Lula terá a difícil missão de aprovar reformas como a da Previdência, a política e a tributária que estão empacadas no Legislativo. Mudanças na área trabalhista também estão na pauta de votações

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciará um novo mandato em 2007 com uma velha agenda legislativa. Quase todas as reformas que estão na pauta do governo foram enviadas ao Congresso nos últimos quatro anos e a maior parte dormita nos escaninhos dos parlamentares. Apesar do fôlego renovado do governo, as chances de aprovação na próxima gestão do PT não são animadoras. O presidente precisará demonstrar real interesse em ver os temas aprovados.

A reforma política, apontada como prioridade por Lula no dia em que foi reeleito, é um claro exemplo do caminho que a agenda governista pode tomar. “Não acredito que seja possível aprovar um pacotão de uma só vez. As mudanças serão pontuais”, avalia o jurista David Torres, especialista em reformas.

Na pauta, pontos polêmicos como o financiamento público de campanha, fidelidade partidária, o fim da reeleição. Outro tema definido pelo presidente como prioridade, a reforma tributária, também esbarra na importância que o ICMS tem para os governadores. Já a reforma da Previdência, o mais polêmico de todos os temas, ainda não é consenso nem dentro do governo. Os técnicos do governo defendem a reforma, enquanto a área política não quer nem ouvir falar do assunto. O pessimismo contamina também os maiores defensores das reformas trabalhista e sindical. “Todo mundo concorda que reformas são necessárias. Mas ninguém consegue consenso para definir o que e como mudar”, observa o economista Márcio Pochmann.  

Previdência é o grande problema

O tema mais explosivo da agenda do próximo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda está nas sombras. Especialistas e a área técnica do governo dizem que é fundamental discutir uma nova reforma da Previdência. A área política, porém, não admite nem tocar no assunto. Com a divisão, a tendência é a de que, pelo menos no início do próximo ano, o Palácio do Planalto evite enviar ao Congresso uma emenda constitucional com medidas radicais, como ocorreu em 2003. Mudanças pontuais, porém, certamente serão feitas, como a regulamentação dos fundos de pensão dos servidores públicos.

Enviar um projeto para criar os fundos de pensão dos servidores públicos é a única decisão consensual hoje no governo. Ao criar a previdência complementar do setor público, o governo fixa um teto para as aposentadorias dos servidores, que ainda não existe, o que ajudaria a reduzir o déficit do setor público. “Não atinge muitos servidores, mas é uma medida simbólica e custa dinheiro para o Estado”, argumenta o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

As mudanças mais radicais, defendidas pelos técnicos do Ministério da Previdência e por especialistas na área, porém, estão distantes do horizonte do líder governista. “Não há qualquer compromisso do governo com outras questões”, argumenta. Os articuladores políticos e a bancada do PT se arrepiam ao lembrar das dificuldades para aprovar a reforma em 2003. Sonham com um segundo mandato tranqüilo e por isso tentam evitar ao máximo discutir questões com forte rejeição popular. Os petistas dizem que, em primeiro lugar, é preciso tomar medidas administrativas para reduzir o rombo nas contas previdenciárias, como informatizar os postos da Previdência Social e coibir abusos na concessão de auxílio-doença.

Mudanças

Para uma corrente do governo — a área econômica e o ministro da Previdência, Nelson Machado — é inevitável fazer mudanças no regime geral da Previdência, ou seja, nas aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Eles dizem que é preciso tomar medidas para reduzir o déficit da Previdência, que já chega a R$ 85 bilhões. Como o déficit no setor público (R$ 45,9 bilhões) pela primeira vez começou a cair (em 2005 fechou com R$ 800 milhões abaixo do ano anterior), a previsão é a de que a tendência se consolide ao longo dos anos. Por isso, os estudiosos insistem que é preciso alterar regras no regime geral.

“Acho que vai ter de fazer a reforma sim. É preciso, por exemplo, igualar a idade mínima do funcionalismo público ao regime geral”, diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Kaizô Beltrão. Na reforma feita em 2003, o governo fixou uma idade mínima para a aposentadoria dos servidores (60 anos para homens e 55 anos para mulheres). Mas não existe o limite mínimo para os aposentados do setor privado, que estão submetidos à exigência de tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 anos para mulheres). Ainda é preciso esperar para ver quem levará a melhor na queda-de-braço que se trava entre a área técnica e a área política do governo. (HB)

Falta de consenso

Na página da internet do Fórum Nacional do Trabalho, do Ministério do Trabalho, a reforma sindical e trabalhista tem lugar de destaque. O texto anuncia que “é uma das prioridades do atual governo”. Contudo, a última notícia do site é de maio, quando Lula assinou um pacote trabalhista, encaminhado ao Congresso. Desde então, as propostas para permitir livre criação de sindicatos, estabelecer regras do funcionamento do comércio aos domingos, definir obrigações para contratos terceirizados e ampliar o poder das centrais sindicais estão paradas. Patrões e empregados ainda buscam o consenso.

E assim devem permanecer por um longo período de tempo, dizem especialistas e parlamentares. “Há consenso sobre a necessidade de reforma, mas não sobre o que mudar. Estamos há 25 anos discutindo a legislação trabalhista e ainda não conseguimos fazer a reforma”, observa Márcio Pochmann, professor do Instituto de Economia Unicamp. Ele defende que, antes de uma reforma sindical e trabalhista, é obrigatoriamente necessário assegurar crescimento econômico sustentável.

Simplificação

Os empresários querem a simplificação da CLT para diminuir custos e gerar crescimento. “É melhor todos empregados com menos direitos, do que poucos empregados com muito direito”, avalia David Torres, jurista e especialista sobre reformas. Ele se refere ao batalhão de brasileiros que sobrevivem hoje do trabalho informal ou estão desempregados. Em 2002, já eram 46% os trabalhadores não-assalariados, indo na contramão do mercado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente são 16 milhões de trabalhadores autônomos.

As duas reformas estão emperradas por falta de consenso. Torres diz que as negociações no Fórum Nacional do Trabalho não evoluíram tanto quanto se gostaria. E nem mesmo a criação, por medida o provisória, do Conselho Nacional das Relações do Trabalho acelerou a discussão.

Helayne Boaventura e Fernanda Odilla

Correio Braziliense