Ex-presidente da CNBB, teve falência múltipla dos órgãos, após ser submetido a cirurgia no estômago. O bispo gaúcho foi uma das principais vozes a se opor à ditadura militar

Progressista: secretário-geral e presidente da CNBB por 16 anos, Lorscheiter foi um dos poucos a se levantar publicamente contra os militares, denunciando abusos e perseguições

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) anunciou ontem a morte do bispo emérito de Santa Maria (RS) dom Ivo Lorscheiter, aos 79 anos de idade. Ele estava internado no Hospital de Caridade do município desde 25 de fevereiro, apresentando um quadro de arritmia cardíaca e infecção generalizada, por conta de complicações resultantes de uma cirurgia no estômago. Em nota divulgada, a CNBB disse que tem do religioso “a lembrança de alguém que a ajudou crescer, com muito empenho e dedicação, para construir a fraternidade e a colegialidade de seus irmãos bispos”. Ele foi uma das principais vozes em defesa dos direitos humanos ainda nos anos 70, durante a ditadura militar.

Lorscheiter participou do Concílio Vaticano Segundo e foi secretário-geral e presidente da CNBB ainda nos anos 70. O enterro está marcado para hoje, após a missa que será celebrada na Basílica de Medianeira. Ele completaria 80 anos em 7 de dezembro. Nascido em uma família simples e religiosa, ele foi criado em uma colônia alemã no Rio Grande do Sul. O bispo emérito de Santa Maria era primo do cardeal Aloísio Lorscheider, deixa um irmão padre e várias primas freiras.

Dom Ivo Lorscheiter foi protagonista de um tempo histórico em que a Igreja e o governo seguiram sempre sinais opostos. Último bispo brasileiro nomeado pelo papa Paulo VI ainda com o Concílio Vaticano 2º em andamento, em 1965, ele mal teve tempo de respirar o vento liberalizante que vinha de Roma. A situação interna o colocou à frente da CNBB no período mais obscuro do regime militar.

Durante a ditadura, Lorscheiter foi repreeendido pelo presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), expoente da linha dura do Exército, pelas críticas feitas à repressão e ao arbítrio. Gaúcho como o bispo, Médici disse que se a Igreja não moderasse o tom, os militares se sentiriam à vontade para dar aula de religião. A reação do bispo foi dura: “Nós não criticamos vocês por aspectos técnicos, mas por aspectos éticos. Vocês fazem coisas moralmente injustas”.

No entrevero, o bispo chegou a questionar Médici, incentivando-o a prosseguir com a “catequese”. Na Igreja Católica, Lorscheiter foi, naqueles anos de chumbo, uma das poucas vozes a denunciar as torturas do regime de exceção, condenando as perseguições políticas aos adversários do regime, a censura prévia e as injustiças sociais. Era um dos artífices da ala progressista da Igreja no Brasil. O religioso se aposentou em 2002, entregando pessoalmente uma carta ao papa João Paulo II, que tinha uma visão conservadora.

Nascido em São José do Hortêncio, distrito de São Sebastião do Caí (RS), era filho de Francisco e Maria Mohr Lorscheiter, modestos agricultores descendentes de imigrantes alemães católicos. Nos primeiros anos de estudo freqüentou uma Escola Paroquial em sua terra natal, depois prosseguiu num colégio de irmãs religiosas do Imaculado Coração de Maria. Foi ordenado sacerdote em Roma em dezembro de 1952. De volta ao Brasil, trabalhou no Seminário Menor de Gravataí. Em 1965 foi nomeado bispo auxiliar de Porto Alegre e, no ano seguinte, foi ordenado bispo na Catedral Metropolitana. Ele assumiu a diocese de Santa Maria em 21 de abril de 1974.

Nós não criticamos vocês por aspectos técnicos, mas por aspectos éticos. Vocês fazem coisas moralmente injustas

Dom Ivo Lorscheiter, levantando a voz para os generais, nos anos 70

Correio Braziliense