Intenção do governo federal é reduzir elitização na rede que tem algumas das melhores instituições de ensino do País

O governo federal quer instituir o sistema de cotas nas escolas técnicas. A intenção é diminuir a elitização do ensino técnico que tem algumas das melhores escolas de nível médio do País. Diferentemente do restante da rede pública, as técnicas não têm vagas suficientes para atender à demanda. Os chamados vestibulinhos chegam a registrar mais de 15 candidatos por vaga em algumas áreas.

‘Muitas vezes, o aluno que fez o ensino fundamental na rede particular ganha na seleção’, diz o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (MEC), Eliezer Pacheco. Ocorre que muitos alunos de classe mais alta não estão interessados em uma formação técnica, mas optam pela escola pela boa qualidade do ensino.

No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) os alunos dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) tiveram algumas das melhores notas do País. Os Cefets do Ceará, Paraná, Santa Catarina e Roraima, por exemplo, foram os primeiros colocados comparados a todas as escolas de ensino médio de seus Estados. Em 18 dos 22 Estados onde há escolas técnicas federais, elas estão entre as dez melhores nos rankings do Enem. O desempenho pode ser justificado pelo forte investimento em capacitação de professores e estrutura.

O sistema federal de ensino técnico é menor que os sistemas regionais. O Brasil tem 705 mil alunos nesse tipo de formação e apenas 83.610 estão em escolas federais como Cefets e Escolas Técnicas Federais (ETFs). São 167 escolas mantidas pela União ante 5.009 pelos Estados. A legislação brasileira entende o ensino técnico como de nível médio, apesar de o aluno ter de cursar previamente ou concomitantemente o ensino médio para se formar.

As cotas para esse tipo de formação, apesar de até agora não terem surgido no debate nacional como o que ocorreu para reserva de vagas nas universidades, fazem parte do projeto de lei que aguarda votação no Congresso. Se for aprovado, as cotas passam a valer apenas no sistema federal, com 50% das vagas destinadas a alunos que cursaram integralmente a rede pública. A parte reservada a negros e índios seguirá a porcentagem dessa população em cada Estado.

Mas já há experiências isoladas de ações afirmativas na rede técnica. Uma das mais antigas é a do Cefet do Rio Grande do Norte, em que metade das vagas são disputadas apenas por alunos que cursaram escola pública. Antes de serem avaliados, no entanto, eles passam por uma espécie de reforço em disciplinas de português, matemática e cidadania, promovido pelo próprio Cefet. A outra metade das vagas é oferecida por meio de um exame convencional, com concorrência que chega a 20 candidatos por vaga. Segundo o diretor Francisco das Chagas Fernandes, desde que o sistema começou, em 1995, aumentou de 30% para 70% o índice de alunos vindos da rede pública na instituição.

‘A sociedade oferece poucas oportunidades para um aluno de escola pública e aqui se tem um ensino de ótima qualidade que não encontramos em outra escola’, diz Igor Luis, de 18 anos, que estuda no Cefet RN e foi beneficiado pelo programa.

Nas unidades de Cefet no Rio também há uma prova específica para estudantes de escola pública. Segundo o diretor Luiz Caldas, o desempenho dos alunos depois do ingresso é semelhante ao do restante. No Cefet Rio atualmente cerca de 30% dos alunos são de famílias com até um salário mínimo.

MENOS CONCORRÊNCIA EM SP

‘Uma política de cotas faz sentido no sistema federal, que tem poucas vagas, mas não no estadual’, diz o educador Marcos Monteiro, do Conselho Estadual da Educação de São Paulo e durante dez anos diretor do Centro Paula Souza, responsável pelo ensino técnico no Estado. São Paulo tem cerca de 80 mil alunos em ensino técnico e cerca de 50 mil novas vagas por ano. Cerca de 70% dos alunos que ingressam nas escolas paulistas são de famílias que recebem entre um e cinco salários mínimos. A concorrência é de dois ou três alunos por vaga. Em vez de cotas, alunos que cursaram o ensino fundamental na rede pública e negros ganham bônus na seleção, desde 2005.

Para Monteiro, a questão da elitização começou a ser resolvida no Estado com a separação do ensino médio e do técnico dentro das instituições, a partir de uma lei federal de 1998. Assim, o governo pôde investir apenas em abrir vagas no ensino técnico e ele se tornou menos concorrido.

Mas a lei foi mudada em 2004 pelo governo Lula. Ela agora incentiva a junção do ensino técnico e do ensino médio dentro das escolas. Para o MEC, as instituições vão assim atrair alunos de mais baixa renda e que estejam realmente interessados na formação técnica.

Renata Cafardo

O Estado de S. Paulo