Programa limita aumento do funcionalismo público a 1,5% acima da inflação medida pelo IPCA no ano anterior

Os servidores públicos vão pagar a conta do pacote do governo para acelerar a economia. Entre as medidas anunciadas ontem no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está prevista a criação de um teto para os reajustes dos trabalhadores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Até 2016, a elevação da folha de pagamento da União estará limitada a um aumento real de 1,5%, além da inflação medida no ano anterior pelo Índice de Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O limite, no entanto, vale para o total da folha de pagamento, os reajustes continuarão sendo negociados separadamente com cada categoria, como o governo tem feito nos anos anteriores. Se a regra já estivesse valendo no ano passado, os aumentos concedidos pelo governo em 2006 teriam sido bem menores. A soma do IPCA acumulado em 2006 com o ganho real de 1,5% resulta em 4,64%. A folha de pagamento do governo prevista para 2007, de R$ 128,3 bilhões, no entanto, é 8,21% superior à de 2006.

 A idéia do governo federal em impor um limite é diminuir progressivamente o peso do funcionalismo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Desde 2003, a relação aumentou de 4,9% para 5,3% do PIB. Pelas contas do ministério da Fazenda, em 2010 a relação chegaria a 4,7% da soma das riquezas produzidas no país (veja quadro).

Como na folha de pagamento entram ainda as novas contratações, quanto mais o governo elevar o número de funcionários por meio de concursos públicos, menores serão os reajustes salariais para os atuais trabalhadores. Os servidores não gostaram das limitações e pedem uma renegociação com o governo antes que a proposta seja enviada para o Congresso Nacional. Mas não descartam uma piora na relação entre as duas partes. As greves ocorridas nos últimos anos devem ganhar força, segundo Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).

Na sua opinião, o governo deveria tratar o serviço público como investimento e não como gasto. “O que precisa ficar claro é que não somos os vilões que impedem o crescimento econômico do país. O governo deveria primeiro corrigir as distorções que existem no setor público antes de elaborar esse plano”, afirma. A Força Sindical também defende uma discussão com os trabalhadores. “Ressaltamos a importância de dar reajuste ao funcionalismo, mas o aumento proposto é irrisório para determinadas categorias que sofreram arrocho salarial e necessitam de um plano de reajuste que realmente recomponha o poder aquisitivo”, disse, em nota, o presidente da entidade, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

Uma fonte do governo envolvida na elaboração da fórmula justifica. “Não é gasto, mas é dinheiro que sai do governo e que a partir de agora terá que ser limitado. Nesse valor vão entrar os salários, os reajustes, os benefícios e o pagamento dos servidores que entrarem por concurso público. Não tem jeito, os reajustes terão que ser menores”, afirma. Os acordos feitos anteriormente, no entanto, serão mantidos. Às vésperas da eleição presidencial de 2006, o governo foi generoso nas negociações com o funcionalismo e concedeu reajustes com impactos financeiros até 2012. Esses volumes não entrarão na conta. Segundo o ministério do planejamento, em 2008 o governo gastará 8,09% a mais que em 2007 só com o pagamento dos aumentos prometidos a algumas categorias em 2006. Sem os reajustes que deverão ser negociados nos próximos meses com as categorias, o governo gastará R$ 138,7 bilhões em 2008.

Fundo indefinido

Mesmo tendo sido incluída no Programa de Aceleração do Crescimento(PAC), a previdência complementar dos servidores públicos está parada. O governo ainda não regulamentou o fundo de pensão do funcionalismo, previsto desde 2003. Ontem representantes do governo federal não souberam detalhar as regras de funcionamento do fundo que valerá para os trabalhadores com salários acima do regime geral da Previdência, hoje em R$ 2,8 mil. Os questionamentos quanto à abrangência e a alíquota de contribuição permanecem. A proposta está sendo analisada pela Presidência da República, que deverá fechar um projeto de lei e enviá-lo ao Congresso Nacional nas próximas semanas.

A previdência complementar valerá para os trabalhadores ingressos no serviço público após sua regulamentação e deverá seguir as mesmas regras dos fundos de pensão atuais. O governo não definiu, no entanto, se criará um único plano para os trabalhadores do executivo, judiciário e legislativo ou se cada um dos Três Poderes terá sua própria previdência. A alíquota a ser paga também é uma incógnita. Simulações enviadas pelo ministério do planejamento ao Palácio do Planalto giram entre 6% a 8%. O governo vai contribuir com a mesma parcela paga pelo trabalhador.

