Onda de violência no país faz sua primeira vítima estrangeira: o missionário mineiro Aurélio Brito foi baleado no pescoço

Missionário mineiro de 27 anos é morto em tiroteio na capital do país, convulsionado há sete meses por luta entre fações políticas e gangues

A onda de violência que castiga o Timor Leste desde abril último fez sua primeira vítima estrangeira — um brasileiro. O missionário evangélico Aurélio Edgard Gonçalves Brito, de 27 anos, morreu na madrugada de ontem, após ser atingido no pescoço por uma bala durante um tiroteio na capital, Díli. Ele vivia no país havia cerca de dois anos em companhia da irmã, Elizama Gonçalves Brito, de 31 anos, que também é missionária. Mais de 50 pessoas já morreram no Timor Leste em sete meses de confrontos que envolvem facções políticas rivais e gangues criminosas.

O pastor Moisés Silveira, vice-presidente da Assembléia de Deus de Belo Horizonte, informou ao Correio que Aurélio retornava com a irmã de uma sessão de orações na casa de uma família no bairro de Akadiro Hun. Por volta de 21h30 de sábado (10h30 em Brasília), o veículo em que viajavam foi atingido por disparos. Ferido, o missionário foi socorrido pela irmã, mas morreu a caminho do hospital. “O país está em conflito, mas perto de onde eles estavam reunidos com algumas pessoas, para orar, estava tudo tranqüilo. Por isso mesmo, eles decidiram ficar até mais tarde”, contou ao Estado de Minas uma das irmãs de Aurélio, Eglais Gonçalves Brito dos Santos, de 33 anos.

Segundo Eglais, Aurélio viria para o Brasil em janeiro próximo, para visitar a família, mas planejava voltar para o Timor Leste. “Prevalecia a vontade de ajudar na reconstrução do país”, diz a irmã. De acordo com o pastor Moisés, quando Aurélio partiu, há dois anos, tinha consciência da insegurança no país, mas decidiu assim mesmo participar da missão. “Nossa função é levar a paz por meio do Evangelho. No Timor Leste, ajudamos não apenas de maneira espiritual, mas também prestando ajuda social. Como país em reconstrução, eles precisam de muito apoio, especialmente em saúde e educação”, explicou. Aurélio se dedicava à alfabetização de crianças nas aldeias e participava de grupos de evangelização.

De acordo com o pastor, a família do jovem quer que o governo brasileiro arque com os custos da repatriação do corpo. Em nota divulgada ontem, o Itamaraty informou que a Embaixada do Brasil em Díli está em contato com Elizama “para prestar-lhe toda assistência”. “O governo brasileiro está acompanhando com atenção a apuração dos fatos. A Embaixada do Brasil mantém-se em contato com as autoridades timorenses, que se dispuseram a prestar o apoio necessário, e com a Polícia das Nações Unidas, responsável pela condução das investigações”, diz o texto, que não faz referência direta à questão do translado do corpo. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, esse tipo de despesa não está previsto no orçamento.

Tristeza

A mãe e três irmãos de Aurélio, que moram em Belo Horizonte, receberam a notícia da morte do missionário por volta de 12h de ontem. Na casa onde a mãe vive com dois de seus irmãos, parentes e amigos passaram a tarde e a noite ajudando e consolando a família. Eglais, com os olhos vermelhos, não conseguia conter o choro a cada foto mostrada. Em uma delas, o abraço da irmã Elizama, no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há três anos, quando ela embarcou para o Timor.

A cada palavra que revelava o caráter e a persistência do irmão, a voz saía embargada. Solteiro, o bacharel em teologia e filho de pastor tinha “fé nos homens e esperança de paz”. “Ele não tinha muitos planos pessoais, a maioria eram coletivos. Tinha um coração grande e pensava muito nos outros”, conta. A mãe, a aposentada Maria Antônia Gonçalves de Brito, de 61 anos, estava muito abalada e não pôde atender à reportagem. Na igreja à qual ele se dedicava, foi formada uma corrente de oração. “Agora, estamos tristes e pedindo a Deus que console a família e a nossa Igreja”, disse o pastor Moisés.

Quatro anos turbulentos

O Timor Leste foi colônia portuguesa até 1975, quando nacionalistas proclamaram a independência, mas tiveram de conviver por mais um quarto de século com a ocupação do território pela Indonésia. Foi apenas em 1999 que um plebiscito organizado pelas Nações Unidas ratificou a separação. Mesmo assim, foi preciso o envio de uma força de paz para conter a violência desencadeada por milícias pró-indonésias. O reconhecimento do país pela ONU se formalizou em 2002.

O Brasil participou do esforço de reconstrução com tropas, que retornaram em maio de 2005, e programas de assistência civil. Desde abril último, o país passa por instabilidade e violência política, que custou o cargo do premiê Mari Alkatiri, confrontado com o presidente Xanana Gusmão. Choques entre grupos rivais deixaram 30 mortos e 150 mil refugiados.

Portugal, Austrália e Nova Zelândia enviaram tropas ao país para ajudar a restabelecer a ordem pública e a segurança. O exército timorense, inativo desde maio, reassumiu na última quarta-feira o patrulhamento da capital, Díli.

Junia Oliveira e Mariana Mainenti

Correio Braziliense