De olho no trem

Governo critica propostas que efetivam servidores admitidos sem concurso, temporários e requisitados e presidente da Câmara acha aprovação “quase impossível”. PECs, porém, ainda podem ir a votação 

As propostas que podem garantir um “trem da alegria” no serviço público, com efetivação de funcionários admitidos sem concurso, temporários e requisitados, enfrentaram ontem resistências na Câmara dos Deputados e no governo federal, mas não foram descartadas por congressistas e ainda podem entrar na pauta de votações. Pego no contrapé, o governo reagiu com preocupação. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que as conseqüências orçamentárias para a União, estados e municípios seriam incalculáveis. Segundo ele, as propostas abririam um “hiperprecedente” perigoso.

Na Câmara, o “trem” balançou muito, mas não descarrilou. “Difícil, muito difícil, praticamente impossível”, foi como o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), descreveu a possibilidade de aprovação de cada um dos projetos no plenário. O petista, porém, afirmou que pelo menos a proposta de efetivação dos servidores deverá ser votada nas próximas semanas. O assunto não chegou a ser discutido na reunião de líderes, que deu preferência a temas como a reforma política e a renovação do prazo da Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF).

O custo financeiro do “trem da alegria “ ainda não foi estimado. De acordo com Paulo Bernardo, é quase impossível mensurar os reflexos nas folhas de pessoal porque não há informações precisas sobre faixas salariais nem sobre o universo de trabalhadores envolvidos. Bernardo informou que se tratam de cerca de 260 mil pessoas, mas admitiu que o contingente pode ser bem maior do que se imagina. “Não faço a menor idéia de impacto. Seria importante saber com quem está cuidando disso. Quanto custaria?”, provocou o ministro.

Constituição

Porta-voz do governo para boas e más notícias ao funcionalismo, Paulo Bernardo atacou a Proposta de Emenda Constitucional 54, de 1999, que garante estabilidade a servidores da administração direta e indireta admitidos sem concurso antes da Constituição de 1988. “Ela passa ao largo de dispositivos importantes, como a questão do concurso público”, completou. Para ele, não está claro como os funcionários poderiam ser incorporados à burocracia. “Se você vai transformar pessoas que não foram concursadas em servidores, é importante saber se isso será na forma de Regime Jurídico Único, precisamos saber como será a incorporação”, reforçou.

A PEC 54 inclui um adendo do deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), efetivando cerca de 200 mil servidores que prestam serviços temporários em estados e municípios. Ele afirma ter recebido pedido dos governadores do Pará, do Acre e do Piauí para votar a emenda constitucional. A governadora do Pará, Ana Júlia (PT), enviou carta aos líderes do Congresso pedindo a aprovação da matéria. Esses servidores seriam efetivados e se aposentariam com todos os direitos concedidos a servidores aprovados em concurso. A PEC 2/2003, de autoria do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), efetiva servidores requisitado há mais de cincos anos, desde que tenham sido aprovados em concurso no órgão de origem. Só na Câmara são 810 requisitados (leia quadro).

“Desrespeito”

Após a reunião dos representantes dos partidos com Chinaglia, o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE), criticou duramente o “trem da alegria”. “Seria um desrespeito ao concurso público. Você diria: ‘Entre para uma prestadora de serviço, fique lá 10 anos e, pela jurisprudência formada, você será efetivado’”. Questionado se alguém teria proposto a discussão do tema na reunião, respondeu: “Ninguém teve coragem”.

O líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS), foi lacônico: “Trem da alegria? Tô fora”. Entre os maiores partidos, a posição mais branda foi a do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). “Tem que votar. Há milhares de pessoas esperando uma decisão.” Mas ele acrescentou que a liderança não firmou posição quanto ao mérito.

Chinaglia afirmou que, “se há uma mobilização, a Câmara tem que ter coragem e a responsabilidade de decidir e ser cobrada. O que não dá é para imaginar o resultado. O fato de ir para a pauta não garante que será votado”. Ele disse que recebeu requerimento de vários partidos, em 2006, pedindo a votação da PEC que efetiva os temporários. Em julho, Maurício Rands (PT-PE) teria pedido para colocar a matéria em pauta. “Mas a matéria não está na pauta esta semana, naturalmente não é um prioridade e não cabe ao presidente da Câmara se posicionar quanto a mérito”, completou.

Memória

Tentativas em série

 

Reportagem do Correio de outubro de 2005 revelou articulação para votar proposta

 

Não é a primeira vez que a Câmara dos Deputados tenta colocar em votação a PEC que efetiva funcionários cedidos de um órgão para outro. Em outubro de 2005, quando Aldo Rebelo (PCdoB-SP) era presidente da Casa, líderes dos 12 então maiores partidos assinaram um requerimento pedindo a inclusão do tema na pauta do plenário. A proposta chegou a ser incluída na pré-pauta da Câmara na reunião de líderes dos partidos.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindilegis), Ezequiel Nascimento, criticou a PEC, afirmando que a efetivação traria ainda mais desgaste à imagem da instituição. O Correio divulgou a tentativa no dia 6 de outubro e, no mesmo dia, Rebelo disse que a PEC não iria à votação. Os líderes partidários afirmaram que não haviam apoiado o mérito da matéria, mas apenas a sua votação.

Os líderes dos servidores requisitados ampliaram a sua mobilização e fizeram contatos com dezenas de parlamentares. Em novembro do ano passado, houve nova tentativa, depois que os representantes dos servidores cedidos conseguiram o apoio de 137 deputados para levar o tema ao plenário. Mas faltou conseguir a assinatura dos líderes partidários, uma medida que costuma sensibilizar o presidente da Câmara. O Correio revelou as articulações de bastidores no dia 27 de novembro do ano passado.

O movimento dos requisitados voltou à carga nas últimas semanas, na esperança de que a PEC 2/2003 fosse incluída num pacote com mais dois “trens da alegria”, todos prevendo a efetivação de servidores públicos. A proposta está pronta para ser votada. 

 

O que se propõe

As duas Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) que podem ser colocadas em votação na Câmara dos Deputados tornam efetivos grupos distintos de servidores públicos:

PEC 54

Autoria: ex-deputado Celso Giglio (PTB-SP), com emendas de outros parlamentares

Apresentação: 10 de junho de 1999

Benefíciários: servidores da administração direta e de estatais que entraram no serviço público nos cinco anos que antecederam a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, e não foram efetivados pela nova Carta, passam a ser efetivos; servidores contratados de forma temporária que permaneceram trabalhando por pelo menos 10 anos

Números: há uma estimativa não oficial, de técnicos da Câmara dos Deputados, que aponta haver cerca de 60 mil servidores na primeira situação e outros cerca de 200 mil temporários que se encaixariam no segundo caso PEC 2

Autoria: deputado Gonzaga

Patriota (PSB-PE)

Apresentação: 25 de fevereiro de 2003

Benefíciários: servidores da União, dos estados, do DF e dos municípios que estiverem trabalhando, há mais de três anos, como requisitados em órgãos distintos daqueles em que foram admitidos poderão optar por se tornarem funcionários do local onde atuam

Números: não há sequer estimativa confiável. Em Pernambuco, onde surgiu a idéia do projeto, há 503 funcionários requisitados só no TRE. No Rio Grande do Norte, são outros 184 

Luciano Pires e Lúcio Vaz

Correio Braziliense

15/8/2007