Passageiros fazem quebra-quebra e tentam invadir avião; demora nos aeroportos ultrapassa 20 horas

No sétimo dia de crise da aviação, feriado de Finados, os aeroportos do país literalmente pararam. Na madrugada de ontem, controladores de vôo de Brasília decidiram ampliar a operação-padrão. O tráfego aéreo ficou completamente paralisado.

A Força Aérea Brasileira decidiu intervir. A equipe do turno da madrugada não pôde deixar o trabalho ao final do expediente e os 149 profissionais do setor foram convocados, sob pena de prisão. Mesmo assim, a situação continuou caótica durante todo o dia.

Revoltados com os longos atrasos -em alguns casos de mais de 20 horas-, passageiros provocaram tumultos. No Galeão (RJ), houve quebra-quebra. Em Confins (MG), tentaram invadir um avião. Em Cumbica (SP), duas pessoas foram detidas por desacato. Em meio à confusão, quem queria descansar acabou tendo de transformar a mala em travesseiro nas salas de embarque.

“Houve aquartelamento”, diz ex-controladorA decisão do comando da FAB (Força Aérea Brasileira) de impedir que alguns controladores de vôo deixassem o trabalho ontem foi um aquartelamento na opinião do fundador da associação dos controladores de vôo e ex-presidente da entidade, Ulisses Fontenele. Para a Aeronáutica, porém, houve só uma convocação.

“Com essa atitude de aquartelamento, o governo federal deu demonstração de que quer fazer dos militares que atuam como controladores de vôo em Brasília uma tropa de soldados comuns, sem nenhum tipo de amparo emocional.”

Segundo relatos repassados a Fontenele por alguns dos controladores no Cindacta 1 (Centro Integrado de Defesa e Controle de Tráfego Aéreo), em Brasília, todos foram informados que só poderiam deixar a sede do 6º Comar (Comando Aéreo Regional) no domingo. Somente após a notícia se espalhar pelo país, segundo ele, é que a FAB resolveu pôr fim ao aquartelamento.

“Os oficiais não têm idéia do abalo emocional que causam nos controladores. Tenho relatos de que tem controlador de vôo chorando. Se eu sou um chefe de equipe, como é que eu vou colocar um controlador em uma situação dessa para falar com os aviões?”, questionou. “A equipe que entrou ontem [quarta-feira] 21h30 e deveria sair hoje [ontem] 6h30 foi impedida de ir para casa. O efeito é contrário porque aumenta o estresse. Ameaçaram alguns de corte marcial. Isso não aconteceu nem no regime militar.”

Segundo ele, a sede do Cindacta-1 não tem nem sequer condições “sanitárias” de acomodar todos. “A informação que eu tive é que está todo mundo no rancho [refeitório].”

A associação não se pronunciou. Preocupada com o efeito do movimento na imagem da categoria, a entidade convocou reunião interna ontem para discutir os rumos da operação-padrão. Em mensagem passada a outros controladores por volta das 16h, o presidente da associação, Wellington Rodrigues, disse estar otimista com a posição do Ministério da Defesa nas negociações e que eles deveriam evitar ao máximo a conotação de “greve”.

“Vôo 93” tem a participação de controladores

Os controladores de tráfego aéreo tiveram seu momento de glória no cinema em “Vôo 93” (2006), de Paul Greengrass, que recria os atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.

Muitos dos que trabalhavam no controle aéreo foram convidados a interpretar a si mesmos. Um dos grandes momentos é quando a equipe da torre de Nova Jersey avista um dos choques contra as torres gêmeas.

Para passageiros, no entanto, o caos no transporte aéreo lembra mais o que ocorre ao personagem de Tom Hanks em “O Terminal” (2004), de Steven Spielberg: impedido de entrar nos EUA, ele passa a morar no aeroporto. Suas estratégias de sobrevivência podem ser inspiradoras.

Na madrugada, tráfego aéreo parouO tráfego aéreo no país entrou em colapso na madrugada de ontem, o que fez a Força Aérea Brasileira intervir na operação-padrão de controladores de vôo e convocar 149 deles a trabalhar no centro de controle de Brasília -sob pena de prisão por insubordinação.

