O relatório reservado da Polícia Federal sobre a atuação do grupo de policiais, advogados e empresários presos na Operação Cerol deixa em situação delicada o advogado Michel Assef e seu sócio Monclar Gama, um dos advogados presos na operação na sexta-feira. Cópia do documento, obtida pelo GLOBO, mostra que Monclar, a pedido de Assef, tentou obter informações privilegiadas na PF para prejudicar a casa noturna Scala e, num jogo duplo, tirar proveito do restaurante Plataforma.

As duas casas estavam em disputa comercial e o escritório de Assef fora contratado para defender os interesses da Plataforma. O serviço de inteligência da PF registrou uma conversa de Monclar com o delegado Daniel Brandão, da Delegacia Fazendária da PF no Rio, às 14h34m do dia 11 de agosto do ano passado. Monclar pede informações sobre o empresário Armand Pizzirulli, patrocinador de um show de mulatas no Scala.

Empresário faria tráfico internacional de mulheres

Monclar fala sobre o suposto envolvimento de Pizzirulli com o tráfico internacional de mulheres e pede uma cópia do auto de prisão do empresário. A idéia era promover uma ação contra Pizzirulli e, a partir daí, atingir o Scala, concorrente da Plataforma. Mas, no decorrer da conversa, o delegado e o advogado resolvem também prejudicar a Plataforma.

— Eu quero saber se a Plataforma está em dia com … (trecho inaudível da gravação)? — pergunta Brandão, segundo relatório reservado.

— Falei com Álvaro (o escrivão da PF Álvaro Andrade da Silva) aqui, já pedi autorização para ele, ele me deu. Eu vou jogar, vou dizer: “Oh, estão investigando a Plataforma também” — responde Monclar.

O relatório, usado pela Justiça Federal para decretar a prisão dos 17 suspeitos na Operação Cerol, reproduz também uma conversa entre Monclar e Assef. No diálogo, gravado às 11h41m do dia 11 de agosto do ano passado, os dois advogados falam sobre um presente que vão dar a Álvaro, escrivão de um inquérito sobre o envolvimento de um dirigente do Flamengo com desvio de dinheiro da Previdência.

“Monclar diz que não entregou sequer o chaveirinho do Flamengo para ele (Álvaro)”, descreve o relatório.

Assef pede, então, “para Monclar dizer que não chegou a camisa ainda, mas que quando chegar eles arrumam uma camisa para ele (Álvaro)”. Nesta mesma conversa, Assef pergunta ao sócio se ele “já tem alguma informação daquele cara”, supostamente Armand Pizzirulli. Monclar diz que vai fazer o levantamento com Álvaro, na PF.

Procurado pelo GLOBO, Michel Assef disse que, de fato, mandou Monclar buscar informações sobre Pizzirulli, mas negou que tenha autorizado o sócio a bisbilhotar eventuais dados sigilosos da Plataforma:

— Estou surpreso, estupefato. Não posso acreditar que ele tenha feito uma coisa dessas. Isso é uma coisa horrorosa. Estou chocado. Com certeza nunca autorizei nada disso.

O advogado confirmou ainda a conversa sobre a camisa e o chaveiro do Flamengo que ele e Monclar iriam dar a Álvaro. Mas alega que o ato não pode ser classificado como cooptação para que o policial aliviasse as acusações contra o cartola do Flamengo que estava sob investigação da PF.

— Vamos admitir que ele tivesse presenteado alguém com a camisa do Flamengo. Isso não é motivo para caracterizar corrupção. Até ministro de Estado já me pediu camisa do Flamengo — disse Assef.

Ex-superintendente pediu porte ilegal de arma

Entre os presos da Operação Cerol estão os delegados José Milton Rodrigues e Jairo Kullmann, dois ex-superintendentes da PF no Rio. O relatório descreve atos suspeitos dos policiais, que vão do afrouxamento de investigações criminais até novos casos de tráfico de influência. Segundo o relatório, José Milton chegou a pedir para que o Sistema Nacional de Armas concedesse um porte de arma, de forma ilegal, para um empresário, que teria feito o pedido “mediante a alegação incomprovada de que estaria sendo ameaçado de seqüestro”.

O suposto esquema de corrupção que levou para a cadeia os policiais federais pode estar funcionando há pelo menos três anos na Superintendência da Polícia Federal do Rio. De acordo com o inquérito 06/2003, aberto na Corregedoria interna da PF, três delegados e um escrivão são suspeitos da prática de delitos, já naquela época, na Delegacia Fazendária (Delefaz).

Uma denúncia que consta da investigação mostra que os delegados Mauro Montenegro, Daniel Brandão e Jorge Almeida, além do escrivão Álvaro da Silva, teriam se reunido na Fazendária para a suposta prática de corrupção e favorecimento a empresas e pessoas.

Jailton de Carvalho / O Globo