A prestação de “favores” ao desembargador José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do TRF da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), pode custar caro ao escrivão da Polícia Federal Marcello Jansen de Melo. Ele foi denunciado na 6ª Vara Federal Criminal do Rio pelos crimes de corrupção passiva e violação de sigilo funcional.

Para o Ministério Público Federal, o escrivão “teria favorecido, em tese, o desembargador Federal Carreira Alvim, então investigado pelo Supremo Tribunal Federal, através de fornecimento de informações sobre medidas investigativas em desfavor do magistrado. Em contrapartida, o escrivão teria obtido decisões de conteúdo favorável em ações judiciais em trâmite junto ao TRF da 2ª Região, que objetivavam ingresso na carreira de Delegado Federal”.

A denúncia, apresentada pelo MPF na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, ainda não foi aceita: por ser servidor público, Jansen tem direito a defesa preliminar com base no artigo 514 do CPP. Mas o simples cruzamento dos dados levantados pela investigação da Operação Furacão com o andamento dos recursos do escrivão deferidos pelo desembargador mostram o entrelaçamento de interesses. A partir dos relatórios feitos pela Polícia Federal e dos despachos dados nos Agravos e Medidas Cautelares em tramitação no Tribunal, a Consultor Jurídico traçou a cronologia dos fatos.

No dia 19 de dezembro passado, por exemplo, Jansen ligou para o desembargador informando-o que o rastreamento feito nos telefones usados pelo juiz não havia encontrado nenhum grampo. Pelo jeito o serviço foi mal feito, pois esta conversa foi captada pelos agentes federais, que estavam monitorando – com autorização do Supremo Tribunal Federal, o celular de Carreira Alvim.

Coincidentemente, dois dias depois, em 21 de dezembro, Carreira Alvim concedeu liminar atribuindo “efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário interposto nos autos Agravo de Instrumento (…) até o exame de sua admissibilidade”. O Recurso Extraordinário contra o indeferimento de um agravo pela 8ª Turma do TRF, só daria entrada no tribunal três meses depois, em 22 de março. Mas, com a liminar, o escrivão teve garantido sua matrícula no curso de delegados federais, no qual tinha sido reprovado na prova objetiva.

A briga de Jansen por esta matrícula para formar-se delegado federal começou em 17 de novembro de 2004. Reprovado na prova objetiva, ele não teve a sua prova discursiva corrigida, tal como previa o edital do concurso. Mesmo assim resolveu recorrer à Justiça ingressando com uma ação ordinária (2004.51.01.022090-5), distribuída à 23ª Vara Federal. Ali a juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho indeferiu o pedido de antecipação de tutela.

Por meio do advogado Jose Manuel Duarte Correia, o escrivão agravou a decisão da juíza junto à própria 23ª Vara Federal e, depois, no Tribunal Regional Federal (Agravo n° 2005.02.01.001609-5), que foi distribuído à 8ª Turma, tendo como relator o juiz convocado Guilherme Calmon. Em 6 de maio de 2005, ele rejeitou, liminarmente, o Agravo alegando que “eventual antecipação da tutela em favor do ora agravante representaria afronta ao sistema do concurso, porquanto vários candidatos com nota igual ou superior ao agravante – e não inseridos no triplo do número de vagas – seriam prejudicados”. Sua decisão foi confirmada pela unanimidade dos votos da 8ª Turma em 4 de dezembro.

Jansen resolveu bater na porta da vice-presidência do TRF-2, então ocupada por Carreira Alvim, com uma Medida Cautelar Inominada (n° 2006.02.01.014848-4), impetrada em 14 de dezembro de 2006. Pedia uma liminar em recurso que prometida ingressar contra a decisão da 8ª Turma.

Àquela altura, o desembargador Carreira Alvim já desconfiava de que estava tendo seus telefones monitorados. Creditava tal fato à juíza Ana Paula Vieira de Carvalho da 6ª Vara Federal, como ficou claro em uma “escuta” ambiental captada pela Polícia Federal, já no seio da investigação da Operação Furacão. No dia 25 de novembro, segundo relato da Polícia Federal, o vice-presidente do TRF comentou com o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira: “eu fui procurado e me contaram uma sacanagem que a tal da Ana Paula Vieira de Carvalho pediu ao STJ a quebra do meu sigilo bancário e o STJ indeferiu”.

No dia 19 de dezembro, o monitoramento da Polícia Federal capta a conversa de Jansen com o desembargador investigado que lhe garante que “todos os telefones dele (Carreira) estão limpos, tranqüilos”. Dois dias depois Carreira Alvim concede a liminar pedida na Medida Cautelar. A intimidade dos dois é demonstrada ainda pelo telefonema do escrivão, no dia 31 de dezembro, desejando “Feliz Ano Novo”.

