Governo admite que não havia qualquer profissional capacitado no país para resolver pane

Dois dias após a maior pane no controle do tráfego aéreo brasileiro, que paralisou os aeroportos do pais, o governo reconheceu que não havia no país, dentro e fora dos quadros militares, um técnico capaz de identificar e resolver rapidamente o problema no sistema de comunicação do Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Brasília (Cindacta 1), na última terça-feira. Ontem, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, disse que a concentração de 80% do tráfego aéreo brasileiro no Cindacta 1 facilita panes desse tipo e anunciou um plano de descentralização do sistema de controle do tráfego aéreo, inicialmente com o reforço das unidades de São Paulo e Rio para dividir as responsabilidades com Brasília.

– Realmente não tínhamos um técnico para uma intervenção no nível do que ocorreu. Ou seja, uma identificação precisa do que estava ocorrendo – disse o brigadeiro.

Segundo relato do ministro da Defesa, Waldir Pires, a parlamentares da Comissão formada pela Câmara para acompanhar o apagão aéreo, o problema só não foi maior porque, “por sorte”, havia um técnico francês em Manaus especialista no equipamento danificado. Para evitar que problemas como esse se repitam, a Aeronáutica anunciou medidas preventivas:

– Fechamos um contrato com o fabricante de manutenção preventiva e corretiva do sistema de comunicação, com acompanhamento de engenheiros da FAB, e também haverá mais recursos para a atualização de outros equipamentos de comunicação via satélite e comunicação telefônica, que são importantes – disse Bueno.

Equipamentos de SP serão duplicados

O Comando da Aeronáutica vai contar ainda com a ajuda de uma equipe do Instituto Tecnológico Aero Espacial (ITA) especializada em avaliação de risco para um trabalho de identificação do potencial de falhas nos outros Cindactas do país.

Ao se referir ao sistema de comunicação do Cindacta 1, Bueno cometeu um ato falho, dizendo que “o equipamento estava bastante desgastado”. Pouco depois, negou o desgaste, afirmando que se referia aos avanços da informática nos seis anos de uso do equipamento.

O dia de ontem foi repleto de informações desencontradas de autoridades do governo sobre a pane no setor aéreo. Enquanto o Ministério da Defesa e a Aeronáutica faziam um diagnóstico preocupante da realidade do sistema de tráfego aéreo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, contemporizava. Ela afirmou à Globonews que o problema no sistema de comunicação de rádio era simples.

– A avaliação feita até agora é que o problema que ocorreu não é sério. É um problema bastante simples de solução e que vai ser operado no prazo mais rápido possível – afirmou Dilma, que descartou falha humana ou sabotagem no sistema.

Segundo relatório obtido pelo G1, portal de notícias da Globo, o sistema de rádio do controle de tráfego aéreo no Brasil apresenta falhas sérias desde maio de 2000. E a Aeronáutica foi alertada para esse problema em maio de 2001.

Enquanto isso, os deputados que se reuniram com Pires exibiram documento do Ministério da Defesa, com uma curta análise da situação aérea, que menciona essa possibilidade. “O Cindacta 1 iniciou uma investigação, com o apoio da Polícia Federal, para apurar as causas do problema. Até mesmo a hipótese de sabotagem será apurada”, diz o documento.

Já as medidas anunciadas pelo comandante da Aeronáutica pretendem, no médio prazo, descentralizar o sistema de tráfego aéreo, de forma que as oito unidades existentes hoje no país – Brasília, São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Manaus e Belém – fiquem habilitadas a atuar como centros de controle de tráfego aéreo, controlando aeronaves em vôos de cruzeiro, acima de 25 mil pés (7 mil e 500 metros). Hoje, existem apenas quatro Cindactas operando nessas condições: Brasília, Curitiba, Recife e Manaus.

Bueno anunciou, ainda, que, por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os equipamentos de São Paulo serão duplicados, para que aquela unidade, após equipada, possa substituir o Cindacta 1, em caso de pane.

– A idéia, nos moldes da nossa experiência antiga, é restabelecermos os centros menores com controles mais moderados, mas com capacidade de um cobrir o outro no caso de uma falha – disse o comandante.

Hoje, quatro unidade de controle de tráfego aéreo funcionam apenas como centros de aproximação, o que significa que não têm capacidade para controlar vôos acima de 25 mil pés. A idéia é que um vôo fazendo a rota Porto Alegre-Salvador, por exemplo, não seja mais controlado por Brasília.

A Aeronáutica informou que irá comprar equipamentos e providenciar o treinamento de pessoal para atuar nas unidades do Rio e em São Paulo, que deverão começar a funcionar como o Centro de Brasília dentro de seis a oito meses. Os equipamento devem chegar entre três e quatro meses, segundo Bueno.

– Tudo isso são medidas visando à segurança dos usuários – disse Bueno , que negou que esteja deixando o cargo .

A curto prazo, no entanto, não há medidas de emergência para evitar novos transtornos. A Aeronáutica informou só que o Cindacta 1 passará a operar, em dezembro, com sete controladores de vôo a mais. Com isso, o centro que atualmente trabalha com 175, contará com 182 controladores.

Lula convocou para o início da tarde de ontem o ministro Pires, e o comandante Bueno, para fechar as medidas que foram anunciadas no fim da tarde pelo brigadeiro. Interlocutores do presidente reiteraram que Lula está insatisfeito com Pires, mas não vai afastá-lo imediatamente, deixando as mudanças para a reforma ministerial.

Ontem 43,3% dos vôos do país atrasaram mais de uma hora, segundo a Anac. Dos 1.175 vôos previstos nos 67 aeroportos da Infraero, 509 sofreram atrasos e 42 foram cancelados, até 17h. No Rio, no Aeroporto Antônio Carlos Jobim, dos 102 vôos, 41 atrasaram. Os passageiros chegaram a esperar quatro horas para embarcar.

O Globo