“O tráfego aéreo estava completamente paralisado, era uma situação de emergência”, descreveu horas depois o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno.

Às 3h, o Comando da Aeronáutica constatou que os controladores estavam aumentando ainda mais o espaço de tempo entre uma e outra decolagem -já o vinham fazendo na sua operação-padrão, para reduzir o número de aviões por controlador para o padrão internacional de 14 aeronaves.

O período normal, de três minutos, naquela altura fora aumentado para 30, provocando um efeito-cascata que causaria um caos ainda maior depois das 6h30, horário de troca de turno dos controladores, quando o tráfego aéreo fica mais intenso do que durante a madrugada. Não foram divulgados detalhes sobre número de vôos afetados.

Dos 149 controladores convocados emergencialmente para o chamado “plano de reunião” às 5h30, parte foi liberada às 10h, depois de definida nova escala. Cento e doze se revezariam em turnos de oito horas de trabalho para regularizar o tráfego aéreo na área do Cindacta-1 (que monitora Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por onde passam 85% dos vôos do país).

Segundo a Aeronáutica, à tarde o controle já voltava à normalidade. Bueno disse que os problemas remanescentes no fluxo não podiam ser mais atribuídos ao sistema. “Não existe mais nenhuma restrição. Se há atraso, não é por controle de tráfego, deve ser problema das companhias [aéreas]”, afirmou.

Apesar da declaração, à tarde ainda houve muitos problemas pelo país. Um vôo de Aracaju (SP), que deveria ter pousado em São Paulo às 20h30 de quarta-feira, só aterrissou após às 17h de ontem -normalmente, o vôo entre as duas cidades dura cinco horas e dez minutos.

O comandante disse que algumas empresas teriam vendido mais passagens do que os assentos disponíveis.

Bueno repele o termo “apagão” para a paralisação do sistema de controle constatada de madrugada. “Não posso classificar como apagão e tive de fazer a convocação militar por perceber que havia alguma coisa de anormal”, disse.

Problemas psicológicos

O comandante da Aeronáutica insiste em atribuir a crise no sistema de controle de vôo, que completou ontem sete dias, a problemas psicológicos imprevistos sofridos pelos controladores após o acidente com vôo 1907 da Gol, que matou 154 passageiros em 29 de setembro.

“O grande problema que aconteceu é que uma quantidade bem grande [de controladores] se sentiu mal”, disse Bueno. “A gente tem de se superar psicologicamente e não se deixar abater a ponto de não trabalhar”, criticou o brigadeiro, negando que a convocação sob pena de prisão pudesse agravar a situação. “Não houve nenhuma ameaça a quem quer que seja, tudo está sendo feito de acordo com os regulamentos”, disse. Ex-controladores convocaram entrevista em Brasília dizendo o contrário: que teria havido sim intimidação.

Pressionado na véspera pelo presidente Lula a encontrar uma solução rápida, Bueno diz que fracassaram os apelos feitos aos controladores pelo ministro Waldir Pires (Defesa).

O brigadeiro voltou a negar que o contingenciamento de verbas do Fundo Aeronáutico, que acumulou reservas de R$ 1,3 bilhão na gestão Lula, tenha contribuído para a crise.

O comandante estima que 60 novos controladores, cuja contratação foi autorizada por medida provisória, devam começar a trabalhar na próxima sexta. Antes disso, o maior problema seria no retorno dos passageiros do feriado, sobretudo na segunda-feira. Anteontem, ele dissera que o problema já estaria resolvido até domingo.

Para o brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero, a intervenção da FAB surtiu efeito, mas a situação só deverá estar normalizada no começo da semana. Ele chegou a Brasília, vindo do Rio, às 14h -com quatro horas de atraso.

Irritados, passageiros tentam invadir aeronaveAs longas esperas para embarcar, que em alguns casos chegaram a 20 horas, minaram ontem a paciência dos passageiros. As cenas de revolta tomaram conta de aeroportos em todo o país. Houve desde discussões com funcionários a tentativas de invasão de aeronaves e de check-ins.

Um desses conflitos ocorreu por volta das 16h30 de ontem, no aeroporto de Confins (região metropolitana de Belo Horizonte). Cerca de 35 passageiros da Gol que esperavam embarque para Salvador tentaram invadir o avião.

