Rendido às evidências numéricas, o governo passou a considerar a hipótese de não votar mais a emenda da CPMF antes da virada do ano. Avalia-se no Planalto que, se não obtiver os três quintos (49 votos), a fuga produziria um estrago menor do que a derrota em plenário.

Derrotado, o governo perderia de vez o imposto do cheque. Empurrando o problema para 2008, retomaria a negociação com a oposição. Amargaria um prejuízo estimado em, no mínimo, R$ 14 bilhões. Mas manteria viva a hipótese de recriar o tributo, voltando a cobrá-lo a partir de abril ou maio do ano que vem.

Nas próximas horas, Lula e seus operadores políticos farão um último esforço para cooptar senadores. Persistindo a inanição de votos, que já dura arrastadas três semanas, caberá ao presidente decidir se o governo vai à sorte do plenário, arriscando-se ao infortúnio, ou se bate de vez em retirada, esquivando-se de dar quorum até o final do ano.

Chegou-se ao seguinte impasse: a oposição tem, por ora, 35 votos. É mais do que suficiente para derrubar a CPMF (32 senadores). Mas não é o bastante para atingir o quorum mínimo para a deliberação (41 presentes ao plenário). O Planalto, por sua vez, tem do seu lado 46 senadores, dos quais só 45 têm direito a voto (o presidente interino Tião Viana só votaria em caso de empate). Dá para assegurar o quorum. Mas não dá para obter a renovação do imposto do cheque (49).

Ou seja, só haverá votação se o governo quiser. E, embora tenha assumido o compromisso de votar a emenda da CPMF, em primeiro turno, nesta terça-feira (11), o Planalto deu meia-volta. Empurrou a deliberação para quarta ou quinta-feira. Se não obtiver votos até lá, pode desistir definitivamente de votar.

A fuga desta terça-feira é o segundo sinal de debilidade do governo. A tropa de Lula já dobrara os joelhos na quinta-feira da semana passada, dia em que o governo protagonizou uma primeira retirada estratégica de plenário. Para justificar a segunda escapada, Romero Jucá (PMDB-RR), líder de Lula no Senado, alegou que não poderia contar com dois governistas hospitalizados: Roseana Sarney (PMDB-MA) e Flávio Arns (PT-PR). É lorota.

Roseana, de fato, fraturou o pulso. Mas, em privado, informou que, se necessário, poderia dar as caras no plenário. Arns, às voltas com as complicações de um câncer na tireóide, só deve aparecer no Senado nesta quarta-feira. Mas o problema do governo não se chama Rosena nem Arns. Chama-se falta de votos.

A alternativa da fuga definitiva foi discutida, nesta segunda-feira (11), entre o ministro José Múcio, coordenador político de Lula, e líderes governistas. Um dos líderes que trocaram idéias com Múcio resumiu assim o drama do governo: “Se é para perder, melhor não votar”.

Boa parte dos senadores que ainda devotam fidelidade ao governo não deseja figurar na foto final da guerra da CPMF na condição de heróis mortos. Mantido o cenário adverso, se o governo decidir rumar para o tudo ou nada, arrisca-se a ser surpreendido com a ausência em plenário de “aliados” que preferem não imprimir as digitais num painel eletrônico fadado a anotar o triunfo da oposição.

O voto será aberto. E a idéia de renovar a CPMF até 2011 é rejeitada por fatia considerável do eleitorado. Daí a resistência dos senadores sublevados em ceder aos apelos de um governo que não hesitou em levar ao balcão as moedas tradicionais –cargos e emendas orçamentárias—e até a promessa de atender a reivindicações que vão da rolagem de dívidas de Mato Grosso a privilégios pecuniários a Estados periféricos como Roraima e Rondônia.

Nas pegadas de um final de semana que José Agripino Maia (RN), líder do DEM, tachara de “negro”, a oposição promoveu uma recontagem de seus votos. Agripino e Arthur Virgílio, líder do PSDB, foram de dissidente em dissidente. Alguns foram abordados em duplicidade. Verificou-se que, por ora, o único risco de defecção é Jonas Pinheiro (DEM-MT). Uma baixa que, se confirmada, reduziria o exército anti-CPMF a 34 senadores, dois a mais do que os 32 necessários à extinção da CPMF.

No domingo, o governo difundira a “informação” de que já havia assegurado 47 votos. Faltariam dois para os três quintos. Era conversa fiada. O bloco que se dispõe a enterrar a CPMF mantém-se impressionantemente monolítico. Noves fora Jonas Pinheiro, é integrado por 13 senadores do DEM, 13 do PSDB, um do PSOL e sete amotinados de legendas governistas: Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Mão Santa (PMDB-PI), Geraldo Mesquita (PMDB-AC), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Romeu Tuma (PTB-SP), César Borges (PR-BA) e Expedito Júnior (PR-RO).

Abordados pelos líderes da oposição, os governistas sublevados tiveram reações curiosas. Tuma foi às lágrimas ao relatar a pressão que vem sofrendo por parte do governo. Disse ter comunicado até à família que não muda de posição. Expedito, aos risos, ironizou: “Nunca antes na história desse país o governo fez tanta proposta para um pobre senador de Rondônia sem obter resultado nenhum.” Mesquita soou dramático: “Prefiro me jogar num precipício a votar a favor da CPMF.”

Farejando os movimentos do governo, a oposição também já considera a hipótese de não ter como votar a prorrogação da CPMF ainda em 2007. “Mesmo não votando, teremos uma vitória monumental”, diz Agripino Maia. “O governo perde e retoma as negociações no próximo ano bem pequenininho.”

“Pela lógica, eles não votam”, afirmar Arthur Virgílio. “Se o governo está realmente disposto a desonerar tributos e a meter a mão no bolso, cortando gastos, eu mesmo pergunto: por que não suspender e assumir o compromisso de acertar a recomposição para o ano que vem?”

Nesta terça-feira, Jonas Pinheiro terá uma reunião a portas fechadas com Agripino e Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM. A dupla vai informar ao potencial desertor que, bandeando-se para as fileiras inimigas, será punido com a expulsão da legenda. Ao cerco que se forma em torno de Jonas soma-se a perspectiva da oposição de engrossar a sua tropa com pelo menos um novo dissidente: Osmar Dias (PDT-PR). 

Fonte: Folha online/ Blog Josias de Souza