Funcionários que ocupam chamados cargos de natureza especial, sem concurso público, serão demitidos a partir de 3 de outubro

Medida gerará economia de R$ 47 milhões por ano; Aldo diz que decisão foi tomada “em nome da moralidade” e para dar um bom exemplo

A quatro meses e meio do final da legislatura mais atingida por acusações de corrupção, a cúpula da Câmara dos Deputados decidiu ontem mexer em um de seu maiores “cabides de emprego” e demitir, a partir de 3 de outubro, 1.018 funcionários contratados sem concurso público e que ocupam os chamados CNEs (Cargos de Natureza Especial).

O corte representa 43% do total dos cargos, hoje 2.365, e significará uma economia anual de R$ 47 milhões, 1,6% do orçamento previsto em 2006 para a Casa.

Foco constante de acusações de irregularidades, os CNEs -que recebem entre R$ 1.500 e R$ 8.500 ao mês- surgiram no início da década de 90 com o objetivo de assessorar órgãos de direção da Câmara, mas, ao passar dos anos, se multiplicaram desordenadamente e vários tiveram a função desvirtuada, sendo divididos em lotes pelas lideranças partidárias.

Os cortes foram definidos em reunião da Mesa e sairão publicados hoje. O critério é demitir os CNEs que não moram em Brasília -a partir de outubro, só será permitido o trabalho no Congresso-, os que assessoram parlamentares e os que são parentes até segundo grau de deputados e de servidores em cargos de chefia.

Além dos 1.018, outros 145 que ocupam funções em órgãos administrativos também devem ser exonerados após a contratação de funcionários por meio de concurso público. Após a reestruturação, os nomes dos ocupantes dos cargos serão divulgados na internet.

“Essa é uma decisão em defesa da moralidade, da publicidade, em defesa da Casa, que tem uma responsabilidade muito grande em relação ao país, que tem que ter um comportamento exemplar”, afirmou o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP).

Para o presidente licenciado do sindicato dos servidores do Legislativo, Ezequiel Nascimento, a medida certa seria extinguir todos os CNEs e promover o preenchimento dos novos cargos por meio de concurso.

As principais suspeitas em relação aos CNEs começaram em agosto de 2003 quando uma série de reportagens da Folha apontou o uso irregular dos cargos (leia texto nesta página). Entre outras coisas, foi revelado que 803 CNEs trabalhavam fora de Brasília, prestando serviços aos gabinetes estaduais dos deputados, que possuem verba mensal de R$ 53 mil para contratar até 25 assessores.

Entre esses, havia um trabalhando para o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que se recusou a modificar as regras e atacou as reportagens classificando-as de “assaque” contra a legitimidade parlamentar.

“O debate sobre os CNEs não é uma agenda da Câmara, não é pauta da sociedade, não é um dilema institucional nem pede soluções de continuidade. Temos de superar esse tema, sob o risco de, daqui a cem anos, um cronista usar os textos da Folha sobre os CNEs para injustamente decretar: “Nada mudou'”, escreveu em artigo publicado na Folha.

Na reunião da Mesa da Câmara de ontem estava presente o primeiro-secretário, Inocêncio Oliveira (PL-PE), que também teve um CNE identificado pela Folha trabalhando em seu gabinete no Estado. “Tenho o testemunho do presidente Aldo e dos outros integrantes da Mesa de que desde o começo estou lutando muito para fazer a coisa mais correta possível”, disse Inocêncio.

Folha apontou a existência de 1.960 CNEsEm 10 de agosto de 2003, a Folha mostrou que havia 1.960 contratados da Câmara sob a rubrica CNE (Cargos de Natureza Especial).

Os funcionários, 1.795 deles nomeados até então na gestão de João Paulo Cunha (PT-SP) como presidente da Casa, foram admitidos sem concurso e recebiam salários de até R$ 7 mil.

Deveriam ser voltados a funções técnicas e administrativas, quase um terço vinculado à Mesa Diretora da Casa. Vários CNEs, porém, nunca foram a Brasília.

A primeira secretaria da Casa, por exemplo, empregava uma funcionária que dizia só ter ido três vezes à sede do PMDB em Salvador.

João Paulo disse que não mudaria as regras por não considerar imoral ou irregular o uso dos CNEs para tarefas em redutos eleitorais de integrantes da Mesa.

Em março de 2004, o procurador-geral da República deu prazo de um mês para que João Paulo tomasse providência sobre CNEs que atuavam fora de Brasília. O deputado nada fez.

RANIER BRAGON

Folha de S. Paulo