Abusiva, desumana, desonesta, baixa, vergonhosa, vil, criminosa. Não faltaram adjetivos para “qualificar” a prática de assédio moral no serviço público durante audiência pública promovida hoje (24) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal para discutir o problema. Em sessão marcada por lágrimas de revolta, servidores de diversos órgãos pediram a criação de instrumentos legais para punir os assediadores.

Mais uma vez o SINPECPF teve participação de destaque nos debates. A presidente Leilane Ribeiro de Oliveira centrou seu discurso na discriminação sofrida pela categoria administrativa na PF, conduta que, segundo ela, ultrapassa as fronteiras da instituição. “Há também o assédio que vem de fora para dentro”, frisou, ao classificar como assedioso o tratamento dispensado pelo governo à categoria.

Ela destacou que os servidores administrativos da PF lutam há anos por valorização profissional e pela reestruturação da carreira, problemas para os quais o governo segue de olhos fechados. “Dizem que estamos negociando, mas tudo é imposto de forma unilateral. Não existe diálogo de fato”, protestou. “Estamos vivendo uma ditadura disfarçada de democracia”, acrescentou, sob fortes aplausos.

Para a presidente, a inabilidade do atual governo em ouvir a sociedade é que está levando o povo às ruas para protestar. “Ano passado, fizemos a maior greve do serviço público em muitos anos, mas ninguém teve as reivindicações atendidas. Quem sabe se tivesse sido diferente a atual onda de protestos não existiria”, refletiu.

A presidente destacou ainda que os servidores administrativos são aqueles que mais sofrem com o assédio moral na PF. “Muitos policiais se julgam hierarquicamente superiores a nós apenas em função do status policial”, observou, destacando que os administrativos sofrem ataques de todos os demais cargos policiais em função dessa cultura discriminatória.

Para exemplificar o que os colegas sentem na pele, a presidente enumerou diversas práticas de segregação sofridas pela categoria. “Enquanto nós somos proibidos de ostentar o emblema da instituição, os cães farejadores o exibem em suas guias. É humilhante!”, registrou ela, diante de uma plateia incrédula. “Para piorar, raramente conseguimos alcançar as chefias dos nossos setores porque policiais não nos aceitam como chefes. Isso faz com que áreas administrativas como o serviço médico e o setor de licitações e contratos sejam comandadas por policiais”.

O resultado disso tudo se reflete no aumento de casos de depressão e de outras doenças entre os servidores. Para piorar, a categoria conta com poucos psicólogos e assistentes sociais, profissionais que poderiam oferecer auxílio às vítimas de assédio e também atuar no desenvolvimento de políticas preventivas. “Em 2011, um colega administrativo cometeu suicídio em razão das perseguições que sofria. Temos que evitar que isso se repita, por meio de ações preventivas e da punição dos assediadores”.

Leilane fechou sua participação destacando a campanha “Levante a cabeça!” lançada pelo SINPECPF contra o assédio moral. “Não podemos mais abaixar a cabeça diante desses abusos”, alertou, conclamando os demais servidores e também os senadores a lutar contra o assédio moral.

O presidente da Fenapef, Jones Borges Leal, também criticou o clima de segregação existente no órgão, culpando os delegados federais pelo problema. Leal frisou que a PF perde hoje mais profissionais para o suicídio do que para o crime organizado e pediu instrumentos legais de punição para os assediadores. Ele também criticou a ausência de representante da PF na audiência pública. “Infelizmente nossos diretores mais uma vez fugiram de um debate polêmico e ficamos sem o contraponto da instituição. Uma pena, pois era uma oportunidade de buscar o consenso”.

Realidade nos demais órgãos – O transcorrer do debate deixou patente que o assédio moral não é exclusividade da PF. Funcionários do Itamaraty queixavam-se do não cumprimento da legislação trabalhista em alguns países e de assédios sexuais praticados por superiores. “O tempo de Casa Grande e Senzala precisa ficar para trás, bem como a ditadura que não permite ao funcionário denunciar os abusos”, registrou a presidente da Associação Internacional dos Funcionários Servidores Locais do MRE no Mundo (Aflex), Claudia Regina Siano Rajecki.

Outra participação de destaque foi a do presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), Vicente Almeida, que apresentou vídeo registrando as condições precárias a que funcionários da instituição se sujeitam no trabalho rural. “Estou sendo processado por ter feito essa denúncia e corro o risco de ficar oito anos preso. Tentaram nos calar, mas exibir este vídeo aqui é a nossa resposta!”, desabafou em prantos. Na avaliação dele, a luta por dignidade compensa o risco de prisão. “Cumpriria essa pena com muito orgulho!”

Também participaram da audiência o ministro da Comissão de Ética do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Adriano Silva Pucci; o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (SindItamaraty), Alexey Van Der Broocke; e o diretor geral da Associação Nacional dos Petroleiros Pedevistas, Valdemar Moreira da Silva Filho. O microfone foi aberto à participação popular e diversas outras categorias registraram suas reclamações.

Diante das diversas queixas femininas de assédio moral e sexual, a presidente do SINPECPF convocou as mulheres a “gritar” em sinal de protesto. “Ainda hoje muitos homens tentam ignorar a voz das mulheres. Não podemos abaixar o tom diante desses abusos”.

Para o senador Paulo Paim (PT/RS), idealizador do debate, a discussão foi extremamente proveitosa. “As autoridades devem fazer um mea culpa, passando a ouvir os apelos da sociedade com mais atenção”, admitiu em referência ao clima de protestos que tomou conta do país nos últimos dias.

Como encaminhamento, ele se comprometeu a acelerar a tramitação de projetos que penalizam o assédio moral no serviço público, solicitando ainda que as entidades de classe ouvidas se reúnam para formalizar documento com as reivindicações dos servidores.