Lula adianta que não vai mexer nas pastas da Fazenda e do Planejamento e também dá sinais de que Henrique Meirelles fica no Banco Central. E avisa: as prioridades agora são o PAC e os programas sociais

“A equipe econômica está blindada pelo sucesso”. A frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa uma garantia de emprego para os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, além do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Uma situação confortável nesses tempos em que a maioria do governo vive a tensão de esperar pela reforma ministerial. Lula voltou a indicar que, no segundo mandato, a política econômica seguirá no rumo desenvolvimentista defendido por Mantega e menos no regime de aperto fiscal que marcou a gestão de seu antecessor, Antonio Palocci. “O superávit primário de 4,25% do PIB não pode ser uma obsessão”, diz. “O mesmo presidente que definiu a meta de 4,25% pode definir que ela será de 4%. Ou só pode subir?”

O afrouxamento no superávit será para áreas que o governo considera prioritárias, como os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e programas sociais. “Não vou gastar mais, vou investir mais”, diz o presidente. “Gasto não tem retorno. É como pagar aluguel. Quando eu casei, pagava cem cruzeiros por mês de aluguel num quarto e sala no Moinho Velho, em São Paulo. Cada mês que eu ia pagar, passava raiva porque era um dinheiro que não voltava. Quando pude, peguei um empréstimo e comprei uma casinha”. Essa diferença entre aluguel e prestação, aplicada aos investimentos públicos, vai definir as áreas que receberão mais dinheiro.

Para defender o sucesso de sua política econômica, o presidente é seletivo na interpretação dos números. Saúda os bons indicadores, como o recorde nas reservas do Banco Central. “Quando visitei a Índia, me disseram que eles tinham US$ 100 bilhões em reservas. Fiquei morrendo de inveja. Hoje nós temos US$ 100 bilhões em reservas”. E dá justificativas para os maus números, como o crescimento de apenas 2,9% do PIB da economia brasileira no ano passado. “O Brasil cresceu 10% nos anos do milagre econômico e 7% no governo Juscelino Kubitschek e o povo ficou mais pobre. Nós crescemos distribuindo renda”.

“Ninguém tem mais pressa em fazer o país crescer do que eu”, diz o presidente. “Quando as pessoas reclamam (da economia), sou eu que eles xingam nas ruas”. Para Lula, o Brasil “está a um fio de chegar lá”. Lá, nesse caso, é a conjugação de desenvolvimento e estabilidade na economia.

O presidente avisou que vai mesmo colocar a reforma tributária na pauta da próxima reunião com os governadores, apesar da resistência deles. “Se houver um governador contra a reforma, que assuma isso diante do país”, destaca. Ao afirmar que a reforma é fundamental, o presidente disse que “o governo federal fez sua parte na reforma tributária ano passado. Os estados não fizeram a deles”.

Críticas ao FMI

Há poucos dias, Lula surpreendeu ao indicar o economista Paulo Nogueira Batista Júnior para o cargo de diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional. O economista sempre foi um crítico feroz do FMI. Ontem, na conversa com os jornalistas, o presidente deixou claro que endossa essas críticas. “Há quanto tempo vocês não escrevem sobre o FMI?” questionou. “O fundo vem perdendo espaço porque tentou impor ao mundo um modelo que não funciona”. Para o presidente, “o FMI passou décadas defendendo a contenção de gastos. Deveria passar os próximos 10 anos falando em crescimento econômico e desenvolvimento.”

Emprego para jovens

Educação e programas para jovens serão os focos dos próximos pacotes do governo. O presidente Lula não gosta que se fale em “PAC da Educação” ou “PAC Social”, para não banalizar a marca. Mas na conversa com os jornalistas falou muito sobre educação e emprego para jovens. Para ele, é com esses programas que o Brasil vai conseguir superar a crise da segurança pública e não com o endurecimento da lei, como a redução da maioridade penal. “A maior parte dos jovens do Brasil quer estudar e trabalhar. Há uns poucos milhares que se desencaminharam, mas não é por causa deles que se deve submeter a juventude do Brasil à repressão.”