Eles deixaram a sala de embarque e, no corredor, alcançaram a entrada do finger (tubo que dá acesso ao avião), informou a Polícia Federal no aeroporto. Irritados, afirmaram que não deixariam o local até que a Gol garantisse o embarque.

Agentes da PF contornaram a situação. Os passageiros voltaram para a sala de embarque e embarcaram logo depois.

Brasília também teve uma tentativa de invasão de aeronave durante a madrugada, além de discussões entre passageiros e funcionários de empresas.

Ontem, a Infraero contabilizou 25 partidas em atraso da capital e oito cancelamentos de vôos. Mas controladores ouvidos pela reportagem falavam em até 60 atrasos.

Em Porto Alegre (RS), a Brigada Militar teve que ser chamada de madrugada para conter o tumulto entre passageiros e funcionários de aéreas no aeroporto Salgado Filho.

Nervosos, passageiros gritavam “avião, avião”. Das 6h às 16h de ontem, houve seis cancelamentos e 38 atrasos.

O caso mais tenso envolveu um vôo da Gol para Montevidéu (Uruguai). Com partida prevista para as 23h55 de anteontem, foi remarcado para o mesmo horário ontem. Às 6h, passageiros impediram que outras pessoas passassem pelo check-in da companhia.

No Rio, o policiamento no Aeroporto Internacional do Galeão (zona norte do Rio) foi reforçado depois que um grupo de passageiros destruiu parcialmente o balcão da Gol. Eles protestavam contra o atraso de um vôo para Recife. Funcionários da empresa disseram que foram agredidos.

Nem mesmo o presidente da Infraero (estatal que administra os aeroportos), brigadeiro José Carlos Pereira, escapou dos atrasos. Ele teve de aguardar três horas para embarcar do Rio para Brasília, num vôo da TAM que deveria sair às 9h45, mas só decolou às 12h40.

Em São Paulo, dois passageiros chegaram a ser detidos pela Polícia Federal no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande São Paulo) após discussão com funcionários de empresas. Ele foram liberados em seguida.

Nesse aeroporto foram registrados, até as 19h30, cem vôos com atraso médio de três horas, segundo a Infraero. Um vôo da Gol proveniente de Aracaju (SE), no entanto, chegou mais de 20 horas depois do horário previsto. O policiamento foi reforçado para evitar conflitos entre passageiros e atendentes das empresas.

A Infraero não informou o total de atrasos no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O escritório local estava fechado.

Alguns passageiros, dispostos a desistir de seguir viagem, reclamavam das dificuldades para pegar a bagagem de volta após o check-in. Segundo a Infraero, as empresas tem de devolvê-las em caso de desistência -o que pode ocorrer em situações excepcionais, como o caos recente nos aeroportos.

Em Salvador (BA), onde mais de 2.000 pessoas deixaram de viajar devido a 21 vôos cancelados, passageiros tentaram invadir áreas de check-in e de bagagem do aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Ameaçaram até entrar na pista de decolagem. A Polícia Militar reforçou a segurança.

Durante a madrugada, passageiros xingaram funcionários de aéreas e atiraram objetos em escadas-rolantes.

Por todo o país, a cena mais comum era a de pessoas dormindo pelo chão e em cadeiras.

Entre os que dormiram no saguão do aeroporto de Confins (região metropolitana de Belo Horizonte) estava um grupo com 66 turistas da Áustria, Rússia, Polônia e Croácia que seguia para o Nordeste.

Por volta das 9h30, a TAM tentou colocar esses passageiros em um hotel, mas eles queriam embarcar e questionavam o porquê de vôos para Rio e São Paulo estarem saindo.

Depois de protestar no check-in, o grupo foi para o portão da sala de embarque tentar impedir a entrada de passageiros com destino a capitais do Sudeste e Brasília. A PM apareceu e acalmou os ânimos.

Nas quatro lanchonetes do saguão do aeroporto não havia mais água mineral para vender desde a manhã.

Em meio ao caos, um grupo de passageiros que desembarcou em Cumbica, em São Paulo, ontem à tarde, destoava do clima de revolta. O vôo, proveniente de Lima, no Peru, chegou trinta minutos antes do horário previsto.

Folha de S. Paulo