Projeção oficial mostra que despesas com pessoal aumentarão 10% acima da inflação neste ano de eleições, maior taxa desde 1996

Interrompendo tendência de enxugamento, número de funcionários da União saltou de 1,856 mi com FHC para 1,957 mi sob Lula

Depois de três anos em que a expansão da máquina administrativa promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quase não se refletiu nas contas públicas, a União caminha, em 2006, para um aumento recorde dos gastos com pessoal, com impactos já programados para o futuro governo.

Segundo projeções oficiais recém-concluídas, a despesa com o funcionalismo do Executivo, do Legislativo e do Judiciário fechará este ano eleitoral em R$ 114,4 bilhões, um crescimento de 9,9% acima da inflação, puxado pelo primeiro Poder. Trata-se, de longe, da maior taxa observada desde, pelo menos, 1996 -a comparação com anos anteriores é prejudicada pelo descontrole inflacionário de então.

Será também o único caso no período em que os gastos com pessoal subirão como proporção do Produto Interno Bruto em um ano de crescimento econômico digno de comemoração, levando-se em conta a expectativa otimista da área econômica de uma taxa de 4,5% para o PIB.

Os dados indicam, pela primeira vez, conseqüências mais palpáveis da política petista de pessoal e ampliação da estrutura do Estado. Até então, a inflação e a expansão da economia haviam sido capazes de diluir os efeitos orçamentários do aumento do número de ministérios, universidades, embaixadas, cargos de confiança e servidores públicos.

O quadro de pessoal da União dá os números mais eloqüentes: saltou de 1,856 milhão, no encerramento dos anos FHC, para 1,957 milhão de funcionários ativos e inativos em 2005, interrompendo tendência de enxugamento que vinha desde o início da década de 90.

Ainda assim, o governo Lula pode contrapor às críticas ao “inchaço” da máquina, marteladas pela oposição tucano-pefelista, um forte ajuste nos gastos com salários e outros encargos no início de seu mandato, graças à inflação de 9,3% medida pelo IPCA em 2003 -que levou a folha de pagamentos a uma queda real recorde de 3,7%- e ao crescimento econômico de 4,9% no ano seguinte -que reduziu as despesas a 5,06% do PIB, menor proporção desde o Plano Real.

Pacote de reajustes No ano passado, com a desaceleração simultânea da inflação e da economia, os gastos com pessoal voltaram a ter aumento real, mas estiveram longe de impedir o maior superávit fiscal da história recente para o abatimento da dívida pública. Agora, porém, os números sofrem o impacto do pacote de reajustes salariais incluído na estratégia reeleitoral de Lula.

Uma série de medidas provisórias editadas entre maio e julho concedeu aumentos, gratificações, novos planos de carreira e outros benefícios a cerca de 90% dos servidores do Executivo, a um custo de R$ 5,7 bilhões neste ano e sob a contestação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, para quem o pacote contraria a lei.

Mesmo antes da vigência das MPs, o Tesouro Nacional já acusa no primeiro semestre um aumento nominal de 11,4% nas despesas com pessoal da União, um salto em relação aos 5% registrados no mesmo período do ano passado -um efeito de vantagens concedidas de forma escalonada em anos anteriores.

Impacto futuro As medidas deste ano também implicam desdobramentos no próximo governo, cujo impacto ainda é incerto. A projeção de gastos adicionais em 2007, por exemplo, foi calculada inicialmente em R$ 10,8 bilhões, mas o Planejamento já fala em R$ 13 bilhões. Mesmo a previsão total de despesas deste ano foi elevada em R$ 1,6 bilhão na semana passada.

Fora os efeitos no Executivo, tramita no Congresso o projeto de um novo plano de carreira do Judiciário, cujo custo se aproxima dos R$ 5 bilhões. Em negociação com o Supremo Tribunal Federal, o governo se comprometeu a apoiar a medida, desde que sua implantação seja gradual -neste ano, a conta será de R$ 600 milhões.

O economista Marcos Mendes, especializado em reforma do Estado e consultor do Senado, avalia que o governo dependerá de um crescimento econômico de ao menos 4% em 2007 para manter estáveis, como proporção do PIB, as despesas do Executivo com pessoal. “Isso se não houver novos aumentos ou contratações até lá.” Segundo Mendes, o custo das MPs ainda está subestimado.

Executivo ultrapassou demais Poderes Se, neste ano, é o Executivo quem lidera o aumento dos gastos com pessoal, historicamente o Legislativo e, principalmente, o Judiciário respondem por taxas muito superiores de expansão de suas folhas de pagamento.

De 1996 até o ano passado, o crescimento real do custo do funcionalismo do Executivo somou 15,6%. Na mesma base de comparação, os índices dos dois outros Poderes são de, respectivamente, 89,6% e 116,6%.

Há ainda o Ministério Público da União, que, contabilizado à parte, apresenta um crescimento real de 167,9% nos gastos com pessoal.

Além de derrubar parte do discurso sindicalista sobre perdas salariais acumuladas, os dados indicam que o Executivo, onde estão 93% dos servidores da União, respondeu sozinho no período pelo que houve de controle no avanço das despesas.

Os demais Poderes são protegidos por garantias constitucionais que limitam as possibilidades de o governo restringir seus orçamentos. Não por acaso, a despesa média com um servidor ativo da administração direta era de R$ 5.336 mensais no final de 2005, contra, por exemplo, R$ 8.961 no Judiciário.

Agora, porém, o Executivo tomou a dianteira na corrida por mais reajustes e benefícios. Em 2006, seus gastos já têm assegurada uma expansão de pelo menos 7,6% acima da inflação, contra 7,1% do Judiciário. Os índices finais ainda dependem da distribuição de R$ 1,6 bilhão que o governo acaba de acrescentar à previsão de despesas totais no ano.

Governo ainda padece do mal do “engessamento”Tecnicamente é cedo para falar em “inchaço” -crescimento desproporcional e desnecessário- da máquina administrativa. Mas, pelas diretrizes de sua equipe econômica, pode-se dizer que o governo Lula perde oportunidade de liberar parte do Orçamento para setores tidos como mais prioritários.

Até aqui, os gastos com pessoal se limitaram a acompanhar a expansão da economia, como argumenta o governo. Neste ano, mesmo subindo, deverão ficar entre 5,4% e 5,5% do PIB, dentro do padrão dos últimos anos.

Como o crescimento do PIB eleva a arrecadação de impostos, a União não faz hoje, para manter seu quadro de pessoal, esforço maior do que fazia nos anos FHC.

Ao mesmo tempo, porém, o governo padece do mal apontado nas gestões tucana e petista: o engessamento de gastos, traduzido na dificuldade de conter o avanço de despesas obrigatórias -cerca de 90% do Orçamento.

É por isso que a carga tributária está sempre em tendência de alta, enquanto minguam investimentos públicos em infra-estrutura.

Os gastos com pessoal são o segundo maior componente das despesas federais permanentes, atrás apenas dos benefícios previdenciários. Só se pode reduzi-los, em termos reais, de três formas: a primeira é a inflação; a segunda, de resultados lentíssimos, é não repor integralmente as vagas dos que se aposentam; a terceira é a expansão do PIB. Lula optou por interromper a política de redução do quadro de pessoal e repor pelo menos a inflação acumulada em seu mandato no salário dos servidores. Restou, portanto, o crescimento econômico.

GUSTAVO PATU da Folha de S. Paulo