A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deixou de intermediar o contato entre o governo e os familiares dos passageiros do vôo 1907 da Gol. Desde domingo, o grupo reclamava do tratamento dos funcionários da agência. Chegaram a soltar nota oficial classificando a diretora do órgão de “desrespeitosa”. Ontem, a Aeronáutica passou a fazer as negociações com o grupo de pessoas que está hospedado em hotéis de Brasília a espera dos corpos das vítimas do acidente com o avião. A medida fazia parte da lista de reivindicações do grupo apresentada ao ministro da Defesa, Walter Pires, em audiência na segunda-feira.

“Nós não queríamos mais a Anac nos informando aqui no hotel”, ressaltou a professora Luciana Siqueira, irmã do executivo Plínio Siqueira, um dos passageiros do vôo que vinha de Manaus para Brasília. Apesar do tempo chuvoso, ontem três aviões foram enviados para a região do acidente: um Hércules C 130, um avião de carga e um helicóptero de médio porte, Puma CH 34. “Esses aviões vão fazer o possível para trazer mais corpos. A gente espera e confia na agilidade”, afirmou Luciana.

A medida também é resultado do encontro do grupo com o ministro. De acordo com a comissão de familiares dos passageiros do vôo 1907, o transporte dos corpos recolhidos no local do acidente e levados para a propriedade mais próxima — Fazenda Jarinã — seria feito por meio de caminhão frigorífico. Demoraria nove horas para chegar à Serra do Cachimbo (base aérea da aeronáutica de onde os corpos são transportados de avião para Brasília). Imagina o transporte de 155 corpos”, indigna-se. Um médico indicado pelos familiares está no local acompanhando o serviço do IML na região.

Caixas de isopor também serão usadas para o transporte dos corpos resgatados nos helicópteros. Cerca de 300 pessoas estão em Brasília à espera de seus parentes para reconhecimento. Só depois do reconhecimento feito pelo IML poderão fazer o traslado para a cidade de origem e fazer, finalmente, o funeral e o enterro dos seus familiares. “Quero minha filha de volta. Não podemos esperar mais”, desabafa o advogado João Mendes de Rezende, pai da estudante de medicina Franciele Ferreira Mendes de Rezende, 22 anos, que estava no avião da Gol.

A Aeronáutica colocou à disposição das pessoas hospedadas em Brasília a possibilidade de novos sobrevôos na área do acidente. Na segunda-feira, um grupo de oito pessoas pôde conferir as condições de resgate dos corpos. A comissão de familiares tem uma lista de quem está disposto a ver de perto o local do acidente.

Cansadas de ouvir como justificativa das autoridades governamentais a falta de comunicação do local do acidente com as cidades, a comissão entrou em contato com a Globosat e pediu rádios de comunicação que funcionam no local. Ontem, o material foi entregue ao grupo. “Recebemos quatro rádios que podem ser levados para ficar em comunicação direta com a gente”, diz Luciana.

Sem informação

Consultores em gestão de crise já não viam com bons olhos a atuação da Anac no controle de informações sobre o acidente. “Quem está no controle não pode deixar margem para dúvidas. É preciso ter especialistas para rebater qualquer questão que for levantada em um momento desses”, explica a sócia-diretora da TFS Comunicação, Terezinha Santos, hoje consultora da Petrobras em controle de crises. A postura da Anac, tanto com aos parentes quanto com a imprensa, seria muito mais de omitir fatos para tentar conter especulações do que esclarecer o que era possível sobre a tragédia. “Em um acidente como este, a pressão por informação é muito grande. E isso é justo. O importante é passar tudo claramente na medida do possível para evitar até mesmo um desgaste maior dos envolvidos”, reflete a analista.

As notícias sobre as declarações da diretora Denise Abreu feitas às famílias sobre a situação dos corpos das vítimas surpreenderam Terezinha. “Isso evidencia o despreparo dessa diretora para lidar com uma situação tão complexa. Acredito que deva ser a primeira vez que ela se depara com uma crise assim e faltou habilidade para lidar com o fato”, avaliou.

A também consultora em crises Mary Anne Sá, diretora da Millenium Comunicação Integrada, não tem críticas à atuação da Anac, mas estranhou o fato de a Gol ter declinado do controle da situação. “Normalmente, quem toma a frente é a companhia afetada. De certa maneira, a Gol aceitou a liderança da Anac e não sei se foi a melhor estratégia porque, afinal, a imagem mais abalada é a da companhia aérea”, comentou a especialista. Mesmo assim, a melhor atuação até o momento teria sido a da empresa, que focou no apoio às famílias, exatamente o ponto falho da agência reguladora.

HACKERS EM AÇÃO

Internautas distraídos são as mais novas vítimas do acidente com o avião da Gol. Hackers se aproveitam do interesse pela tragédia para aplicar um golpe que termina com o roubo de senhas e números de cartão de crédito. Desde segunda-feira, pelo menos 50 pessoas compareceram à 4ª Delegacia de Crimes Eletrônicos, em São Paulo, para denunciar o crime. Os hackers enviam e-mails com o assunto “fotos do acidente da Gol”. No corpo da mensagem, acrescentam frases como “as fotos são impressionantes, não sobrou nada do avião” e encerram com a indicação “clique aqui para ver as fotos”. Ao clicar, o internauta instala um programa espião em seu computador, que captura tudo o que for digitado, dali em diante, como senhas de banco e números de cartão.

Hércules Barros e Mariana Mazza Da equipe do Correio

 

Tragédia foi teste de fogo

Indicada pelo ex-ministro José Dirceu — com quem trabalhou na Casa Civil — a atual diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu, herdou do ex-patrão o jeito intempestivo de ser. No Palácio do Planalto, trabalhava como assessora jurídica. O nome dela chegou a ser lembrado para ocupar um cargo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável por julgar processos de fusões entre empresas e formação de cartéis. A sugestão não foi levada adiante porque uma indicação política poderia comprometer a imagem do órgão, essencialmente técnico. Meses depois, ela foi indicada para a recém-criada Anac. Ao assumir uma das diretorias da autarquia, Denise se deparou com assuntos espinhosos como a crise da Varig. Ela esteve à frente, na agência, para tratar das turbulências financeiras da companhia e dos estragos provocados pela empresa para os passageiros. Mas o seu teste de fogo foi mesmo o acidente com o avião da Gol. Ali, Denise mostrou que pode saber mais de números que de relações humanas. O primeiro desentendimento entre a diretora e os parentes dos passageiros do vôo 1907 ocorreu no domingo passado, no Aeroporto de Brasília, quando familiares ainda esperavam por notícias do estado dos passageiros. O grupo ficou chocado com a forma “violenta e desrespeitosa” com que ela se dirigiu ao grupo. Revoltados, chegaram a reproduzir em nota à imprensa, na segunda-feira, a fala da a diretora da Anac: “Vocês são inteligentes. O avião caiu a 11 mil metros de altura a 400km/h, o que vocês esperavam encontrar, corpos?” Ao saber que sua declaração tinha provocado a ira dos familiares dos passageiros do vôo, a diretora da Anac foi ao hotel pedir desculpas ao grupo hospedado no hotel Confort Suites. A tentativa de reconciliação não convenceu os presentes e ela insistiu no exemplo. “Se eu cair de um prédio de 20 andares tem uma conseqüência com o meu corpo. Imagina, então, uma queda de 11 mil metros.”