O novo diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, foi o responsável pelo desenvolvimento do Guardião, sistema de monitoramento telefônico utilizado pela PF e pelo Ministério Público em investigações. Desenvolvido por um grupo de policiais federais, o sistema agora é vendido para a própria PF por uma empresa privada, a Dígitro, de Santa Catarina.
Quem revela a paternidade do sistema é o próprio Ministério da Justiça, no perfil de Corrêa, divulgado quando ele assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em novembro de 2003. “Ele liderou a equipe de federais que desenvolveu o sistema de gerenciamento de monitoramento policial, denominado Sistema Guardião”, diz o texto.
Segundo o podcast de Diogo Mainardi, colunista da revista Veja, comenta-se na PF que Corrêa receberia royalties pelo desenvolvimento do sistema. “Eu gostaria que me esclarecessem, como se sussurra malignamente na PF, se Corrêa tem direito a uma fatia dos lucros da Dígitro por ter participado do desenvolvimento do Guardião. Sim? Não? Mais ou menos?”, questiona o colunista.
O mercado de interceptações é vigoroso. Segundo fontes da Polícia Federal, o monitoramento de dez telefones custa R$ 10 mil por mês. O custo da implantação do sistema também é alto: varia de R$ 500 mil a R$ 1 milhão. Só no estado de São Paulo, estima-se que a capacidade de monitoramento instalada pela PF seja de 9 mil linhas de telefone. Especula-se que o faturamento anual da Dígitro gire em torno de R$ 500 milhões.
Um agente federal que está há mais de 25 anos na corporação, relata que na PF há disputas sobre qual sistema deve ser adotado nas investigações. “O delegado Getúlio Bezerra está tentando impor o equipamento Bedin (anterior ao Guardião) e o delegado Luiz Fernando Corrêa impondo o Guardião da Dígitro.” Essa disputa estaria fazendo com que a direção da PF buscasse uma terceira alternativa: um sistema de escuta produzido em Israel.
Corrêa é um dos principais agentes de inteligência da corporação. Em maio do ano passado, por exemplo, viajou a Bruxelas, na Bélgica, e a Tel Aviv, em Israel, para conhecer as instalações da central de inteligência das polícias belga e israelense.
Funcionamento do Guardião
O Guardião é um sistema de software e hardware fabricado exclusivamente pela Dígitro. É capaz de gravar simultaneamente centenas de ligações. Segundo a empresa, o sistema é desenvolvido de acordo com as necessidades do cliente e o preço varia. Por isso não podem dizer quanto custa um Guardião.
Por motivos de segurança e impedimentos contratuais, a Dígitro não informa quantos aparelhos do Guardião existem em operação no Brasil. Além da Polícia Federal e da Civil, sabe-se que a Procuradoria-Geral da República também tem seu Guardião.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles admitiu em junho que comprou o sistema. Em Mato Grosso, o Ministério Público já usou o Guardião em pelo menos duas operações este ano. O estado de Alagoas também anunciou a compra do seu aparelho de grampo.
Troca de guarda
A saída de Paulo Lacerda do comanda da Polícia Federal encerra uma era da corporação marcada por grandes operações com foco na corrupção e em quadrilhas do crime organizado. Em 393 operações realizadas de janeiro de 2003 a julho de 2007, a PF levou para a cadeia 6.256 pessoas, das quais 980 eram servidores públicos e 77 policiais federais. A grande maioria, porém, não ficou na cadeia.
Corrêa, que substituiu Lacerda no posto, decidiu trocar todo o alto comando da PF, a começar pelo titular da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), Renato da Porciúncula, substituído pelo delegado Daniel Lorenz, superintendente da PF em Mato Grosso e responsável pela Operação Sanguessuga. O diretor-executivo, Zulmar Pimentel, segundo da hierarquia da PF, deu lugar ao delegado Romero Menezes, superintendente em Pernambuco.
Entre a saida de um e a entrada de outro, um fato chamou a atenção: agentes federais, segundo reportagem do jonal O Estado de S. Paulo, foram vistos levando para casa pastas com informacões e dados de investigações. Recentemente também foram presos agentes federais que tentavam extorquir empresários com base em informações sigilosas colhidas pela PF. AS duas informações talvez não tenham relação entre si. Mas o fato concreto é que o comércio de informações colhidas em interceptações telefônicas legais ou ilegais estão com a cotação em alta no mercado.
por Daniel Roncaglia
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2007
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