Adjuntos parlamentares, categoria criada no último ano do regime militar, são cedidos para gabinetes de deputados nos estados, sem qualquer custo para os parlamentares. Quem paga a conta é o cidadão

Além de milhares de secretários parlamentares e de centenas de cargos de natureza especial (CNEs), a Câmara ainda mantém uma categoria muito especial de servidores: os adjuntos parlamentares. Criada em 1984, último ano da ditadura militar, a categoria funcional tinha lotação correspondente ao número total de deputados. Com o tempo, foi sendo gradativamente extinta, mas ainda restam 31 integrantes. Eles estão lotados em gabinetes de deputados, boa parte deles atuando nos estados de origem dos deputados, uma situação funcional que não estava prevista na resolução 102/84 da Câmara.

Concursado da Câmara dos Deputados há 26 anos, o adjunto parlamentar João Geraldo Araújo está lotado no gabinete do mineiro Cabo Júlio (PMDB) desde o seu primeiro mandato, em 1999. A função do assessor, que fica no escritório político localizado no Barro Preto, em Belo Horizonte, é encaminhar as pessoas que procuram o deputado solicitando internações e consultas médicas através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

De acordo com Cabo Júlio, Araújo trabalhava anteriormente na capital mineira para outro deputado, que não se reelegeu. “Ele então se apresentou a mim pedindo para ficar em Belo Horizonte. Eu consultei o regimento da Câmara e vi que cada deputado pode ter um assessor entre os concursados da Casa”, justificou o parlamentar. Segundo ele, o funcionário não representa qualquer custo para sua folha de pessoal, já que é pago pela Câmara.

Por não trabalhar em Brasília, o deputado assegura que o salário de seu assessor é 45% menor. Procurado pela reportagem no local de trabalho, João Geraldo se negou a dar entrevistas e ainda foi muito agressivo com a equipe. “Não sou fantasma. Se estou aqui hoje é porque o regimento permite”, afirmou, aos berros. “Não vai ter entrevista. Peguem o regimento interno da Câmara para ler”, limitou-se a dizer.

Há pouco mais de um mês, o Correio revelou que 600 CNEs estão desviados de função, cedidos para gabinetes de deputados, lideranças dos partidos e cargos da Mesa Diretora. Os salários desses servidores chegam a R$ 8 mil. Um mês após a publicação da reportagem, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), anunciou que seriam extintos cerca de 1,2 mil do total de 2,7 mil CNEs existentes. Em seguida, informou que serão extintos 1,5 mil cargos.

Filha de Paes

A adjunta Karla Paes de Andrade hoje trabalha no Espaço Cultural da Câmara, mas passou um bom tempo no gabinete do deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), seu cunhado. Karla é filha do ex-presidente da Câmara Paes de Andrade (PMDB-CE), que é sogro de Eunício. Quando estava à disposição do gabinete do cunhado, prestava expediente em Brasília, onde mora.

O deputado Léo Alcântara (PSDB-CE) conta com os serviços do adjunto Wankis Bezerra da Silva. A idéia da designação para o gabinete partiu do servidor. “Eu que procurei o deputado, pelo fato de ser um conterrâneo”, contou Wankis. Quando foi procurado, em pleno período eleitoral, ele estava em Fortaleza, mas garantiu que não ajuda na campanha do deputado: “Vim ver umas emendas para prefeituras. Só resolvo problemas de emendas”. Ele afirmou que teve um perda salarial por ter sido lotado num gabinete. Atualmente, tem salário líquido de cerca de R$ 5 mil.

A adjunta Dioneé Cavalcanti, lotada no gabinete de Severiano Alves ( BA), também não foi encontrada em Brasília. “Ela está na Bahia. É uma espécie de assessora do deputado no estado. Ela tem residência em Brasília, mas está passando um tempo lá”, afirmou a assessora que se identificou como Marcela.

Uma das adjuntas, Fernanda Cunha Porto, está lotada na 3ª secretaria da Câmara, que tem Eduardo Gomes (PSDB-TO) como titular. Ela não está em Brasília nem em Tocantins. Está em São Paulo, acompanhando uma filha que está hospitalizada. “Ela tem liberdade de não assinar o ponto, mas normalmente está em Brasília”, afirmou a assessora de imprensa da 3ª secretaria.

A adjunta Walkyria Saramago Pinheiro está lotada no gabinete de Francisco Dornelles (PP-RJ) desde 2002. “Ela é uma assessora política. Ajuda na assessoria de imprensa”, afirmou a assessora Beth Dornelles. O deputado José Militão ( MG) conta com o trabalho do adjunto Elias José Ferreira. Ele dá expediente no escritório do deputado no estado.

Testes realizados a cada dois anos

Os adjuntos parlamentares ouvidos pelo Correio afirmaram que são servidores da carreira da Câmara, admitidos mediante aprovação em concurso público. A resolução 102/84, que criou a categoria funcional, diz que os adjuntos parlamentares serão regidos pela legislação trabalhista e pelas normas que disciplinam o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O preenchimento dos empregos dessa categoria ocorreu por meio de “processo seletivo, de caráter eliminatório”. A “clientela” foi constituída pelos contratados para as funções de secretário parlamentar, oficial de gabinete e secretário particular, desde que contassem com quatro anos de exercício nessas funções. Os testes seletivos seriam realizados de dois em dois anos.

A resolução não regulamenta, expressamente, se esses servidores podem exercer suas funções nos escritórios dos deputados nos estados. O artigo sétimo diz que o deputado poderá solicitar a designação, para seu gabinete, de um integrante da categoria funcional adjunto parlamentar, dentro da disponibilidade da tabela especial. Os ocupantes desses empregos ficam sujeitos ao regime de 40 horas semanais e registram freqüência na Coordenação de Apoio Parlamentar.

Pela resolução, os adjuntos desenvolvem atividades de nível médio, com execução qualificada de trabalhos de apoio ao parlamentar, acompanhamento interno e externo de assuntos de interesse do parlamentar, execução de trabalhos datilográficos e outros serviços. Questionada sobre a regulamentação da categoria, a assessoria da Câmara forneceu as resoluções 102/84, que cria a tabela especial da categoria, 18/85, que introduz pequena alteração na regulamentação, e 84/88, que autoriza nova prova seletiva.

Lúcio Vaz

Correio Braziliense