Delegado quer saber qual a participação de Abel Pereira nas conversas em torno do dossiê que envolve serra com a máfia

O delegado da Polícia Federal em Cuiabá Diógenes Curado Filho abriu ontem inquérito para investigar a participação do empresário Abel Pereira na montagem e compra de documentos que comprovariam a ligação de políticos no esquema de venda superfaturada de ambulâncias. Pereira foi citado no depoimento de Luiz Antônio Vedoin, um dos donos da Planam, como um dos intermediadores na compra do dossiê contra o candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra.

Segundo a PF, Pereira também foi citado nos depoimentos de Osvaldo Bargas, Expedito Veloso e Jorge Lorenzetti, três petistas envolvidos nas negociações sobre o dossiê. Os três teriam dito que Pereira esteve em Cuiabá na época da negociação do dossiê. Escutas telefônicas feitas nos telefones de Luiz Antônio indicam que, enquanto ele negociava com os petistas a venda do dossiê contra os tucanos, fazia contatos também com Pereira. Existem registros de recados do empresário para Luiz Antônio no último dia 14 — data em que teria sido fechado o acordo entre o sócio da Planam e os petistas — que indicam que os dois vinham mantendo contato.

O empresário ainda é acusado de ligação com o ex-ministro da Saúde Barjas Negri (PSDB) e de ter sido beneficiado em licitações nessa época. Em nota, Barjas Negri negou qualquer ligação com Pereira. Segundo a nota de Negri, o empresário não tinha autorização para falar em seu nome quando era ministro da Saúde.

Abel Pereira também é acusado de ser operador do esquema dos sanguessugas no Ministério da Saúde na gestão do PSDB. Ele tem alterado versões sobre seu envolvimento no caso. Ao falar ao Correio no dia 16, em Piracicaba, Pereira afirmou ter se encontrado com os Vedoin — o pai Darci e o filho Luiz Antonio —, somente uma ou duas vezes. “Fui só apresentado a eles”, alegou o empresário.

De acordo com a última entrevista, Pereira agora admite ter feito uma “parceria” com os Vedoin numa criação de gado de leite. “Mas o negócio não prosperou” e “acabou em meados de 2002”, amenizou. Pereira também disse ao Correio que teria ido uma única vez ao Ministério da Saúde para ajudar o amigo Valdizete Martins Nogueira, prefeito de Jaciara, no Mato Grosso, cidade onde ele tem uma fazenda. “Tive uma audiência marcada em 2002, de 15 minutos. O Valdizete tinha lá um pedido de liberação de convênio, mas não era de ambulância. Era de uma unidade de saúde”, afirmou, sem dar detalhes.

Na entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele já fala de duas visitas ao Ministério da Saúde. Agora, reconhece também que venceu uma licitação para ampliar um hospital em Jaciara. De um total de R$ 550 mil da obra, o ministério lhe repassou R$ 495 mil. “Só entrei (na licitação) porque tinha máquinas e pessoal na fazenda”, justificou Pereira.

Procurado ontem em Piracicaba, na sede das empresas Cicat e Concivi — que pertencem a ele e a um irmão —, Pereira não foi encontrado. O seu advogado, Sérgio Panuzzio, negou que seu cliente tenha dado declarações contraditórias e atribuiu as versões conflitantes a supostas deturpações da imprensa. Em seguida, Panuzzio ficou irritado e não deu mais explicações.

CPI QUER OUVIR TUCANO

O presidente da CPI dos Sanguessugas, deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), examinou ontem os documentos mandados pela Polícia Federal e afirmou ver neles indícios suficientes para incluir na investigação o empresário Abel Pereira e o último ministro da Saúde do governo FHC, Barjas Negri (PSDB), atualmente prefeito de Piracicaba, no interior paulista. “Pelo que vi, acho que as investigações sobre Barjas Negri e Abel devem ser aprofundadas. Mas isso não depende só de mim, o plenário da CPI é que decidirá”, disse. Da mesma forma, a comissão será consultada sobre a convocação do presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, ex-coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como dos outros petistas envolvidos na compra do dossiê — Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas, Vadebran Padilha, Gedimar Passos e Freud Godoy. “Há requerimentos para todo mundo”, confirmou Biscaia.

