Idosos têm direito à gratuidade nos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos. Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, que questionava o artigo 39, caput, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). O ministro Marco Aurélio foi o único que divergiu da maioria.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos e a Associação dos Usuários de Transportes Coletivos de Âmbito Nacional alegavam a ausência de norma federal específica que instituísse um mecanismo compensatório da gratuidade, como previsto no artigo questionado.

As entidades propuseram ao STF a alternativa de declarar inconstitucional a aplicação do dispositivo até a edição de uma norma federal específica instituindo o mecanismo de compensação da gratuidade.

O principal argumento foi que o dispositivo atinge o direito constitucional da preservação do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos. Segundo ela, ao não prever o custeio da gratuidade, o artigo impugnado transfere o ônus do seu custeio às camadas mais desfavorecidas da população, que também usam transporte coletivo, por meio de reajustes tarifários. Para as entidades, esses fatos representam dupla inconstitucionalidade.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos diz que o artigo 230 da Constituição Federal, ao instituir a gratuidade do transporte coletivo urbano para idosos com mais de 65 anos, teria o propósito de atribuir o ônus do seu custeio aos municípios.

Para a relatora, ministra Cármen Lúcia, o artigo 230 da Constituição é auto-aplicável. Ela considerou que o Supremo não é foro para discutir a compensação da gratuidade do serviço. Além disso, as empresas concessionárias e permissionárias que firmaram ou renovaram contratos de transporte coletivo urbano tinham a obrigação de conhecer o preceito constitucional.

A ministra ressaltou que o artigo 39 da Lei 10.741/03 e o artigo 230 da Constituição asseguram o direito de uma dignidade humana mínima no sentido da integração social do idoso. E lembrou que o transporte coletivo urbano é usado justamente pelas camadas mais desfavorecidas da população e que ambas as normas se inserem nos direitos e garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana, frutos de prolongadas lutas sociais.

Para Cármen Lúcia, a pretensão da associação “é perversa”. A ministra disse que a autora poderia, isto sim, propor alteração de contratos, dentro da legislação pertinente em vigor, caso comprovasse ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro das empresas contratantes.

A Advocacia-Geral da União, ao sustentar a flagrante improcedência da ADI, lembrou que, na capital paulista, a gratuidade do transporte coletivo para idosos já existe desde 1983, quando foi instituída pelo então prefeito Mário Covas. Segundo a ministra, não há notícia de que as empresas paulistanas de transporte coletivo estejam sofrendo problemas de desequilíbrio econômico-financeiro.

Ao votar com a relatora, o ministro Carlos Britto observou que ela retratou “o advento de um novo constitucionalismo fraternal ou, como dizem os italianos, ‘altruístico’, com ações distributivistas e solidárias”. Segundo ele, “não se trata de um direito social, mas de um direito fraternal para amainar direitos tradicionalmente negligenciados”.

Ao divergir, o ministro Marco Aurélio ressaltou que o parágrafo 2º do artigo 230 da Constituição não disciplina o custeio da gratuidade, e esta implica ônus. E, se a Constituição consagra a livre iniciativa, é preciso que defina quem deve arcar com a gratuidade.

Diante desse entendimento, o ministro votou, não pela inconstitucionalidade do artigo 39 do Estatuto do Idoso, mas por uma nova interpretação constitucional, excluindo aquelas que afastem o ônus da administração pública em compensar a gratuidade. Marco Aurélio ficou vencido.

ADI 3.768

Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2007