O que era para ser uma situação transitória transformou-se em normalidade nos principais aeroportos do país: atrasos, vôos cancelados e confusão em excesso. Ontem, Rio e São Paulo registraram 81 decolagens fora do horário. Em Brasília, pelo menos 10 aviões atrasaram, entre chegadas e partidas. A desordem é tanta que os passageiros estão mudando datas e horários das viagens, já prevendo os atrasos. Enquanto o caos em terra segue, no ar pairam dúvidas sobre a segurança de quem voa. Na última segunda-feira, dois aviões — um da FAB e outro da TAM — ficaram próximos de uma colisão, embora a Aeronáutica negue o incidente.

Passageiros adiam compromissos ou mudam hora de viagens com medo de atrasos nos aeroportos. Só ontem foram 91 em três capitais. Na última semana, avião militar quase colidiu com aeronave da TAM

Quase um mês depois dos primeiros engarrafamentos aéreos que provocaram atrasos e cancelamentos de vôos em todo o país, a situação ainda está bem longe da normalidade. Ontem, os aeroportos do Rio de Janeiro (Galeão) e São Paulo (Congonhas e Guarulhos), juntos, registraram pelo menos 81 decolagens após o horário previsto e 63 vôos cancelados. Curitiba também teve dia caótico. Por volta das 17h, um raio atingiu a torre de controle do Aeroporto Internacional Afonso Pena (PR), impossibilitando as saídas e os pousos de aeronaves no terminal, o que resultou num efeito cascata, prejudicando principalmente Porto Alegre (RS).

Em Brasília (Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek), pelo menos 10 vôos atrasaram, entre chegadas e partidas. A situação está mais tranqüila que a registrada no início do mês. No período crítico da crise, foram contabilizados mais de 600 atrasos em um único dia. O caos, no entanto, já provocou mudanças na rotina dos passageiros.

O engenheiro César Cabral, 45 anos, desembarcou ontem em Brasília, vindo do Rio de Janeiro, às 17h30. E poderia ter ido para Manaus, pelo menos, duas horas mais cedo. Mas, estrategicamente, escolheu o último horário para fazer o vôo, às 21h. “Fiquei com medo de haver atraso no Rio. Assim, com o intervalo maior entre um vôo e outro, reduzo as chances de não viajar”, conta Cabral. “Do Rio para Brasília, o atraso foi de quase uma hora. Mas nada que nos fizesse perder o bom humor”, lembrou a esposa de César, Marilete de Fátima Melo, 50 anos.

A médica Daniela Tescari, 35 anos, que veio à Brasília para um casamento, preferiu trocar o plantão, que começaria hoje às 7h, com medo de atrasos nos vôos. “Não quis arriscar. Se eu chegasse em São Paulo de madrugada, não conseguiria trabalhar logo cedo depois de passar a noite no aeroporto”, disse. O medo não é injustificado. “Na semana passada, minha irmã deveria ter saído de São Paulo para Goiânia às 8h para uma reunião. Mas o vôo atrasou duas horas e ela chegou ao compromisso com uma hora e quarenta e cinco minutos de atraso”, lembra.

Distância mínima

Os atrasos não são a única ameaça para quem vai viajar de avião. Um incidente (quase acidente, no jargão do controle aéreo) na última segunda-feira, no entanto, deixou dúvidas sobre a segurança no céu brasileiro. Dois aviões — um da Força Aérea Brasileira e outro comercial, da TAM — ficaram próximos de uma colisão. Eles passaram a menos de 2 milhas náuticas (3,7km) de distância um do outro, quando o normal é manter 10 milhas (18,5km), sendo o intervalo de cinco milhas (9,25km) o mínimo na mesma altitude. Quanto à altura, a menor distância aceitável deve ser mil pés (300m).

Controladores ouvidos pelo Correio explicam que o problema, no caso do incidente, é que a aeronave da FAB estava sendo monitorada pelo controle da defesa aérea, responsável apenas por aviões militares em missões. E o avião da TAM era monitorado pelo controle do espaço aéreo, que cuida de todo o restante do tráfego. “Dois aviões no mesmo espaço aéreo, cada um falando com um grupo de controladores. É pedir para bater”, afirma um operador de vôo que atua em Brasília e pede anonimato, temendo represálias.

A Aeronática, por sua vez, divulgou em nota afirmando que não há registro de qualquer tipo de incidente envolvendo aeronaves civis ou militares e o sistema de controle de tráfego aéreo. O problema, segundo o relato de operadores, é que muitos aviões militares, para se livrarem do controle de fluxo feito desde o início da operação-padrão, intitulam-se como Vôo de Circulação Operacional Militar, o chamado Vocom. Com isso, são monitorados por controladores da defesa aérea e ganham prioridade para furar filas de decolagem e pouso.

