranjas. Segundo a assessoria do juiz, o processo está na fase de interrogatório dos donos da empresa. A assessoria de Souza confirmou que o processo foi desmembrado para apurar, em São Paulo e Brasília, a participação de servidores. (ARJ) 

 

Presidente nega envolvimento

O presidente do INSS, Valdir Moysés Simão, disse ter ficado surpreso com a notícia de que está sendo investigado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal por suposta ligação com a quadrilha de sonegadores. “Não conheço o Balera (advogado Wagner Balera) e os outros citados. Alguém deve ter falado meu nome em vão nas gravações”, afirmou ele, que é auditor fiscal desde 1987 e assumiu o comando do INSS em 2 de agosto de 2005. E acrescentou que seu nome deve ter sido envolvido no escândalo devido ao fato de promover uma política de saneamento no órgão.

Simão disse que a operação Perseu, realizada pela PF no final de 2004, começou em 2001 por iniciativa dele, então diretor de arrecadação. O presidente do instituto explicou que, ao tomar conhecimento de que arapongas faziam um levantamento de seu patrimônio, comunicou o fato aos ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Previdência, Ricardo Berzoini.

“Coloquei de imediato minha declaração de imposto de renda à disposição deles. Tenho como justificar todo o meu patrimônio. A casa de Birigüi, por exemplo, foi comprada com financiamento da Caixa Econômica Federal”, argumentou. Valdir informou ainda que, desde agosto de 2005, toda a execução de dívidas passou a ser controlada pela Receita Fazendária. “A partir dessa data, o INSS passou a ser responsável somente pelos débitos não executados”, disse.

Procurado pelo Correio, o ex-procurador-chefe do INSS em São Paulo Paulo Roberto Cacheira não foi localizado. A informação dada por funcionários no INSS é de que ele está afastado das atividades há pelo menos cinco meses, devido a problemas de saúde. O procurador do INSS José Furlan e os advogados Luiz Carlos Furlan e Natal Cândido Franzini também não foram encontrados. O advogado Wagner Balera não retornou ao pedido de informação. A reportagem entrou em contato por duas vezes com sua assessora, de nome Marta, no escritório de São Paulo. Em nome da engenheira Amanda Zupardo, a advogada Vera Lúcia Francischetti negou qualquer participação de sua cliente no esquema. As assessorias do ministério da Agricultura, do Ibama e da Receita Federal foram informadas sobre as investigações mas não se manifestaram. (ARJ) 

 

Ação por licitações

A Procuradoria da República no Distrito Federal pediu à Justiça a abertura de ação penal contra 18 pessoas acusadas de fraudar a contratação de prestadores de serviço para a administração pública federal. As irregularidades, segundo a procuradoria, ocorreram em contratos firmados entre a Conservo Serviços Gerais, a Agência Brasileira de Inteligência, Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e ministérios da Justiça e da Ciência e Tecnologia. 

Amaury Ribeiro JR / Correio Braziliense