Em janeiro, durante as férias do desembargador, o escrivão voltou a procurá-lo, falando com a sua secretária.. Mas foi em fevereiro que no diálogo entre os dois captado pelo monitoramento ficou evidente o favorecimento. Jansen reclamava de a Polícia Federal não estar cumprindo a decisão do desembargador ao não realizar exames físicos e psicotécnico. Ingressou com um requerimento. O desembargador, no dia 8 de fevereiro, deferiu determinando o cumprimento imediato e impondo multa de R$ 1 mil.

No dia seguinte, 9 de fevereiro, uma sexta-feira, em um telefonema o escrivão queixa-se ao desembargador e este lhe instrui a pedir ao seu advogado que ingresse com um pedido de multa que, àquela altura, já estava estabelecida em R$ 1 mil por dia. A nova petição foi impetrada em 12 de fevereiro, segunda-feira, e despachada no mesmo dia estipulando uma “pena de multa, agora, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, a ser suportada pelo agente público” e ainda determinando a “pena de prisão por desobediência à ordem judicial, que fica, desde já, decretada”.

Carreira Alvim sofre a primeira grande derrota no dia 1° de março, quando o TRF rejeitou sua candidatura por antiguidade à presidência, elegendo o então corregedor Joaquim Antônio Castro Aguiar. No dia seguinte, Jansen lhe liga prestando solidariedade. Na época, o então vice-presidente já havia descoberto gravadores no forro do teto de seu gabinete e creditava aquela escuta – que ele entendia clandestina – à disputa pela presidência do TRF.

Com esta certeza, em 6 de março ele vai à Brasília, queixar-se no Conselho nacional de Justiça. Lá, convoca o escrivão – então freqüentando o curso para delegado – e lhe pede ajuda. Estava montando um dossiê contra outro desembargador e precisava recuperar gravações feitas, há mais de sete anos, com um ex-servidor do Tribunal que denunciava pagamentos indevidos que lhes tinham sido cobrados. Queria também identificar através das lojas especializadas quem tinha adquirido os aparelhos de escuta que encontrou no seu gabinete.

No dia 22 de março o escrivão finalmente ingressa com o recurso Extraordinário, cuja tutela antecipada já havia sido deferida em dezembro, três meses antes. O vice-presidente não apenas acata o recurso como ainda mantém a liminar até que o caso chegue ao Supremo Tribunal Federal, alegando “não ser conveniente ao interesse público que o servidor interrompa o curso já em andamento antes que venha, o recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF”.

Sete dias depois, o escrivão volta ao vice-presidente. Certamente prevendo que sua saída do cargo poderá criar futuros embaraços, ele solicita uma liminar que lhe garanta a posse como delegado, prevista apenas para 29 de junho, isto é, três meses depois. Oficialmente, Carreira Alvim nega, alegando que se a concedesse estaria usurpando poderes do STF. Mas, na decisão, lembra que a liminar mantida no dia 22 daquele mês, já garantia os direitos do policial até a apreciação do caso pelo STF – que certamente não aconteceria em três meses.

A liminar, porém, foi cassada em maio pelo novo vice-presidente e Jansen foi excluído do curso de delegado federal. Agora, se a denúncia for aceita, provavelmente responderá pelo crime de corrupção. Já o desembargador, ainda não foi acionado judicialmente por estes fatos.

A denúncia apresentada pelo Procurador Geral de República no STF limita-se à possível venda de sentença beneficiando os donos de máquinas caça níqueis, também através de liminar em Medida Cautelar para recurso a ser interposto. O que pode ocorrer é que a Procuradoria da República em Brasília, seguindo os passos dos procuradores Marcelo Freire, Orlando Monteiro da Cunha e Fabio de Lucca Seghese, também apresente denúncia junto ao Superior Tribunal de Justiça, por conta do foro especial que o desembargador tem direito.

Os procuradores queriam a prisão preventiva de Jansen. Mas a juíza negou o pedido. Ela entendeu que “a atuação de Jansen seria, em tese, pontual e exclusivamente relacionada ao desembargador Federal Carreira Alvim, mais especificamente através de um suposto auxílio na neutralização de medidas investigativas. Logo, dada à natureza episódica e periférica da atuação de Marcelo, a medida extrema parece desnecessária e desproporcional”. Por enquanto, no seu despacho, ela apenas admitiu a conexão destes fatos com os processos da Operação Furacão que já tramitam na 6ª Vara Federal. Seu novo passo será apreciar o recebimento da denúncia, o que está para ocorrer, pois o prazo de defesa prévia se ainda não expirou está próximo de acontecer.

Fonte: Consultor Jurídico