O Vocom é usado em casos que envolvem a defesa do espaço aéreo brasileiro, para interceptar aeronaves suspeitas, por exemplo. Pelas regras militares, uma simples viagem com militares a bordo, para trabalhos externos, não seria considerada uma missão especial nem deveria ser designada como Vocom. Até porque um alto número de aviões militares em Vocom atrapalham o tráfego.

Controladores que monitoram exclusivamente aviões militares e os que cuidam do restante da aviação têm a mesma formação. Mas quando são lotados para trabalhar nos centros de controle de aeronaves civis recebem treinamentos diferentes.

O incidente da segunda-feira elevou ainda mais o estresse dos controladores que haviam sido liberados, dois dias antes, de um segundo aquartelamento em menos de um mês. A aproximação dos aviões ocorreu por volta das 15h. Durante alguns instantes, o controlador que monitora a área de São Paulo do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle Aéreo (Cindacta), em Brasília, ficou desnorteado quando viu os dois pontos indicativos do avião ficarem um em cima do outro na tela do radar. Qualquer incidente aéreo deve ser registado para investigação interna.

O número

18,5km é a distância mínima que deve ser mantida entre duas aeronaves

Crise chega ao Congresso

A crise na segurança de vôo chegará, finalmente, ao Congresso. Esta semana, serão realizadas duas audiências públicas, na Câmara dos Deputados e no Senado, para debater o caos nos aeroportos. Os parlamentares irão discutir com autoridades militares e civis, além de controladores de vôos. O objetivo é fazer um levantamento da situação e saber quando a crise chegará ao fim.

No Senado, o debate será amanhã, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura. Foram convidados para a reunião o ministro da Defesa, Waldir Pires; o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno; e o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo, Jorge Botelho.

Na quarta-feira, o encontro será na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara. Além de Waldir Pires, participarão representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dos controladores de vôo, dos aeronautas, das compahias e da Infraero.

Na Câmara, a audiência tratará dos prejuízos causados pelos atrasos aos passageiros. Como a culpa pelo transtornos é do controle de tráfego áereo, as companhias aéreas estão reticentes em pagar indenizações aos seus clientes. As duas audiências atendem ainda um pedido dos representantes dos controladores de vôos, que querem a desmilitarização da atividade.

Na semana passada, Waldir Pires defendeu a criação de um órgão civil para cuidar do tráfego aéreo. “Estamos nos mobilizando, não podemos deixar este assunto cair no esquecimento”, afirmou Jorge Botelho.

Vôo 1907

Quase dois meses após o acidente com o Boeing da Gol, que matou 154 pessoas, a Polícia Federal deverá ouvir hoje, em Brasília, os pilotos norte-americanos Joseph Lepore e Jan Paladino, que conduziam o Legacy quando as aeronaves se chocaram sobre a selva amazônica.

O delegado Renato Sayão deverá colher o depoimento no hangar do Centro de Operações Aéreas que a PF mantém no Aeroporto Internacional Juscelino Kubtschek, em Brasília, ou no comando do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta). O depoimento dos pilotos poderá durar dois dias.

Bimotor cai e ninguém fica ferido

Um bimotor Sêneca 3, de propriedade do agropecuarista Adriano Ricardo de Carvalho, 34 anos, caiu ontem, no bairro Jardim Liberdade, em Goiânia (GO). A aeronave, bastante danificada, ficou sobre o muro de duas casas. Nenhum dos sete ocupantes, entre eles o piloto Roberto Rottini, ficou ferido. Por causa de uma falha no motor do avião, o proprietário, que estava ao lado de familiares e amigos, teve de fazer um pouso forçado. A aeronave vinha do Mato Grosso.

Ele tentou por duas vezes descer na pista do Aeroclube de Goiânia. Mas o avião atingiu a copa de duas árvores, a fiação elétrica, o telhado das duas casas e parou sobre o muro. A presidente do Aeroclube de Goiânia, Zezil Alves Ferreira, chegou ao local esperando uma tragédia. “Foi um milagre”, resumiu, ao saber que não havia feridos. Segundo ela, o mérito é do piloto, que soube fazer o pouso de emergência. Zezil ressaltou que Carvalho é instrutor de vôo com larga experiência.

A primeira pessoa a chegar ao local do acidente foi o segurança Ronair Nunes Soares, 31 anos, que ajudou os tripulantes a saírem do avião. Assustadas, as pessoas saíam de suas casas para saber o que havia acontecido e se certificarem de que ninguém estava machucado. Proprietário da casa do lote 21, José Schiochet chegou ao local pouco depois do acidente. “Minha mulher e meus filhos estão salvos, isso é o que conforta”, assinalou. Mulher de José, Deuzinha Aparecida por pouco não era atingida na cozinha da casa, que ficou destruída. “A minha sorte é que resolvi arrumar o guarda-roupa para só depois fazer o almoço”, contou Deuzinha.

Naiobe Quelem e Renata Mariz

Correio Braziliense