Proposta de uso do consignado na compra de imóveis residenciais deverá ser testada inicialmente com funcionários públicos. A idéia é que a medida beneficie quem tem renda de, pelo menos, cinco mínimos 

Os funcionários públicos devem ser os primeiros beneficiados pelo crédito consignado no financiamento da casa própria — novo instrumento habitacional que o governo lançará nas próximas semanas, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. De acordo com técnicos da área econômica, como os servidores têm estabilidade no emprego e já usam esse instrumento na área militar e no Banco do Brasil, por exemplo, será mais fácil testar a nova modalidade com eles. O benefício será estendido depois ao setor privado. No momento, a proposta prevê a exigência de renda mínima de cinco salários mínimos (R$ 1.750) para o acesso à nova modalidade de crédito.

O ministro das Cidades, Márcio Fortes de Almeida, adiantou que, para os trabalhadores da área privada, a idéia é que o sistema seja administrado pelos sindicatos e outras entidades de classe, por meio de convênios. Almeida também confirmou que o crédito consignado deve atender a quem ganha acima de cinco salários-mínimos. Além disso, segundo fontes no governo, para ter acesso ao crédito, o trabalhador poderá comprometer até 30% de sua renda, sendo que esse percentual, em uma primeira fase, tende a ser menor, em torno de 20%. “O sistema de crédito consignado não está voltado para trabalhadores de baixa renda, pois são recursos da poupança, que precisam ser remunerados (a juros mais próximos dos de mercado)”, explicou o ministro.

Críticas

A proposta, no entanto, recebe críticas do próprio setor da construção civil. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, ressalta que o setor imobiliário já se encontra aquecido em virtude de várias medidas de estímulo ao crédito, mas que a habitação de interesse social ainda se ressente de estímulos. De acordo com dados do setor, do déficit habitacional estimado em 7,2 milhões de moradias, 97% se concentram em famílias com renda de até cinco salários mínimos.

Para esses trabalhadores, que têm renda abaixo de cinco pisos, o governo tem outro plano. Na próxima reunião do Conselho Curador do FGTS, vai propor a ampliação dos recursos destinados à habitação deste segmento. O adicional seria de R$ 530 milhões, que se juntariam ao R$ 1,3 bilhão disponíveis atualmente.

“ Usamos os recursos do FGTS em nossos programas de habitação, de forma geral com a participação de prefeituras e governos estaduais. Além do crédito consignado para a casa própria, o governo também estuda eliminar a Taxa Referencial (TR) dos contratos habitacionais, o que tornaria as prestações fixas. Mas como a eliminação da TR será algo opcional aos bancos, o governo também terá que alterar a legislação que define as regras do crédito consignado.

A norma em vigor determina que os financiamentos com desconto em folha tenham prestações fixas. Portanto, os bancos que não quiserem eliminar a TR dos contratos não poderão oferecer o consignado, o que limitaria o alcance do benefício. Por isso, os técnicos que trabalham na proposta estudam uma forma de alterar a lei atual, para que as prestações também possam ser variáveis.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) está confiante na queda dos juros para a habitação se o desconto em folha for oficializado. “A simplificação barateia o crédito. O banco tem menos custo com, por exemplo, cobrança e emissão de carnês”, diz o diretor de crédito imobiliário e poupança da Febraban, Natalino Gazonato. “Quem não estiver endividado, poderá ter acesso a uma modalidade de crédito mais barata para a compra da casa própria”, ressalta.

Segundo o diretor, além de dar ao consumidor a possibilidade de saber quanto vai pagar pela casa própria, a eliminação da TR também vai permitir uma redução do valor dos financiamentos. Ele, no entanto, não fez estimativas de quanto seria essa redução.

Na opinião do economista da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), Leonardo Diz, a medida pode reduzir os custos do consumidor na hora de comprar a casa própria. O problema, segundo ele, é que, na prática, a história é outra. “Na experiência com o crédito consignado, o sistema financeiro se beneficiou com a redução do risco, mas não repassou integralmente ao consumidor. No caso do aposentado, por exemplo, o governo teve até que estabelecer um teto para que os juros ficassem mais baixos”, destaca o economista.

Para José Geraldo Tardin, presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação

(ABMH), a medida é eleitoreira e não vai reduzir os juros para os financiamentos habitacionais. “Os bancos vão reduzir seus custos, mas não vão repassar esse ganho para o consumidor. Além disso, essa medida beneficia pouca gente, pois o déficit habitacional está concentrado em famílias com renda de até cinco salários mínimos (R$ 1.750), que têm dificuldades em pagar financiamentos tão caros”, afirma.

Avanço rápido

De acordo com dados do Banco Central (BC), o crédito consignado, criado há apenas três anos, movimenta hoje R$ 40,5 bilhões, a metade de todo o volume de crédito pessoal em circulação no país. A esmagadora maioria desses recursos está nas mãos de servidores públicos (87% do total de empréstimos).

Os empregados do setor privado pegaram apenas 13%. O sucesso das operações com desconto em folha é baseado nos juros, menos da metade dos cobrados em outras modalidades. Enquanto a média dos demais tipos de crédito é de 77,7% ao ano, a do consignado fica em 35,8%.

Uma das principais travas que precisaria ser modificada para permitir sua aplicação no setor imobiliário é o limite de prazo para quitação da dívida, hoje de apenas 36 meses.

O governo adotou esse limite, que inicialmente era de 60 meses, justamente para evitar que os trabalhadores comprometessem parte de seu salário por períodos muito longos, exatamente o que estuda agora permitir com o consignado para financiamentos habitacionais. Pela regra atual, o tomador do empréstimo só pode comprometer 30% de sua renda mensal líquida.

Da Redação