O troca-troca de servidores entre as instituições do Executivo, Legislativo e Judiciário corre o risco de ser regulamentado e se transformar no chamado trem da alegria. Está na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional que permite a efetivação pelo Senado Federal, por exemplo, de um servidor que passou no concurso para o Ministério Público e que foi emprestado para lá.

Num exagero, um servidor que passou no concurso para faxineiro da Justiça Federal e que foi enviado para prestar serviços de técnico no Ministério do Planejamento e está lá há mais de três anos pode ser efetivado com um salário maior e tendo prestado uma prova mais fácil.

Críticos dizem que a proposta privilegia aqueles que têm conhecidos em cargos mais altos em órgãos diferentes. A PEC 2/03 foi apresentada pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). Ele argumenta que a crescente demanda por funcionários nos órgãos criados pela Constituição Federal de 1988 provoca um contínuo deslocamento de servidores de seu órgão de origem para outro e que é comum ficarem “anos a fio” se especializando nos serviços prestados à segunda instituição.

“Após tantos anos exercendo atividade diversa da que ordinariamente exerceria no órgão cedente, é relevante ao ponto de se observar que, em alguns casos, como se dá, por exemplo, na Justiça Eleitoral e na Justiça do Trabalho, onde muitos servidores já atuam há mais de uma década, e, por isso, já não têm quaisquer afinidades com as suas atividades de origem desempenhadas nos Poderes Executivo e Legislativo”, justifica o deputado.

O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias (PT-MG), à época deputado federal, foi um dos que apresentou um voto contra o projeto. Ele chama atenção para o dispositivo constitucional, “basilar em um estado democrático”, que é o direito igualitário de acesso aos cargos públicos.

“Ao contrário do que ocorria no passado, não há cargos públicos hereditários. Positivando expressamente o direito individual de acesso aos cargos públicos de forma impessoal e igualitária, já que vivemos em um Estado Democrático de Direito e que tem a cidadania como fundamento, o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, é expresso no sentido de que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de acordo com a natureza e a complexidade do cargo”, argumenta em seu voto.

O ministro ressalta que os direitos e garantias individuais constituem cláusula pétrea e, portanto, não podem ser modificadas por emenda constitucional. Por isso, defendeu que “é de clareza solar” que a proposta não pode ter seu mérito apreciado. Isso, no entanto, não impediu que a matéria chegasse ao Plenário da Câmara.

A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) também soltou nota contestando a idéia. O argumento é o mesmo: a PEC fere garantias pétreas do cidadão.

“A Constituição Federal de 1988 erigiu como um de seus princípios o concurso público, única forma de ingresso de forma efetiva na administração que democratiza o acesso do cidadão aos cargos e empregos públicos e respeita os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, declarou o presidente da entidade, Cláudio José Montesso.

Para ele, a proposta merece amplo repúdio dos juízes, “na medida em que consagra o clientelismo e a troca de favores, mazelas que devem ser extirpadas da vida política brasileira”.

por Lilian Matsuura

Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2007