Lula decide não afastar brigadeiro Bueno por considerar que a crise nos aeroportos chegou ao fim

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconsiderou a permanência do tenente-brigadeiro-do-ar Luiz Carlos Bueno no Comando da Aeronáutica. Em conversa reservada no salão de autoridades da Base Aérea de Brasília, ao chegar de Salvador (BA) no domingo, Lula reiterou sua confiança em Bueno e admitiu que errou ao destacar o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, para negociar diretamente com os líderes da greve dos controladores de vôo. Para o presidente, a solução da crise está encaminhada e não há razão para o governo gastar energia — e o capital político de sua reeleição — no delicado debate sobre a desmilitarização do setor. “Não haverá mudanças nessa área”, garantiu o presidente, segundo relato de um assessor.

Para desfazer os rumores de que Bueno poderá ser afastado, Lula o receberá hoje à tarde no Palácio do Planalto. O encontro servirá para encerrar o mal-estar gerado pela crise nos aeroportos e pela queda-de-braço entre o Ministério da Defesa e o Comando da Aeronáutica. Ontem, Bueno se reuniu com Luiz Marinho e, no final da tarde, foi à Base Aérea de Brasília para acompanhar o embarque do ministro da Defesa, Waldir Pires, que viajou a São Paulo.

A mudança de postura de Lula foi balizada num relatório confidencial elaborado por um gabinete de crise da Força Aérea Brasileira (FAB) convocado por Bueno em caráter emergencial. O Correio teve acesso ao conteúdo do amplo documento, no qual os militares advertem sobre uma tendência de “sindicalização do controle aéreo” e as conseqüências da eventual substituição do comando.

A demissão de Bueno neste momento significaria admitir que existem vulnerabilidades no controle do tráfego aéreo brasileiro, e que elas contribuíram para o acidente, no final de setembro, entre o jato Legacy e o Boeing da Gol, quando morreram 154 pessoas.

Mais do que questões de momento, fica latente, na longa exposição, a preocupação da FAB com a preservação do sistema de controle aéreo integrado. O controle do espaço aéreo brasileiro é militarizado desde sua criação, em 1946. Assim, o monitoramento de rotas da aviação comercial é feito com os mesmos equipamentos que os do sistema de defesa do espaço aéreo. As equipes, civil e militar, trabalham em sedes próximas, às vezes separadas apenas por uma parede.

Enquanto os críticos do sistema o classificam de anacrônico, pois a maioria dos países desenvolvidos utiliza sistemas independentes, a FAB crê que a integração permite agilidade no compartilhamento de dados e pronta resposta do comando de operações. Diz ainda que há vários países interessados nesse modelo.

Atualmente, o país é coberto por quatro grandes centros de controle: O Cindacta 1, em Brasília; o Cindacta 2, em Curitiba; o Cindacta 3, em Recife, e o Cindacta 4,em Belém. Só na Amazônia foram investidos mais de US$ 1,4 bilhão em infra-estrutura. A separação dos sistemas também forçaria a criação de uma rede independente para o monitoramento dos vôos comerciais, a um custo altíssimo.

A exposição de argumentos é longa e inclui um curioso capítulo sobre o Sivam e a “cobiça dos EUA”. Washington tem pressionado o governo brasileiro a assinar um acordo que garantiria aos americanos a visualização dos radares do Sivam, e o poder para influenciar nas negociações entre o Brasil e os países vizinhos.

Por sua parte, os americanos oferecem o link de seu satélite de Miami para monitoramento do espaço aéreo sul-americano. Qualquer acordo nesse sentido depende hoje da aprovação de três ministérios (Defesa, Justiça e Casa Civil), além da aprovação da FAB, que conta com prerrogativa constitucional. O temor dos militares é que amanhã o controle aéreo se torne vulnerável a pilhagem política.

Sindicalização

A FAB fez levantamento detalhado das associações e sindicatos ligados aos controladores de tráfego aéreo. Vem rastreando as ligações políticas e comerciais de sargentos e suboficiais, que “aproveitaram o momento eleitoral e o acidente com o vôo da Gol para dar força ao movimento”. Esses líderes planejam a criação da Federação Brasileira de Controladores do Tráfego Aéreo (Febracta), com apoio internacional da organização de controladores de vôo do Mercosul (OAC-TAM) e da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo (IFATCA).

A Febracta já funciona virtualmente e tem como diretores os presidentes das associações regionais: Wellington Rodrigues (ABCTA), Jorge Carlos Botelho (civil, ACTACTB/SNTPV), Carlos Henrique Trifílio (APCATA SP), Revan Berger (civil, ACTAVIX) e Moisés Almeida (ABCTA DF).

