CHOQUE NO AR – Militares dizem que houve imprecisão no contato com o jato, mas não erro do controle de São José dos Campos 

“N600XL. Clear, 370, Manaus.” Foi com essa frase que o controlador de vôo de São José dos Campos, no interior de São Paulo, autorizou a decolagem do jato Legacy que, horas depois, no dia 29 de setembro, viria a se chocar no ar com o Boeing da Gol, deixando 154 mortos em Mato Grosso. Oficiais da Aeronáutica ouvidos pelo Estado afirmam que, embora correta, a informação passada pela torre de controle poderia ter sido mais precisa.

Ainda assim, dizem os militares, os pilotos do jato da empresa americana ExcelAire deveriam ter verificado se a autorização passada pelo controlador da torre condizia com os dados do plano de vôo. “Faltou ele (o controlador) dizer, no fim da frase, ´as filed´ ou ´according to flight plan´ (de acordo com o plano de vôo, em português). Um piloto brasileiro compreenderia essa ordem perfeitamente. Mas o americano pode ter se confundido, entendendo que poderia voar a 37 mil pés até Manaus”, comenta um oficial da Força Aérea Brasileira (FAB). “Todo piloto sabe que, ao mudar de proa (direção de vôo), deve mudar de altitude.

Dizer que entendeu errado é querer se livrar da responsabilidade”, diz o militar.

Mesmo tendo decolado sem confrontar a ordem do controlador com o plano de vôo, os pilotos do Legacy, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, ainda tiveram tempo de perceber que, se mantivessem o nível inicial, entrariam na “contra-mão” da aerovia. Quando estavam a 94 quilômetros de Brasília – sete ou oito minutos antes de chegar à altura da vertical da capital federal e uma hora antes da colisão com o Boeing -, os americanos fizeram contato com o centro de controle de Brasília (Cindacta-1). O diálogo é o seguinte: “N600XL atinge 370. Boa tarde”, diz o piloto do Legacy, chamando o controle Brasília e informando que estava a 37 mil pés de altitude, mostrando que, naquele momento, cumpria o plano de vôo. “N600XL acione sua identidade”, diz o controlador de Brasília, pedindo ao piloto do jato que digitasse o código de seu transponder, para que pudesse ser visualizado no radar do Cindacta-1.

Em seguida, o código aparece no visor e o controlador, mais uma vez, informa: “Sob vigilância radar”. O plano de vôo do Legacy previa três altitude: 37 mil pés até Brasília; 36 mil pés entre a capital federal e o ponto Teres (ponto virtual da carta aeronáutica) e, a partir daí, 38 mil pés até Manaus.INCOMPREENSÃO A única informação contestada pelo piloto do Legacy durante o procedimento decolagem (“clearance”, em inglês) foram os números do “fixo” – coordenadas que indicam o trajeto de subida para atingir a aerovia. “O piloto do Legacy pede ao controlador que repita os números e, mesmo sem cotejar (confirmar se entendeu ou não a informação), levanta vôo”, revela um oficial da FAB. “A torre de controle de São José dos Campos só teve certeza de que ele agiu corretamente após acompanhar todo o procedimento pelo radar”, diz o militar.

O Estado apurou que, após o acidente, o controlador de vôo que auxiliou a decolagem do Legacy – um 1º sargento com cerca de 30 anos de experiência – pediu afastamento do cargo. “Mesmo sem ter tido participação direta nessa tragédia, ele ficou muito abalado com o que aconteceu”, disse uma pessoa próxima ao controlador. 

Bruno Tavares

O Estado de S. Paulo