Chefe de perícia médica em Governador Valadares, de 56 anos, levou 3 tiros; ela apontava riscos de agressão no trabalho 

  A chefe do serviço de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Governador Valadares (MG) foi assassinada com três tiros ontem. Maria Cristina Felipe da Silva, de 56 anos, foi morta na porta de casa.

Segundo testemunhas, por volta das 8h30, ela manobrava o carro quando um homem numa bicicleta começou a atirar. Maria Cristina morreu em seguida, num pronto-socorro. Até o final da tarde de ontem, nenhum suspeito havia sido preso.

A polícia trabalhou inicialmente com a hipótese de latrocínio (homicídio com objetivo de roubo), logo descartada, já que nada da médica foi levado. Os policiais agora acreditam que o assassinato foi motivado por causa da função de Maria Cristina no INSS. “Está parecendo execução”, afirmou o delegado Rômulo Quintino, da Polícia Civil.

A Polícia Federal também entrou no caso.

O trabalho de um médico perito do INSS é conceder ou não o auxílio-doença, uma espécie de salário temporário pago pelo governo enquanto a pessoa não pode trabalhar por causa de um problema de saúde. Os segurados se revoltam quando o benefício não é concedido ou é cancelado, o que ocorre em 20% das perícias. A violência pode ser verbal ou física.DOSSIÊ E ALERTA

O INSS já havia sido alertado para a iminência de uma morte. No início de junho, representantes da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência (ANMP) levaram ao presidente do INSS e ao ministro da Previdência Social um dossiê a respeito da falta de segurança no trabalho. Por meio de uma enquete realizada neste ano, a entidade ouviu 550 médicos e constatou que 93% já haviam sido insultados por segurados e que 26% haviam sido vítimas de algum tipo de agressão física.

Esse levantamento foi publicado pelo Estado no dia 9 de julho. “Logo vamos ter uma morte”, disse, na época, o presidente da ANMP, Eduardo Rodrigues de Almeida. Ontem, a caminho do velório de Maria Cristina, Almeida lembrou a reportagem: “Viu que, infelizmente, eu tinha razão? O governo é negligente, recusa-se a aceitar que nossa atividade é de risco. Acha que estamos brincando”.

Segundo os peritos, a explosão da violência também tem relação com o fim das perícias terceirizadas. Até fevereiro deste ano, médicos particulares também atendiam em seus consultórios e recebiam do INSS por perícia. Alguns concediam ou renovavam o benefício só para receber pela perícia seguinte. Agora atendem apenas os médicos concursados. Desde então, o número de auxílios-doença concedidos tem caído, o que desagradou a muitos segurados.

As agressões são tão freqüentes que os peritos criaram na internet um site de acesso restrito em que relatam suas experiências (leia depoimentos ao lado).MUDANÇAS

No início de setembro, para tentar reduzir a violência, o INSS tirou dos laudos a assinatura do médico perito e pôs a do presidente do instituto. O objetivo é fazer o segurando entender que o benefício é dado ou negado por um ato institucional do INSS, não por uma decisão pessoal do médico.

A medida não foi suficiente para garantir a segurança dos peritos. Na última segunda-feira, houve dois graves casos de agressão em Salvador. No pior deles, uma segurada que havia recebido um laudo desfavorável despejou uma garrafa de álcool contra a médica que a havia atendido. Ele chegou a riscar um fósforo, mas foi contida a tempo por um segurança.

Agora o INSS pretende deixar de entregar na agência o resultado da perícia e passar a enviá-lo pelo correio à casa do segurado. Isso reduziria o risco de agressões. A mudança, que, segundo os peritos, estava prometida para agosto, deve ocorrer ainda neste mês.DENÚNCIAS

Maria Cristina era uma das delegadas mais atuantes da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência. Em junho, ela denunciou a falta de segurança dos médicos peritos na região leste de Minas Gerais. Em entrevistas a emissoras de TV da região, ela cobrava mais “segurança policial” para os peritos. Um dos últimos casos denunciados por ela foi o de uma médica da cidade vizinha de Timóteo ameaçada dentro do consultório por um segurado armado com um revólver.

A Associação Nacional dos Médicos Peritos diz não ter dúvidas de que o assassinato tem relação com o trabalho dela no INSS. “Ela era uma mulher de 56 anos, bem casada, com quatro filhos. Sua única atividade profissional era na perícia médica”, afirma o vicepresidente da ANMP, Luiz Carlos Argolo. “Estamos no olho do furacão. Nós, os médicos peritos, muitas vezes contrariamos os interesses de muitas pessoas e até de quadrilhas que fraudam o INSS.” O velório de Maria Cristina estava marcado para o início da noite de ontem, em Governador Valadares. COLABOROU ALVARO FIGUEIREDO, ESPECIAL PARA O ESTADOMédicos param em todo o País por mais segurança

 

Ontem, mesmo dia em que uma funcionária que denunciava agressões no trabalho foi assassinada em Governador Valadares (MG), médicos peritos do INSS deram início a uma paralisação nacional em protesto contra a falta de segurança. A greve, organizada pela Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência (ANMP), deveria durar dois dias.

O protesto vinha sendo discutido havia algumas semanas e, por coincidência, ocorreu no dia em que Maria Cristina Felipe da Silva foi assassinada. Por causa da morte, a paralisação pode não terminar hoje, como estava previsto. “Precisamos agora voltar a conversar com a categoria para saber que posição tomar”, afirma o presidente da ANMP, Eduardo Rodrigues de Almeida.

Segundo a ANMP, não trabalharam ontem 90% dos 4,7 mil peritos do INSS. Segundo a entidade, a paralisação não chegou aos 100% porque muitos médicos ainda estão na fase de estágio probatório, isto é, ainda não têm estabilidade no cargo.

Também ontem, o INSS entrou na Justiça contra a ANMP.

Na ação, o instituto argumenta que a paralisação é ilegal e abusiva, exige a volta imediata ao trabalho e pede uma multa de R$ 100 por perícia não realizada. O INSS também ameaça descontar do salário dos funcionários as horas não trabalhadas. Por mês, os médicos realizam cerca de 500 mil perícias em todo o País.

Ricardo Westin e Eduardo Kattah

O Estado de S. Paulo