Como os militares não podem fazer greve, a saída foi adotar ritmo mais lento na liberação de pousos e decolagens, e desviar vôos para outros aeroportos para “gerar caos”, de acordo com o relatório. Os sindicalistas, com suposto apoio da CUT, querem “tirar os militares de jogo” para negociar melhorias salariais, segundo o documento.

Estaria em curso uma espécie de luta de classes interna, envolvendo os sargentos — que constituem cerca de 80% do efetivo de 2 mil controladores de vôo no país. Eles formam uma espécie de casta superior entre os sargentos, desfrutam de escalas de trabalho reduzidas, que lhes permite estudar ou desempenhar outras profissões, e não precisam cumprir escala de serviço armado. “Não se trata apenas de uma reivindicação dos controladores por benefícios iguais os dos civis (20%). Os benefícios de que desfrutam atualmente já incomodam muitos sargentos.” A insatisfação tenderia a piorar.  

Medida de emergência

Com o caos instalado nos aeroportos, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, criou um gabinete de crise, composto de assessores políticos e inteligência, com a responsabilidade de elaborar relatório emergencial sobre a crise dos controladores de vôo. O informe, cujos pontos principais o Correio detalha a seguir , também serviu de defesa pessoal de Bueno

Operação-padrão

Levantamento das associações e sindicatos ligados aos controladores de tráfego aéreo. Estão sendo rastreadas as ligações políticas e comerciais dos sargentos e suboficiais. Como os militares não podem fazer greve, a saída foi adotar ritmo mais lento na liberação de pousos e decolagens, e desviar vôos para outros aeroportos Sindicatos

Líderes das associações planejam a criação da Febracta (Federação Brasileira de Controladores do Tráfego Aéreo), com apoio internacional da organização de controladores de vôo do Mercosul (OAC-TAM) e da Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo (IFATCA). A Febracta já funciona virtualmente e tem como diretores Wellington Rodrigues (ABCTA), Jorge Carlos Botelho (civil, ACTACTB/SNTPV), Carlos Henrique Trifílio (APCATA SP), Revan Berger (civil, ACTAVIX) e Moisés Almeida (ABCTA DF)

Acidente da Gol

A demissão de Bueno neste momento significaria admitir vulnerabilidades no controle do tráfego aéreo brasileiro, que contribuíram para o acidente entre o jato Legacy e o Boing da Gol. Morreram 154 pessoas. Como resultado, os pilotos norte-americanos teriam sua responsabilidade na tragédia reduzida. Na próxima quinta-feira, serão divulgadas as conclusões da investigação sobre o conteúd odas caixas-pretas do vôo 1907

Sistema integrado

A maior preocupação da FAB é com a preservação do sistema de controle aéreo integrado. A separação dos sistemas forçaria a criação de uma rede independente para o monitoramento dos vôos comerciais, a um custo altíssimo. E enfraqueceria o governo nas negociações sobre compartilhamento dos dados do Sivam  

Presidente está satisfeito 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou ontem à tarde com o ministro da Defesa, Waldir Pires, para tratar da crise no setor aéreo causada pela operação-padrão feita pelos controladores de vôo. Pires relatou a Lula que as medidas tomadas pelo governo nos últimos normalizaram o serviço de controle do tráfego aéreo.

Na conversa com Pires, o presidente reafirmou que não pretende executar mudanças no Comando da Aeronáutica. Se ocorrer alguma alteração, será apenas no final do ano, no contexto da montagem do novo ministério. Após o retorno do feriado no litoral baiano, Lula disse ao ministro estar satisfeito com a maneira como foi conduzida a crise que afetou os aeroportos de todo o país devido ao protesto dos controladores de tráfego aéreo.

Antes de viajar, bastante irritado com a situação, Lula determinou a Pires que solucionasse o caso até o seu retorno. O que mais incomodou o presidente foi ter que desativar uma bomba justamente na semana posterior à sua vitória no segundo turno contra o tucano Geraldo Alckmin. A assessores, Lula disse que nem teve tempo para comemorar a vitória devido ao caos nos aeroportos e às brigas internas no PT pelo comando da economia.

A intervenção de Waldir Pires na crise, negociando diretamente com os controladores, desagradou ao comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, que considerou tal atitude um desrespeito à hierarquia militar. Pires marcou uma reunião entre os controladores e representantes do governo e da Aeronáutica.

Até o final da semana, os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, devem se reunir com os operadores de vôo, responsáveis pelos atrasos nos aeroportos. Os controladores militares reivindicam a contratação de mais trabalhadores, o pagamento de uma gratificação e a desmilitarização do setor. Bueno e o alto comando da Aeronáutica consideraram a atitude e as reivindicações uma insubordinação que exigia punição de acordo com o código militar. Para o comandante da Aeronáutica, Pires tratou a questão como uma negociação sindical, o que não é aceito pelos militares.

Claudio Dantas Sequeira e Sandro Lima

Correio Braziliense