Delegado teria impedido consultas à advogada; em nota, PF nega

A revista Veja acusou ontem a Polícia Federal de intimidar três de seus jornalistas, no momento em que prestavam depoimento no inquérito que apura o vazamento, para a imprensa, de informações sobre investigações conduzidas pela corporação. Convocados para depor, como testemunhas, sobre reportagens feitas com base nos vazamentos, os repórteres Júlia Duailibi, Camila Pereira e Marcelo Carneiro foram tratados como suspeitos, segundo nota divulgada pelo Grupo Abril, que edita a revista. A PF negou intimidação ou coação aos jornalistas.

“O relato dos repórteres e da advogada que os acompanhou deixa claro, no entanto, que foram cometidos abusos, constrangimentos e ameaças em um claro e inaceitável ataque à liberdade de expressão garantida na Constituição”, diz a nota divulgada no início da noite.

Os três jornalistas integram um grupo de cinco profissionais da Veja intimados a depor. Eles são autores de uma reportagem publicada na edição do último dia 18, apontando a existência de uma “operação abafa” para desvincular o ex-assessor da Presidência Freud Godoy do episódio da compra do dossiê Vedoin por petistas.

Segundo a revista, o delegado Moysés Eduardo Ferreira teria impedido os jornalistas de consultar a advogada Ana Rita Dutra, que acompanhou os depoimentos em São Paulo. “Todo e qualquer aparte de Ana Dutra era considerado pelo delegado Ferreira como uma intervenção indevida”, diz a nota, acrescentando que o delegado teria, inclusive, ameaçado transformar a advogada em depoente. Ferreira também teria, segundo a Veja, negado que os jornalistas levassem cópias de suas declarações.

“A estranheza dos fatos é potencializada pela crescente hostilidade ideológica aos meios de comunicação independentes”, afirma a revista. Em outro trecho da nota, a Veja acrescenta: “Quando a imprensa torna-se alvo de uma força política no exercício do poder deve-se acender o sinal de alerta, de modo que a faísca seja apagada antes que se torne um incêndio.”

Por meio de assessores, o delegado Ferreira disse que todos os procedimentos referentes aos três depoimentos transcorreram “dentro da normalidade”.

REPERCUSSÃO

O episódio acabou mobilizando parlamentares em Brasília – o caso virou inclusive tema de discursos na tribuna do Senado. A repercussão política também envolveu o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, que disse ter entrado em contato com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pedindo providências contra o “tratamento intimidador e grave” dado aos jornalistas.

Tasso estava em São Paulo no momento do depoimento e ameaçou ir à sede da PF para acompanhar pessoalmente o que ocorria. Ele disse ainda ter avisado Bastos de que os jornalistas estariam sendo tratados de “maneira dura, num processo de intimidação clara”. Pouco depois, Bastos retornou o telefonema dizendo ao tucano que ficasse tranqüilo e prometendo contatar também a Veja. Tasso contou que telefonou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para relatar o episódio.

Diante da mobilização dos políticos no Senado, a PF optou por divulgar também uma nota oficial sobre o caso. No documento, a polícia reiterou que os depoimentos foram devidamente acompanhados pela advogada do Grupo Abril e insistiu em que os questionamentos foram feitos “normalmente” pelo delegado , tratando exclusivamente de temas relacionados à reportagem publicada pela Veja.

Ainda segundo o texto, os repórteres e sua advogada em momento nenhum “manifestaram contrariedade ou discordância com a condução do depoimento”.

A Polícia Federal disse ainda aguardar uma manifestação formal dos repórteres para tomar as providências cabíveis.

Ana Paula Scinocca, Cida Fontes e Clarissa Oliveira

O Estado de S. Paulo