Lula está fechando com o ministro da Educação, Fernando Haddad, o pacote do ensino. Revelou duas propostas. São idéias dele, o que dá boa chance de que sejam implementadas. A primeira é a criação de cursos noturnos nas universidades federais. A segunda é trocar a dívida de universidades privadas com o governo por bolsas de estudo. “Essa é uma daquelas dívidas que ninguém vai pagar. Então, que nos paguem com doutores”, diz Lula.

Ensino é importante, mas o presidente reconhece que isso não resolve o problema. “Se o jovem faz um curso técnico e não encontra emprego, acaba desaprendendo o ofício e se desencaminhando”. Ele reconheceu que a Lei do Aprendiz, criada para incentivar empresas a oferecer o primeiro emprego a jovens, não deu resultado. “Não adianta impor por lei”, argumenta. Ele defende um acordo nacional e pede a participação das grandes empresas. “O que custa para o grupo Gerdau ou para a Volskswagen empregar mais 20 ou 30 jovens? Se cada empresa fizer isso, vamos resgatar uma geração de jovens”.

Sem abaixar a cabeça

Uma semana antes de receber a visita do presidente dos Estados Unidos, George Bush, o presidente Lula disse que seu governo “não é antiamericanista”, mas afirmou que “por muitas décadas o Brasil foi subserviente aos Estados Unidos”. Segundo ele, “nenhum interlocutor aceita a subserviência. Quando isso acontece, não há respeito”. De acordo com o presidente, “os Estados Unidos são um parceiro estratégico para o Brasil, mas eles cometeram o erro estratégico de nunca dar a atenção devida à América Latina e especialmente ao Brasil”.

O comentário de Lula foi uma resposta às críticas do ex-embaixador do Brasil em Washington Roberto Abdenur. Depois de afastado do cargo, ele deu entrevistas nas quais apontou uma orientação antiamericana na política externa brasileira. O presidente esforçou-se para negar esse posicionamento, mas deixou claras suas ressalvas ao governo americano.

Se depender de Lula, a agenda de sua reunião com Bush no próximo dia 8 será centralizada no programa de biocombustíveis. Para ele, o tema traz duas vantagens. De um lado, coloca uma boa oportunidade de negócios para o Brasil, que pode tornar-se um exportador do produto. O presidente contou que pretende aumentar o envolvimento da Petrobras no negócio do álcool e etanol. Deseja que a empresa funcione como um regulador de preços e estoques no mercado. Com seu poder de compra, a empresa será responsável por possuir estoques capazes de manter não apenas estáveis os preços no mercado interno, mas também garantir o abastecimento de países que importem o produto do Brasil.

Riscos climáticos

O segundo ponto é dar uma resposta às pressões para que o Brasil reduza as emissões de gases poluentes. O governo está preocupado com isso porque boa parte dos projetos estratégicos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se concentram em empreendimentos que trazem riscos climáticos, como usinas termelétricas. A divulgação recente de um estudo demonstrando o agravamento no aquecimento global aumentou as críticas a esse tipo de projeto.

“Tenho conversado com a Marina (ministra Marina Silva, do Meio Ambiente). A gente tem de tomar muito cuidado com o discurso dos países ricos. Eles dizem que a gente não pode desmatar e com esse discurso não reduzem a emissão de gases”. Segundo o presidente, com o programa de biocombustíveis, o Brasil encontra uma resposta a essas pressões. “Nós provamos ao mundo que há uma solução viável, com menos poluição. Quando você planta uma árvore para extrair biocombustível está retirando gás carbônico do ar. Quando essa árvore é transformada em combustível, ele emite menos gases”.

Na conversa com Bush, Lula vai pedir o apoio americano para internacionalizar o programa de biocombustíveis. “O etanol não pode ser uma aventura de um país só”, diz. “Ele tem de ser produzido em países que precisam se desenvolver, como os da África.”

Gustavo Krieger

Da equipe do Correio

02/03/2007