Adesão

A adesão ao fundo será facultativa, mas o governo espera que seja grande. Mais da metade dos atuais 550 mil trabalhadores ativos da União recebem acima de R$ 2,8 mil, segundo Luiz Antônio Padilha, diretor da Secretaria-executiva do planejamento. “O fundo é facultativo, mas é muito atrativo”, afirma. “Futuramente o governo pode ainda criar uma regra de transição para os atuais servidores”, completa o ministro da Previdência, Nelson Machado. Após o projeto ser aprovado pelo Congresso, o governo dará início à criação da instituição que vai administrar o plano de previdência. Participarão da diretoria representantes do governo e dos servidores e ele estará sujeito à fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar. (MF) 

Ajuste fiscal tímido

Como os analistas esperavam, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi extremamente tímido na adoção de medidas de ajuste fiscal de longo prazo. Entre as sete iniciativas anunciadas nesse capítulo, apenas duas têm algum impacto prático na contenção de despesas correntes: a limitação dos gastos com a folha de pagamentos do funcionalismo federal e a nova política de aumento do salário mínimo. Ainda assim, o governo calcula que, aliadas à manutenção do esforço fiscal atual e ao crescimento da economia, elas serão suficientes para reduzir o rombo nas contas públicas e a dívida líquida nos próximos quatro anos.

Na solenidade em que lançou o programa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que o equilíbrio fiscal é uma precondição para o “crescimento correto”. Apesar do compromisso verbal com a austeridade, o governo vai mesmo aumentar o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) dos atuais 0,14% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,5%, com gastos de R$ 11,5 bilhões neste ano. Como essas despesas não são computadas no cálculo do superávit primário (economia para pagar juros da dívida), na prática, a meta cairá de 4,25% do PIB para 3,75%. Mas projeções apresentadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, apontam para a melhora das contas.

Segundo as estimativas, mesmo com o primário caindo para 3,75% do PIB por causa do PPI, o déficit nominal (resultado final das contas públicas, depois de pagos os juros da dívida) diminuiria dos atuais 3% do PIB para 1,9% neste ano. O resultado negativo seria praticamente zerado em 2010. A dívida líquida do setor público diminuiria dos 50% do PIB de hoje para 39,7% em quatro anos. O cálculo pressupõe crescimento econômico de 4,5% em 2007 e de 5% nos próximos três anos, inflação dentro da meta e taxa básica de juros (Selic) se comportando como prevê o mercado, numa queda gradual.

Dessa forma, o governo acabaria atingindo o resultado projetado pelo plano fiscal de longo prazo elaborado pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Isso só será possível por causa da redução da Selic desde setembro de 2004, que vai diminuir a conta de juros paga pelo setor público anualmente. Nas contas de Mantega, os encargos vão cair de 5,6% do PIB neste ano para 3,9% em 2010, quando praticamente empatarão com o superávit primário produzido para pagá-los.

Ao explicar o programa, Mantega afirmou que a economia gerada pelas medidas fiscais vai permitir o aumento das desonerações tributárias para incentivar a economia. A decisão de maior visibilidade é a limitação do crescimento da folha de pagamento do funcionalismo público federal. Tomando como base essa iniciativa e o crescimento da economia, o governo pretende reduzir o tamanho da folha salarial dos atuais 5,3% do PIB para 4,7% nos próximos quatro anos. “Pela primeira vez na história, estamos nos comprometendo a repor a inflação e a dar um aumento real de salário para o funcionalismo. Mas, ao mesmo tempo, estamos dando um parâmetro para essa elevação, para que ela não seja desmedida e venha a comprometer os recursos para fazer mais investimentos e prosseguir com as desonerações tributárias”, justificou Mantega.

A nova política de reajuste do salário mínimo implica a correção do valor pela inflação medida pelo INPC do ano anterior, mais o crescimento da economia de dois anos passados. Segundo o ministro, a nova fórmula vai permitir a estabilização dos gastos da Previdência com o pagamento de benefícios em 8,2% do PIB. O governo continuará apostando nas medidas de gestão para combater o déficit da Previdência.

Imposto de Renda

Como se esperava, o governo desistiu de adotar medidas mais fortes na área fiscal, como o redutor de 0,2% do PIB por ano nas despesas correntes. A desoneração tributária anunciada é bem menor que a prevista inicialmente. Além disso, apenas três desonerações, que somam juntas R$ 1,41 bilhão, não estavam previstas no Orçamento de 2007. O corte de impostos de R$ 12 bilhões, anunciado por Mantega, acabou reduzido a R$ 6,6 bilhões. A conta sobe para R$ 11,5 bilhões em 2008. Para chegar a esse número, o governo teve que inflar a previsão com o impacto de medidas já anunciadas, como a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), de 4,5% ao ano até 2010. 

 Pela primeira vez na história, estamos nos comprometendo a repor a inflação e a dar um aumento real de salário para o funcionalismo  

Mariana Flores

Correio Braziliense

Foto: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil 

 

23/1/2007