Comandante da FAB, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, reconheceu falha no Senado

Ele disse que o operador presumiu incorretamente que o jato Legacy estava a 36 mil pés, e não em rota de colisão com o Boeing da Gol

Pressionado por senadores, o comandante da Aeronáutica reconheceu ontem pela primeira vez que houve erro do controle do tráfego aéreo de Brasília no dia do acidente do vôo 1907 da Gol.

Segundo o brigadeiro Luiz Carlos Bueno, dois controladores responsáveis pelo Legacy na hora anterior ao choque, às 16h56 do dia 29 de setembro, presumiram incorretamente que o jato estava a 36 mil pés depois de passar pela capital -conforme o plano de vôo no computador previa.

Na realidade, o jato permaneceu erroneamente em 37 mil pés, altitude que mantinha desde São José dos Campos, em rota de colisão com o Boeing da Gol que vinha de Manaus.

Isso explicaria o fato de os controladores não terem se preocupado em contatar por rádio o Legacy durante 35 minutos -24 deles com o avião desaparecido da tela do chamado radar secundário, que usa os dados transmitidos pelo transponder da aeronave (altitude, velocidade e identificação).

“Eu acho que houve uma indução de que o avião estava em 360 [jargão militar para 36 mil pés, ou 10,9 km]. Tanto é que ele [o controlador] passou para o substituto dele [controlador com o qual se reveza no mesmo turno], que passou para Manaus, o avião no nível 360”, disse o brigadeiro em audiência pública ontem no Senado.

Ele fez a ressalva de que não tem acesso a relatórios oficiais da investigação e disse que é preciso descobrir o motivo para a falha no transponder do avião e na comunicação por rádio entre o Legacy e Brasília.

“O controlador estava crente que o avião estava em 360. Era uma informação falsa, mas que ele não acreditava que fosse falsa.” Bueno se refere ao fato, já relatado por controladores à Folha, de que o console mostra duas séries de dados ao lado do ponto que representa o avião: as do plano de vôo e as enviadas pelo transponder.

Quando o transponder falha, como foi o caso, aparecem na tela apenas os dados do plano de vôo, que são atualizados automaticamente pelo computador. No caso do Legacy, os consoles informavam 370 de São José até Brasília e 360 de Brasília até o ponto Teres.

Na tarde de 29 de setembro, os dois controladores se revezaram no console que vigiou a passagem do Legacy exatamente no horário em que o transponder parou de funcionar.

O que Bueno sustenta indica que o primeiro controlador deixou o jato passar Brasília sem checar a mudança prevista de altitude. O segundo deduziu que os dados, referentes apenas ao plano de vôo, estavam corretos ou checados.

Responsável por falha era novo na equipeO controlador responsável pela falha indicada pela Aeronáutica no dia do acidente do vôo 1907 era novato na equipe do Cindacta-1, com menos de nove meses de experiência após a homologação de sua carteira, segundo a Folha apurou. Foi ele quem presumiu erroneamente a altitude do Legacy.

Ele tem cerca de 20 anos e é considerado muito dedicado. Afastado do trabalho, evita os amigos e já trocou de telefone. Transtornado, tem medo de ser responsabilizado pela falha, que foi repassada ao operador com quem ele revezava.

O jovem sargento foi contatado pela Folha na última sexta. Assustado, não quis falar. Na curta conversa, disse que “na hora certa” falará sobre as condições de trabalho do Cindacta-1. É a linha de defesa planejada pelos nove operadores afastados por ligação com o acidente, em antecipação à possível responsabilização penal.

Dessa forma, buscarão mostrar que o controle aéreo brasileiro funciona precariamente e fragiliza os controladores, que seriam obrigados pela rigidez militar a assumir riscos com sobrecarga de trabalho, deficiência de preparo e de treinamento e baixa remuneração.

Essas queixas já foram expostas pela operação-padrão do Cindacta-1, na qual sargentos tiraram licença médica e os que ficaram seguiram as normas de fluxo e espaçamento, gerando o caos nos aeroportos.

Porém a Folha apurou que, no caso específico desse controlador, os problemas envolveriam uma homologação quase forçada por ordem superior.

A deficiência de pessoal, já admitida pela Aeronáutica, teria aumentado a pressão para que esse controlador fosse efetivado após o estágio regulamentar, sem que ele fosse considerado pronto para assumir tráfegos na escala da equipe.

O estágio, de no mínimo três meses, pode ser estendido. Nessa etapa, o controlador atua na equipe, mas sob responsabilidade de um instrutor -um controlador mais experiente e a postos para assumir o console se necessário. A investigação mostrará qual foi o procedimento do instrutor no dia do acidente.

O segundo controlador, que obteve do inexperiente sargento o controle do jato por volta das 16h de 29 de setembro, não foi localizado.

Sem sobrecarga O brigadeiro Luiz Carlos Bueno, comandante da Aeronáutica, revelou ontem, durante a audiência pública no Senado, que o controlador que operava o console do radar na hora do acidente com o Boeing da Gol estava monitorando apenas cinco aviões.

Portanto, não havia sobrecarga naquele momento, apesar das alegações da categoria de que é normal chegar a 20 aviões monitorados simultaneamente por cada setor. O ideal é 14 por setor.

Cada setor deve ter dois controladores em revezamento de duas horas por turnos de oito horas, além de um supervisor na retaguarda -a investigação deverá determinar o papel do supervisor na tarde do acidente.

LEILA SUWWAN

Folha de S. Paulo

22/11/2006