Para policiais do caso, é reforçada a suspeita de que o esquema era nacional e ligado à campanha de Lula

A Polícia Federal acrescentou Minas Gerais na investigação sobre o caminho dos dólares que seriam usados para a compra de um dossiê contra os tucanos. Até agora, a PF havia feito diligências em Santa Catarina, Rio e São Paulo. Esta semana, o delegado Diógenes Curado Filho, que preside o inquérito, foi a Minas com sua equipe. Ontem, ele fez diligências em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

No rastro dos sacadores de dólares na casa de câmbio Vicatur, de Nova Iguaçu, a PF identificou duas pessoas que trabalhariam numa pousada em Ouro Preto. Uma delas, de origem humilde, teria retirado US$50 mil. Como no caso dos nove integrantes de uma família de Magé, a PF ainda não sabe se o sacador de Minas emprestou o nome para alguém ou se seu nome e documentos foram usados pelos criminosos sem que ele soubesse.

A PF suspeita que, além de Nova Iguaçu, parte dos dólares pode ter saído de Florianópolis e de São Paulo. Ao estender as diligências para outros estados, a PF nacionaliza a investigação e põe em xeque a versão do comitê da campanha de reeleição do presidente Lula de que a ação desastrada da compra do dossiê se restringiria a São Paulo, uma vez que o candidato derrotado do PT ao governo do estado, Aloizio Mercadante, poderia, em tese, se beneficiar das informações contra José Serra (PSDB).

Um policial envolvido nas investigações destaca que, se a operação fosse orquestrada pelo PT paulista, outros membros da campanha de Mercadante estariam envolvidos e a pulverização do dinheiro possivelmente se concentraria em São Paulo mesmo. Chama a atenção dos policiais o fato de os recursos terem como procedência outros estados.

Petistas teriam parte do dinheiro

A PF acredita que boa parte do R$1,1 milhão que se somaria aos US$288.800 para a compra dos documentos já estaria disponível com os petistas. O raciocínio do policial que faz parte da investigação baseia-se na cronologia dos eventos. Em depoimento à PF, o ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Afonso Veloso narra três situações da negociação com os Vedoin antes da prisão de Valdebran Padilha e Gedimar Passos.

Expedito diz que esteve em Cuiabá em 23 de agosto para a primeira conversa com os chefes da máfia dos sanguessugas, que pediram R$20 milhões pelas informações, mas baixaram o preço à metade. Outro encontro foi em Brasília, em data que não menciona, quando pediram R$3 milhões. A terceira reunião foi em 7 de setembro, em Cuiabá, quando se falou em R$2 milhões.

A entrevista dos Vedoin à revista “IstoÉ”, acusando Serra de envolvimento com o esquema, foi em 12 de setembro e a prisão dos petistas, no dia 15. Do momento em que se estipulou o valor do dossiê à prisão, passaram-se apenas oito dias, ou cinco dias úteis, tempo insuficiente para sacar R$1,7 milhão de forma parcelada. Isso leva a PF a crer que parte dos reais já estava em poder de alguém do PT e seria fruto de caixa dois de campanhas.

A PF suspeita que os envolvidos na compra do dossiê usaram telefones registrados em nomes de terceiros, além das linhas particulares. No cruzamento de ligações novos números foram descobertos mostrando que ligações foram feitas de celulares diferentes, por uma mesma pessoa, num mesmo lugar.

Nome de dona de casa usado em saque

Depois de interrogar a dona de casa Viviane Gomes da Silva no Rio, a Polícia Federal disse que poderá esclarecer ainda esta semana a origem de parte do R$1,7 milhão que seria usado por petistas para comprar um dossiê contra tucanos. Viviane disse à PF que o nome dela foi usado pela casa de câmbio Vicatur, de Nova Iguaçu, numa operação de venda de US$44,3 mil.

Para a PF, o dinheiro faria parte de um pacote de US$249,9 mil arrecadados pelos petistas para comprar o dossiê. A PF também sustenta que obteve importantes informações em documentos apreendidos na Vicatur e outros endereços ligados ao caso no Rio de Janeiro.

– A expectativa de solucionar o caso antes das eleições é enorme. A PF pegou forte o fio da meada – disse um policial, depois de uma análise das informações de Viviane e dos documentos apreendidos.

