Supremo concede liminar à ação impetrada pelo PT em 1998 contra emenda que acabava com estabilidade. Fundação de direito privado está ameaçada

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ameaça os planos do governo de contratar servidores públicos pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). E, por ironia do destino, foi motivada por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelo PT, partido do presidente Lula, em 1998, contra a Emenda Constitucional 19, que permitiu ao governo FHC iniciar uma profunda reforma administrativa.

Os ministros do STF acharam por bem suspender, liminarmente, o artigo da emenda que permitia a contratação de servidores fora do Regime Jurídico Único (RJU), até o julgamento do mérito da ação. Isso quer dizer que o projeto de criação das fundações estatais de direito público, enviado ao Congresso Nacional em julho, corre o risco de ser considerado inconstitucional antes mesmo de ser analisado por deputados e senadores.

A idéia do governo é dar maior agilidade à contratação de servidores e, principalmente, à demissão no caso daqueles que não estiverem atendendo às necessidades da administração pública. Hoje, os servidores são amparados pela estabilidade funcional, prevista no RJU, e o processo de demissão é lento e quase sempre esbarra em questões judiciais.

A decisão do Supremo foi baseada em uma questão regimental. Os ministros entenderam que houve “vício formal”, ou seja, que a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), à época, não foi correta. E, por isso, restabeleceram o texto original. O relator da ação, ministro Cezar Peluso, ressaltou o fato de que a proposta de alteração da Constituição Federal não foi aprovada pela maioria qualificada (3/5 dos parlamentares) da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, conforme previsto na própria Carta Magna.

Negociações

Ao elaborar o texto enviado para votação em segundo turno, continua Cezar Peluso, a comissão especial de redação da Câmara dos Deputados teria deslocado o Parágrafo 2º do Artigo 39 – que havia sido aprovado, para o lugar do caput do Artigo 39, cuja proposta de alteração havia sido rejeitada no primeiro turno, configurando uma irregularidade. O ministro frisou que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu Artigo 118, destaca que não há como se fazer essa transposição por mera emenda redacional.

O ministro do STF Sepúlveda Pertence, que votou a favor da suspensão, disse que a decisão pode, sim, atrapalhar os planos do governo de criar as fundações. “Em termos, atrapalha sim, se vier a ser confirmada a decisão cautelar (provisória) no julgamento de mérito. É óbvio que há tempo para negociações para rever validamente a Constituição”, declarou.

A decisão pegou o governo de calças curtas. A Assessoria de Imprensa do Ministério do Planejamento, órgão que elaborou a proposta das fundações estatais, disse que não iria comentar uma decisão da qual não tinha conhecimento. Já o advogado-geral da União, José Dias Toffoli, antecipou que o governo vai avaliar o impacto da decisão. De acordo com ele, a medida, de imediato, não atinge o governo.

Mas não descartou a possibilidade de um embate judicial por conta da proposta do Executivo de contratar funcionários por meio da CLT. “É preciso fazer estudo para saber se as fundações públicas de direito privado serão atingidas. Vamos estudar a situação”, afirmou.

Sindicalistas comemoram

Para os servidores públicos, que desde o primeiro momento se posicionaram contra a contratação pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a decisão do Supremo Tribunal Federal, mesmo que provisória, é uma grande vitória. “Quebraram a espinha dorsal do projeto das fundações estatais”, comemorou Sérgio Ronaldo Silva, diretor de Imprensa da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef).

Silva chama a atenção para a autoria da ação, movida pelo Partido dos Trabalhadores. “É a cópia do projeto do Bresser Pereira (ministro de FHC). Só que na época não servia. E agora serve. Vejam como são as coisas”, desabafou. Pela proposta do governo, os servidores continuariam a ser contratados por concurso público, mas fora do Regime Jurídico Único.

A decisão do STF foi tomada por oito votos a três. A presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, esclareceu que a suspensão passa a valer a partir de agora. Com isso, toda a legislação editada durante a vigência do artigo continua válida.

Maria Eugênia – Jornal de Brasília