Os bons tempos em que a PF era vista como órgão modelo no serviço público estão ficando no passado. Atualmente a instituição é enxovalhada dia após dia nas páginas dos principais jornais do país, seja pelas falhas em seus sistemas de dados, pelos atrasos na entrega de passaportes, pelo efetivo reduzido nas fronteiras, pela demora em colocar aviões não tripulados adquiridos a preço de ouro para voar, por crimes cometidos por funcionários terceirizados, ou por outra falha qualquer.

Enquanto isso, Governo e gestores do órgão permanecem de braços cruzados, sem promover as reformas de que a instituição precisa. A inércia passa falsa impressão de que os problemas da PF são muito complexos e/ou de difícil solução. Não é o caso. Parte deles é tão óbvia que espanta a dificuldade em solucioná-los.

Peguemos como exemplo matéria da Folha de São Paulo de segunda-feira (28), que destaca relatório produzido pela Controladoria-Geral da União (CGU) apontando a inexistência de sistema adequado de controle de riscos nos programas eletrônicos geridos pela PF. De acordo com a CGU, há pelo menos três anos a PF não cumpre o cronograma para aumentar o controle de seus sistemas eletrônicos.

Ora, todos sabemos que a manutenção de sistemas do tipo exige mão de obra altamente especializada, que deve passar por capacitações periódicas a fim de se manter atualizada em filão tão dinâmico quanto é o de segurança da informação. Contudo, basta analisar o quadro de servidores administrativos da PF para ficar patente a carência de profissionais da área de Tecnologia da Informação (TI) enfrentada pelo órgão.

É difícil acreditar, mas como demonstra o relatório produzido pela CGU, a PF não conta hoje com cargo específico de TI em suas fileiras. Para suprir as lacunas, o órgão opta ou por deslocar de outros setores servidores que tenham formação na área de TI ou por terceirizar essa mão de obra. Ainda de acordo com o relatório da CGU, na PF, 60% dos profissionais da área de TI são terceirizados, fato criticado pela Controladoria.

O relatório anota que a PF reconhece a “insuficiência de servidores para cumprimento da missão institucional do Órgão”. Logo, é certo dizer que o deslocamento de servidores entre os setores da PF inevitavelmente acarreta prejuízo em alguma área – entre elas, a própria atividade policial, que está com contingente abaixo do ideal.

A carência de mão de obra é sentida especialmente na área administrativa, que conta com pouco mais de 2500 servidores ativos. Não poderia ser diferente – hoje, os servidores administrativos não são remunerados de forma condizente com a capacitação que lhes é exigida e com a responsabilidade que lhes é conferida. Não é possível reter servidores com capacitação em áreas complexas como TI sem lhes pagar salários competitivos. Natural que busquem melhores oportunidades em outros órgãos públicos ou na iniciativa privada.

A terceirização, por sua vez, mostra-se opção assaz insensata para a PF. Como permitir que profissionais sem vínculo com a Administração Pública tenham acesso a sistemas que não raro abrigam dados sigilosos? Como se isso não bastasse, nem mesmo o argumento de economia de recursos financeiros pode ser empregado aqui. Planilha de despesas com terceirizados obtida junto à PF mostra que o órgão desembolsa até R$ 13.388,39 mensais pela manutenção de um contratado na área de TI. Enquanto isso, a remuneração do final de carreira de servidor administrativo ocupante de cargo de nível superior é hoje de R$ 7.333,70.


Engenheiro de rede terceirizado chega a receber R$ 13.388,39 mensais na PF.

Não é preciso ser matemático para ver que a conta não fecha. É cristalino: caso a PF optasse por valorizar seus servidores administrativos, assegurando sua permanência no órgão, não seria mais necessário desviar policiais para postos administrativos ou atribuir a funcionários terceirizados atividades de segurança pública.

No relatório da CGU consta que a PF está “tomando iniciativas” no sentido de criar cargo específico na área de TI. Ocorre que os dados analisados pela Controladoria são referentes a 2011. Estamos em 2013 e nada de concreto foi feito. Há anos o SINPECPF vem denunciando o exposto aqui, e as ações em resposta parecem se limitar a relatórios corroborando nosso ponto de vista.

Ninguém quer que a PF continue tendo a imagem manchada por tantas manchetes negativas. Mas para isso mudar, é preciso agir. Um bom ponto de partida seria a reestruturação da carreira administrativa, cujo custo seria muito menor que o dos desvios de função e o da controversa terceirização hoje em voga.

Confira aqui o relatório produzido pela CGU.