Além de Viviane, pelo menos outras sete pessoas tiveram seus nomes usados para saques na Vicatur. A PF já tem certeza que pessoas de uma mesma família foram utilizados conscientemente para fazer os saques dos dólares, e portanto não são apenas laranjas, pessoas usadas por criminosos. De acordo com um policial, não foi a primeira vez que essas pessoas aceitaram ceder seus nomes e documentos para serem utilizados em transações com dólares.

Ontem, a PF apreendeu documentos na Vicatur e constatou que a casa de câmbio cometeu crime contra o sistema financeiro. Ao vender dólares, a casa se responsabiliza legalmente pela identificação do comprador e responde por falsidades.

Além de fazer diligências em Nova Iguaçu, a PF esteve com outra equipe em Ouro Preto. Segundo um policial, os resultados do trabalho na cidade mineira foram considerados “extremamente produtivos”.

No interrogatório à PF, Viviane disse que não é dona dos US$44,3 mil relacionados a ela numa ficha recolhida na Vicatur. Viviane também revelou nomes de outros parentes que teriam sido usados como laranjas Vicatur. A PF não informou se foi a família dela que teria recebido vantagens para ceder os nomes usados nas operações de saque. Em nome do grupo, a Vicatur fez várias operações de venda de US$35 mil a US$45 mil. Somadas, estas operações chegam a US$249,9, quase o mesmo valor apreendido em poder de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, no hotel Ibis em São Paulo, na fase final das negociações em torno do dossiê.

Viviane mora em Magé. Para a polícia, ela teria sido usada como laranja para esconder a identidade do verdadeiro dono dos US$249,9 mil. A PF deve terminar de ouvir ainda hoje outros parentes de Viviane e funcionários da Vicatur. A partir daí, os investigadores entendem que poderão descobrir quem, de fato, sacou o dinheiro. A polícia já sabe que o R$1,7 milhão foi levado a Gedimar Passos no hotel Ibis por Hamilton Lacerda, ex-coordenador de comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT), ao governo de São Paulo.

Com base nestas novas informações, a polícia acredita que poderá descobrir quem repassou o dinheiro a Lacerda. Em relatório enviado à Justiça Federal, na sexta-feira passada, a PF também informa que pelo menos R$5 mil, do montante de R$1,7 milhão, teriam passado por uma das bancas do jogo do bicho, numa área controlada pelo bicheiro Artur Petrus Kalil, o Turcão, no Rio de Janeiro.

Oito laranjas seriam moradores de Magé

Ontem, três dias depois da divulgação do nome da agência Vicatur, a Polícia Federal realizou busca e apreensão na sede da casa de câmbio em Nova Iguaçu. Quatro agentes e um delegado chegaram ao local por volta de 11h e saíram ante do meio-dia, levando uma caixa. Os donos da agência, Sirley da Silva Chaves e Fernando Ribas Soares, saíram da agência junto com a polícia, mas apenas por volta das 16h, acompanhados pelo pai de Fernando, o advogado Jorge Ribas Soares, chegaram à sede da Superintendência de Polícia Federal, na Praça Mauá, para prestar depoimento.

O interrogatório durou cerca de quatro horas. A primeira a falar foi Sirley, que deixou a sede da PF por volta de 18h20m, sem dar entrevistas. O restante saiu por volta de 19h40m. Além da busca e apreensão, a Polícia Federal teria percorrido endereços de laranjas envolvidos no caso.

Oito laranjas usados na operação de compra de dólares na Vicatur seriam moradores de Magé. O GLOBO localizou um dos nomes, em Piabetá. No local, um trabalhador rural disse desconhecer que seu nome tenha sido usado em alguma operação de laranjas. Até a tarde de ontem, ele só havia sido procurado por jornalistas.

– Aqui não tem laranja. Eu planto pimenta, serve?

Ele explicou que, de início, imaginou que os jornalistas estivessem tentando fazer uma reportagem sobre galinheiros:

– Há cerca de um ano e meio fui entrevistado por causa da criação de galinhas. Fiquei famoso na região. Mas hoje estou trabalhando como pimenteiro.

O município onde viveriam os laranjas usados na operação da suposta compra do dossiê contra tucanos é um dos mais pobres da região metropolitana do Rio.

O GLOBO tentou localizar outros dois supostos laranjas, mas eles não estavam em casa. Segundo vizinhos, nenhum agente federal passou por ali.

Chico de Gois

O Globo