Contradições do empresário

ANTES

Disse que encontrou os Vedoin uma ou duas vezes e foi só “apresentado a eles”

Disse não ter qualquer envolvimento com as denúncias nem saber por que seu nome havia citado

Disse ter ido uma única vez ao Ministério da Saúde

Disse ter ido ao Ministério da Saúde apenas para ajudar um amigo, o prefeito Valdizete Nogueira

AGORA

Admite ter sido parceiro de Darci Vedoin numa criação de gado de leite

Tinha relacionamento com os donos da Planam e mesmo depois de estourado o escândalo continuou a manter contato com eles

Admite ter ido pelo menos duas vezes ao Ministério da Saúde

Admitiu ter vencido uma licitação para ampliar um hospital em Jaciara (MT), pela qual recebeu R$ 495 mil

Homem de bastidores

Rico e poderoso, o construtor Abel Pereira não era conhecido do grande público nem mesmo em sua cidade, Piracicaba, a cerca de 150km de São Paulo. É um homem de bastidores, discreto. Não freqüenta festas nem colunas sociais.

Amigo pessoal do tucano Barjas Negri, que sucedeu José Serra no Ministério da Saúde, Pereira surgiu em manchetes de jornais ao ser acusado pelos Vedoin de atuar como um operador do esquema dos sanguessugas no governo, durante a gestão do PSDB.

Suas misteriosas andanças têm causado embaraços a Negri, agora prefeito de Piracicaba. Pereira e um irmão, Armando, são donos de duas maiores construtoras da região, a Cicat e a Concivi. As duas têm abocanhado a quase totalidade dos contratos da gestão de Negri. Nos dois primeiros anos do mandato do prefeito tucano, as duas empresas venceram licitações para executar pelo menos 37 obras, no total de R$ 10,4 milhões. (GN) 

 

Mãe como laranja

A Polícia Federal está investigando os negócios do empresário Valdebran Carlos Padilha da Silva, flagrado tentando negociar um suposto dossiê anti-Serra. Em pelo menos três de suas empresas — Saneng, Engessam e V3 — dos setores de construção civil, saneamento e infra-estrutura, ele usa como laranjas os nomes de seu irmão, Waldemir Padilha e da mãe, Terezinha da Conceição, que já morreu, revela certidão da Junta Comercial divulgada pelo jornal A Gazeta, de Cuiabá.

Consta na Junta Comercial que as empresas Saneng e Engessam funcionam em uma casa, localizada no bairro Jardim Paulista, em nome do irmão e da mãe. As empresas estão tocando obras obtidas com emendas de parlamentares mato-grossenses. O mesmo ocorre com a V3, que funciona à rua General Mello, centro da cidade, onde aparece também o nome da sócia, Rosilene Corrêa de Oliveira.

Na Saneng e a Engessam, responsáveis por executar obras da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), existem apenas três quadros com fotografias da construção de duas creches e um centro comunitário em Sorriso e Santa Carmem, no interior de Mato Grosso. As empresas também tocam obras em Santo Antônio de Leverger, consta em inquérito aberto na PF, no depoimento do ex-administrador da Funasa (MT), José Ferreira Lemos Neto.

As ligações de Valdebran com políticos do PMDB e do PT, partido no qual enfrenta processo de expulsão, para aprovação de emendas beneficiando suas empresas, foram os principais motivos para o PT impedir sua indicação para o cargo de diretor econômico e financeiro da Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (Eletronorte), estatal subordinada à Eletrobrás, do Ministério das Minas e Energia. “Diante da gravidade das informações recebidas impedimos a nomeação dele”, confirmou o presidente do PT de Cuiabá, Jairo Pereira Rocha. 

Gilberto Nascimento

Correio Braziliense