Um em cada cinco bombeiros, policiais militares e civis que prestaram concurso público, assumiram a vaga e estão na ativa, não exerce a função para qual estudou e foi treinado. Pelo menos 21,18% do efetivo das três forças de segurança pública do Distrito Federal estão fora das corporações. São 5.656 homens e mulheres que deixam de fazer a atividade-fim — investigar, fazer policiamento preventivo, combater incêndios, entre outros — para trabalhar na burocracia de órgãos do governo local, federal, judiciário, entre outros.

A quantidade de agentes de segurança fora das ruas é ainda maior porque desse índice estão excluídos PMs e bombeiros lotados em quartéis mas que não fazem policiamento, inspeções ou ações contra incêndios. Eles cuidam da papelada das corporações ou trabalham como assessores de oficiais. Alguns fazem a limpeza e segurança interna das unidades, pois a PM e o Corpo de Bombeiros — diferentemente das polícias Civil do DF e Federal, por exemplo — não têm contratos com firmas particulares para tais serviços.

Os dados foram publicados no Diário Oficial de 6 de julho (veja quadro) e fazem parte do relatório das atividades realizadas pela Secretaria de Segurança Pública no primeiro trimestre de 2006. Mas o balanço não detalha os quadros dos quartéis da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Não mostra quantos efetivamente estão nas escalas de policiamento ostensivo — no caso da PM — e o número de bombeiros designados para as ações operacionais. Nem a quantidade de militares que trabalham apenas com a burocracia nos quartéis.

Distribuição

A Polícia Militar tem 15.477 oficiais e praças, sendo que 1.786 ( 11,6% do total) estão longe dos quartéis. Só no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República há 387 homens e mulheres. Na Casa Militar do governo local, são mais 427, e 35 no Gabinete Militar da vice-governadoria. Também é significativo o número de PMs presos ou licenciados por problemas médicos: 445 – o relatório não separa os que estão atrás das grades dos doentes.

No Corpo de Bombeiros Militar, a proporção de militares fora da corporação é ainda maior (25,5 %). Dos 6.035 profissionais, 1.539 estão cedidos a outros órgãos ou “em situações diversas”, segundo o balanço da Secretaria de Segurança Pública. Há ainda militares desviados de função de forma totalmente ilegal, segundo o Tribunal de Justiça do DF. Eles estão nos presídios, cuidando de detentos, o que vai contra a Constituição Brasileira, que impede os agentes de segurança que prendem de vigiar, punir, educar infratores.

Trabalham como agentes penitenciários 320 PMs e bombeiros. Em
novembro do ano passado, a Justiça local considerou a atividade desvio de função. Para suprir a carência de funcionários nos presídios, o governo do DF prorrogou por mais um ano o trabalho, até que seja realizado concurso público para contratação de 800 agentes penitenciários. Há PMs e bombeiros exercendo função de chefia nas unidades prisionais. Eles ganham R$ 1 mil de gratificação.

A Polícia Civil do DF nunca teve tantos delegados, agentes, escrivães e peritos. A instituição conta com 5.192 policiais. Desses, 3.634 ( 69,9% do total) atenderam 37.708 ocorrências criminais nos três primeiros meses de 2006. O restante ( 30,1%) está em outros órgãos. A Câmara Legislativa do DF tem 39 policiais civis à sua disposição. Eles trabalham na segurança da instituição e também como assessores dos deputados distritais. O Tribunal de Justiça do DF abriga outros 20, que também fazem vigilância interna. Detalhes: os dois órgãos têm carreira própria de segurança.

Doenças

O empréstimo para essas áreas é criticado por quem é especialista no assunto. O professor George Felipe Dantas, coordenador do Núcleo de Estudos em Defesa da Segurança e Ordem Pública do Uni-DF, diz que a cessão desses profissionais para outros órgãos responde apenas a uma parte do porcentual total de afastamentos da atividade fim. “O que resta por contabilizar se divide em diferentes afastamentos internos. Boa parte deles em situações médicas, inclusive de origem psicossomática, englobando doenças laborais que vão desde cardiopatias a distúrbios posturais e psiquiátricos, fruto de uma atividade cujo desgaste é pouco conhecido da sociedade”, observa.

Oficial reformado da PMDF, Dantas afirma que as policlínicas do Corpo de Bombeiro, das polícias Civil e Militar sofrem de problemas crônicos de falta de recursos. “Tais profissionais dependem de convênios irregulares onde a tônica é o atendimento de emergência e não o preventivo”, ressalta. Para ele, os desvios para a atividade prisional merecem cuidados especiais porque refletem uma situação-limite da capacidade operacional, não só do DF como do restante do país. “O sistema prisional do DF pode ser considerado exemplar pelos resultados que apresenta em termos de disciplina e contenção das freqüentes rebeliões que ocorrem no restante do país. Aumentos de efetivo nesta área são mais do que necessários e justificados.”


A favor da terceirização


A Associação dos Policiais e Bombeiros Militares (Aspol) do DF, uma das 17 entidades representativas de PMs, recebe diariamente reclamações de militares inconformasdos com a situação. O ex-cabo Sidney Patrício não vê solução imediata para a sobrecarga do trabalho policial porque a criminalidade só aumenta. Ele entende que algumas ações poderiam aliviar o excesso de serviço. “Os quartéis poderiam ter pessoal terceirizado para fazer a limpeza e a guarda das unidades. Os soldados deveriam estar nas ruas para garantir a segurança da população”, comenta.

O Correio entrou em contato, por telefone e por e-mail, com a Secretaria de Segurança Pública e PMDF, mas não obteve retorno. A reportagem questionou os desvios de função, os critérios de cessão para outros órgãos e a necessidade de concurso público.

Fonte: Correio Braziliense 11 de agosto